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“Não houve escapatória para quem investe”, dizem analistas

A pandemia, a guerra, a inflação e agora o provável cenário de recessão económica fazem-se sentir e vão obrigar os investidores a agir com cautela, mas há sempre oportunidades, dizem especialistas.
10 Julho 2022, 15h00

O cenário global marcado ainda pelos efeitos da pandemia e agora com o peso de um conflito em solo europeu soma-se a outros desafios que especialistas consideram vir a ter impacto nos mercados. Exemplo disso é a crise energética que, dizem, ainda não atingiu o seu ponto alto e também a inflação e a ameaça de uma recessão económica, que vão obrigar os investidores a agir com cautela e a aceitar algum risco. Contudo, asseguram os convidados da JE Talks desta semana, haverá sempre oportunidades para “entrar” na corrida.

“Em relação às tendências e aos factores que vão marcar este ano, acabam por ser um pouco de tudo aquilo que já tem vindo a acontecer desde o início do ano”, diz Francisco Neto, Business Development Manager da Schroders. No caso da Europa, explica, o primeiro plano foca-se no conflito que decorre na Ucrânia, desde a invasão pela Rússia em fevereiro. Mas também a crise energética que daí advém vai afetar “severamente” os países europeus, sobretudo pela “elevada dependência energética” que estes têm.

Mas nem só de imprevistos, ou acasos, se pautam as preocupações. Também a atuação dos bancos centrais vai pesar, especialmente daqui para a frente. “As ações dos bancos centrais, agora com uma política de caráter muito mais contracionista em termos monetários, irão naturalmente ter uma consequência”, diz Neto antes de acrescentar que “todos estes movimentos de subida de taxas e o consequente impacto que poderão ter, em termos de uma possível recessão económica que é cada vez um cenário mais provável em termos de perspetivas macroeconómicas”.

O responsável da Schroders resume desta forma a conjuntura internacional que afeta neste momento o mercado de capitais. “Assistimos a uma forte correção, bastante acentuada, especialmente em todo o espetro obrigacionista”, diz, acrescentando ainda que a tendência se arrasta, mas não de forma tão acentuada, ao mercado acionista.

Existem, segundo o mesmo, várias possíveis consequências daqui para a frente. Entre elas, “uma menor capacidade das empresas em termos de resultados, fruto de uma menor margem dado o aumento dos custos das matérias-primas; a própria política de ‘Covid Zero’ que, no caso da China, continua a ser um player com uma elevada preponderância em termos de contribuição para o PIB global”, e que preocupa “todas as perspetivas que possam ser feitas”. Na opinião do especialista da Schroders, está-se a assistir a uma pressão igualmente inflacionária que engloba estes temas que “acabam por marcar um pouco aquilo que são as preocupações [dos investidores] este ano”, salienta Francisco Neto.

Um ano extraordinário
O consultor de estratégia e investimento Marco Silva, começa logo por dizer que 2022 está a ser um ano “extraordinário”, no sentido lato da palavra. O especialista aponta que não devemos esquecer que “tivemos um período de altíssima volatilidade aquando do crash do Covid, que foi a queda mais rápida e a subida subsequente mais rápida de sempre, em termos temporais”. 2022, segundo o mesmo, está a seguir essas pegadas embora “não tão violento em termos de rapidez na correção”. Além de alertar para esses fluxos acelerados, Marco Silva sublinha que “o SP500 teve o seu pior primeiro semestre dos últimos 50 anos”. Tudo isto sinal de que “estamos numa época extraordinária onde existe uma clara rotação de capital”.

Segundo o consultor, os sectores que mais subiram, como as tecnológicas, são aquelas que têm tido um comportamento pior. “É normal”, assegura, e recorda uma recente declaração do investidor Michael Burry, o célebre investidor que foi retratado no filme ‘The Big Short’, que diz que passámos agora a fase da compressão dos múltiplos de mercado e estamos, ou iremos entrar, na fase de compressão dos resultados. “Ou seja, o mercado ajustou à redução das perspetivas e, agora, provavelmente vai ser confrontado com a redução dos resultados”, elabora.

Para Marco Silva, agora esperamos para ver “qual é o cenário que eles irão pintar para os próximos dois trimestres, pelo menos”, e é se o fizerem, porque segundo o consultor, “desde a Covid que as empresas têm sido um pouco menos expansivas a indicar o seu comportamento” e também menos expostas ao risco. “Os indicadores técnicos que tenho dão-me o NASDAQ, por exemplo, com a probabilidade de ir aos oito mil pontos, ou um pouco menos”, adianta ainda o consultor, salientando que nos encontramos, ainda, “numa fase extremamente volátil”.

A palavra é: volatilidade
Tanto Marco Silva como Francisco Neto confirmam que a principal preocupação se prende com a volatilidade, que deverá permanecer, de acordo com o primeiro, elevada. “A rotação de capital faz isso”, sublinha Marco Silva. Mas não só, avisa: “Também a perceção que o mercado vai tendo sobre como é que a Fed [Reserva Federal norte-americana] vai reagir não só aos dados económicos, mas também ao comportamento do mercado”.

