O alemão Martin Schulz, nascido em 20 de dezembro de 1955 em Eschweiler (Renânia), social-democrata do SPD desde 1974 e o único candidato às eleições alemãs do próximo domingo com uma réstia de hipótese de bater a chanceler Merkel, fez a sua carreira política de trás para a frente. Ou, dito de outra maneira, cresceu para a política fora das fronteiras do seu país e tenta agora um regresso que parecia ser auspicioso, mas que corre o risco de ser um fracasso.
Filho de um polícia social-democrata e de uma doméstica democrata-cristã (ativa nas hostes da CDU de Merkel) o jovem Schulz parece ter demorado a encontrar um rumo que lhe servisse: depois da escola primária, entrou num liceu católico de que sairia quase dez anos depois sem nunca ter chegado a concluir o curso intermédio, com certeza mais próximo de uma boémia que quase lhe tomaria a vida ainda demasiado cedo. A opção pela política – ao mesmo tempo que se apaixonava pelos livros, pelas bibliotecas e pela edição de obras literárias – parece tê-lo libertado dos males com que estreitamente se ia encontrando naquela região de fronteira, próxima da Bélgica e da Holanda.
Aderiu ao SPD com apenas 19 anos, mas ‘indiretamente’: por via de um grupo chamado Jovens Socialistas, bem mais radical que o SPD, social-democrata e quase tão conservador como a CDU – dizem alguns analistas políticos que não há na Alemanha verdadeira esquerda desde que Rosa Luxemburgo e Karl Liebknech foram assassinados em 1919 (talvez com a exceção dos Baden Main Hoff). A ‘cartilha’ política dos Jovens Socialistas era bem próxima da defesa daquilo que posteriormente se convencionou chamar ‘temas fraturantes’, por muito que não fraturem coisa nenhuma, e tinha ainda como princípio o internacionalismo como contraponto ao nacionalismo – o que, na Alemanha, é qualquer coisa próxima do pecado.
Apesar de militar na esquerda do SPD, Schulz não demorou a ser eleito para o conselho municipal de Wurselen (1984) – não sem antes se livrar de afazeres exteriores à política: em 1975 e 1976 cumpriu uma formação profissional de livreiro, trabalhou em diferentes editoras e livrarias, fundou uma, mas dirigiu-a apenas até ser eleito.
A política passou a ser a sua nova paixão – aparentemente correspondida: aos 31 anos, em 1987, tornou-se o mais jovem presidente de câmara do estado de Renânia do Norte-Vestfália. Dizem os seus amigos que se destacou pela competência e pelo sentido de justiça, a que, aparentemente, os alemães, que o elegeram para o Parlamento Europeu em 1994, terão sido sensíveis.
E foi aí que verdadeiramente despertou: tornou-se chefe da bancada do SPD (pertencente à família socialista) entre 2000 e 2004, altura em que acumulou o cargo de vice-presidente do grupo socialista – ao mesmo tempo que se destacava pelo trabalho desenvolvido nas áreas dos direitos civis, dos direitos humanos e da justiça. Foi, por isso, pacificamente que, em 2004, sucedeu ao espanhol Enrique Barón Crespo na liderança dos socialistas europeus.
Em pouco tempo, ‘elegeu’ o seu ‘inimigo’ mais óbvio: o português Durão Barroso, líder de uma comissão que Schulz haveria de observar com alguma reserva a maior parte do tempo e com muita reserva algumas vezes, tendo sido uma das vozes mais críticas da deriva liberal e conservadora que o ex-primeiro-ministro do executivo lisboeta quis imprimir à liderança comum. Dizem os que andaram por aquelas bandas à época que Schulz tinha a capacidade de irritar Barroso com alguma facilidade, coisa que fazia com muito mais frequência que aquela que o português desejava e que a família social-democrata e democrata-cristã pretendia.
A face mais visível desta falta de sintonia entre ambos sucedeu em 2009, quando tentou (com o ’verde’ Daniel Cohn-Bendit, também alemão e o mais destacado dirigente estudantil do Maio de 68), engendrar uma comissão alternativa Comissão Barroso II, que seria, mas nunca foi, dirigida pelo belga Guy Verhofstadt.
Nem sempre as suas iniciativas foram entendidas na sua casa, a Alemanha, onde acabou por ascender à posição nem sempre apreciada de esquerdista radical (pelo menos na ótica mais ou menos limitada da Alemanha) – e talvez por isso nunca tenha chegado a qualquer cargo da Comissão, apedar de o seu nome fazer constantemente parte das listas obviamente oficiosas dos elegíveis.
Mas acabaria por vingar-se: foi eleito presidente do Parlamento Europeu (depois de ter sido proposto pelos socialistas por unanimidade) em Setembro de 2011, numas eleições onde atingiu 387 votos (em 670), mais que suficientes para baterem o conservador britânico Nirj Deva (142 votos) e a liberal Diana Wallis (141 votos), também britânica.
Daí para a presidência da Comissão Europeia parecia ser um passo pequeno, bem ao alcance da perna de Schulz. Mas os europeus não estiveram pelos ajustes: em maio de 2014, os socialistas ficaram apenas em segundo lugar e, depois de uma história razoavelmente rocambolesca – que meteria Angela Merkel ao barulho, como está bom de ver – o luxemburguês Jean-Claude Juncker acabaria por tomar-lhe o lugar.
Foi portanto como presidente do Parlamento Europeu que Schulz teve a oportunidade de ser um dos mais entusiastas apoiantes ‘foras de portas’ da nomeação de António Costa como primeiro-ministro de Portugal.
Tanta experiência e notoriedade foram o suficiente para o SPD (de cujas lideranças fez parte desde 1999) o querer de volta a casa, para tentar estancar a hegemonia ‘merkeliana’ que impera na Alemanha desde 2005. Tinha as características necessárias: não só a notoriedade internacional, mas principalmente a falta de ligação à grande coligação (SPD-CDU) que governou a Alemanha nos últimos quatro anos, e com a qual, verdadeiramente, Schulz não tinha nada a haver.
Foi recebido de braços abertos pelo partido e pelo eleitorado: entre maio e abril passado, as sondagens davam-lhe um empate técnico com Angela Merkel. Mas depois veio ao de cima aquilo de que a entourage de Merkel já suspeitava: tantos anos de Bruxelas e de Estrasburgo atiraram Schulz para o lugar do político pouco conhecedor da realidade caseira.
E os resultados vieram por aí abaixo. A poucas horas das eleições, o filho pródigo que aceitou deixar o conforto de Bruxelas, pode estar bem próximo de mais uma derrota.
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