O consultor garante que já se fala de um possível corte de taxas em 2023. Caso aconteça, “será uma montanha russa para os investidores”. “Mês após mês, haverá um ajuste da taxa de juro e isso tem uma consequência imediata no comportamento do mercado. A volatilidade vai estar em alta, portanto é preciso ter cuidado, nomeadamente com a alavancagem”, acautela. A alavancagem é uma técnica utilizada para multiplicar a rentabilidade através de endividamento, muito frequente nas empresas. Deixa ainda o aviso de que a correção “pode ainda não ter terminado”. É possível, diz Marco Silva, fazer entrada no mercado em “ativos seletivos”, mas importa manter em mente que ainda “poderemos vir a entrar mais baixo”. “Existem algumas empresas com bastantes boas perspetivas, mas cautela é a palavra de ordem. Temos que ter em atenção que estamos no meio da tempestade”, reforça.

Francisco Neto concorda com as opiniões do consultor, e explica aos espetadores do Jornal Económico que este cenário se deve ao “mandato primordial dos bancos centrais”, que, diz, é a estabilidade de preços. “Existe agora o foco, com os níveis de inflação elevados, de caráter não transitório, a verdade é que os bancos centrais terão que, em algum momento, se começar a preocupar mais com a possibilidade de uma recessão económica e com o impacto que a subida de taxas poderá ter em termos económicos, nos Estados Unidos e na Europa”, diz.

É que, segundo o Business Development Manager da Schroders, só se ocorrer “uma mudança de tom” por parte dos bancos centrais é que podemos considerar que o mercado “poderá começar a ajustar, de uma forma mais positiva”. Essa mudança de tom, diz ainda, implica “uma aterragem mais suave, para que não caminhemos face a uma recessão económica de impacto mais severo”, como aconteceu com o mercado obrigacionista.

“O pessimismo que o mercado obrigacionista está a descontar é altamente severo, de uma recessão altamente severa”, acrescenta, dizendo ainda que se aguarda “o momento em que – e terá que haver – por parte do Banco Central Europeu (BCE) , um sinal de que não irá seguir uma política de caráter tão contracionista como a Fed, até pelo conflito geopolítico que a Europa atravessa e a consequente vulnerabilidade que a economia europeia tem em comparação com a norte-americana”.

Só aí, acredita, se poderá abrir um “leque de oportunidades”, epecialmente tendo em conta o nível de rentabilidade que o mercado apresenta neste momento. Ainda assim, deixa a ressalva: “Ninguém tem uma bola de cristal, portanto a volatilidade está aqui para ficar”.

“Ninguém poderá saber quando é que esse shift [mudança] por parte do tom dos bancos centrais irá mudar ou não, ou quando é que essa preocupação mais económica, e não de inflação, irá ocorrer”, salienta Francisco Neto. De acordo com o especialista da Schroders, e apesar do panorama desmotivamente, ainda persistem oportunidades neste momento. A mensagem principal que deixa, na JE Talks, é de que apesar de todos os riscos conhecidos e desconhecidos “a correção que o mercado sofreu até agora, em concreto no espetro obrigacionista, apresenta já, se for feita uma seleção ativa e cautelosa, um nível de rentabilidade bastante interessante”. Nível este que, diz, era muito “difícil de encontrar”, com toda a liquidez e política de caráter “mais expansionista”, que marcou os últimos anos. Francisco Neto defende que estamos perante um novo paradigma, que segundo o mesmo “acaba por ser muito interessante”. Isto porque as empresas têm aproveitado, ao longo dos últimos anos de política mais acomodativa, “para limpar os seus balanços”. Também o nível de alavancagem e incumprimento são mais baixos, garante, apesar de as taxas de default terem aumentado recentemente. “A capacidade das empresas em pagar dívida de curto prazo é bastante razoável”, sublinha. “Existem aqui bons fundamentais no mercado, acima de tudo, e com esta correção, como dizia, uma oportunidade para entrar, sempre de forma cautelosa e ativa”, conclui.

Algo tinha que mudar
Por sua vez, Marco Silva diz que toda esta conjuntura confirma a previsão “de que algo tinha que mudar”. Até porque, no final do ano passado, segundo o próprio, “estávamos com níveis de avaliação extremamente elevados e com indícios mais do que evidentes de uma bolha no mercado”. Estas bolhas – como a de 2008 – costumam quase sempre “vir com momentos non-sense de valorização de alguns ativos que não eram ativos, e não são, pelo menos não com aquele valor”, diz. Marco Silva refere-se aos NFT “e muitas criptomoedas que apareceram – os investimentos parvos”, chama-lhes. Isso só acontece, diz, “quando uma bolha está prestes a rebentar”.

“Durante toda a história dos mercados é isso que tem ocorrido. Era expectável uma correção – não aconteceu até agora porque a Fed e o BCE continuavam a injetar dinheiro no sistema e quando há liquidez as quedas são sempre muito contidas”, explica. “A partir do momento em que essa liquidez desaparece, é uma bola de neve no sentido inverso. (…) Ainda não estamos sequer no olho do furacão”, garante. Para o consultor, o olho do furacão será quando o inverno chegar à Europa e faltar gás natural. “Isso vai ter um impacto brutal na economia europeia. Isso vai ser o ponto-chave para percebermos para onde é que vamos nos próximos meses”, remata.

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