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Pedro Portugal Gaspar: “Ações de fiscalização da DGC vão incidir na publicidade enganosa e marketing de influência”

A DGC está atenta e vigilante ao marketing de influência, apontada como uma área preocupante a par da publicidade enganosa. A nova realidade de influenciadores digitais, mercado que vale cerca de 20 milhões de euros, é um dos principais desafios nas próximas ações de fiscalização da DGC, liderada por Pedro Portugal Gaspar. Este responsável dá ainda conta, em entrevista ao JE, de que o maior número de queixas de publicidade incide nas campanhas dos supermercados. E revela também que volume de reclamações no Livro de Reclamações é “bastante elevado”, cerca de 450.000 reclamações.
3 Abril 2024, 07h30

Em entrevista ao JE, o diretor da Direção-Geral do Consumidor (DGC) sinaliza que a publicidade, pela importância que tem no mercado, como momento de formação da vontade no consumidor, constitui uma prioridade na atuação da entidade que lidera. Pedro Portugal Gaspar revela que as operações de fiscalização da DGC vão incidir nas áreas preocupantes da publicidade enganosa e marketing de influência. E diz que está em causa não só em fiscalização direta e tradicional, como em diálogo com os agentes envolvidos, com vista à adoção de boas práticas de autorregulação, como forma de antecipação dos problemas, em especial em situações mais ou menos recentes como é o caso dos influenciadores digitais.

Segundo este responsável, em Portugal, o marketing de influência é um mercado que já vale cerca de 20 milhões de euros e a DGC está atenta e vigilante a este sector. Numa recente fiscalização de publicidade de influenciadores nas redes sociais, a DGC detetou mais de uma centena de mensagens irregulares que não identificavam a relação comercial entre influenciador e 76 empresas ou marcas publicitadas, que levaram à instauração de processos de contraordenação.

Face à nova realidade de influenciadores virtuais, que ao conjugar elementos de inteligência artificial e uma “moldagem” de verdadeira ficção, asseguram um grande número de seguidores, a DGC aponta como um dos principais desafios nas próximas ações de fiscalização.

Pedro Portugal Gaspar promete também continuar a vigilância sobre a publicidade imobiliária, onde se assiste a uma grande dinâmica de anúncios, recordando que a aquisição de uma habitação é uma das principais decisões de transação dos consumidores ao longo da vida.

Ainda no que respeita ao segmento da publicidade, este responsável avança que as campanhas promocionais dos supermercados são o tópico sobre o qual incide o maior número de queixas e denúncias remetidas à DGC pelos consumidores.

Sobre as reclamações junto da DGC diz ainda que incidem maioritariamente sobre as comunicações eletrónicas, eletrodomésticos ou aparelhos de uso doméstico, os serviços bancários e financeiros. E revela que a DGC tem recebido vários pedidos de informação/reclamações sobre aumento de preços, inflação, diferença de preços, bem como um novo fenómeno reportado a cheapflation, que consiste na substituição de alguns alimentos ou produtos por outros mais baratos, traduzindo-se numa alteração na composição dos produtos que, no limite se traduz na redução da qualidade dos mesmos.

Como é que a DGC avalia as tendências atuais dos influenciadores na publicidade em Portugal?

O marketing de influência tornou-se um pilar no contexto da economia digital à escala global.

A dimensão do mercado mundial neste segmento específico mais do que duplicou desde 2019, com um valor global estimado em mais de 19 mil milhões de euros em 2023.

Em Portugal, de acordo com dados recentes, este mercado vale cerca de 20 milhões de euros, tendo sido apurado um crescimento de 66% face a 2021.

Considerando a relevância no investimento das empresas neste segmento, afigura-se essencial assegurar um elevado nível de proteção ao consumidor no meio digital, em particular, na publicidade veiculada nas redes sociais por influenciadores.

De acordo com a legislação europeia, os influenciadores envolvidos em atividades comerciais regulares são considerados profissionais– estando obrigados, como qualquer operador económico, a divulgar os anúncios de forma transparente.

A Direção-Geral do Consumidor, enquanto autoridade pública em matéria de proteção do consumidor e, também, enquanto autoridade de fiscalização em matéria de publicidade está atenta e vigilante – sendo imperioso investir na dimensão da prevenção e capacitação de todos os agentes económicos envolvidos.

Quais são os dados dessa fiscalização?

Tendo por base os dados da última ação de fiscalização (na qual foram analisadas 366 mensagens publicitárias de 20 influenciadores – num universo total de 137 empresas publicitadas), verificou-se que os principais sectores de atividade abrangidos pelas publicações dos influenciadores portugueses foram os cosméticos, desporto, plataformas de transportes de passageiros, eletrodomésticos, vestuário, hotéis, restauração, ginásios, joalheria, cabeleireiros, suplementos alimentares para desporto, bebidas, comunicações eletrónicas, automóveis, streaming, brinquedos, bancos, jogos, viagens e tecnologia.

Constatou-se que neste universo publicações com conteúdo comercial, o mesmo influenciador identifica corretamente a publicação como publicidade em alguns casos e noutros não – o que nos remete necessariamente para a responsabilidade de todos os potenciais atores envolvidos – influenciadores, agências de publicidade (se aplicável) e empresas/marcas, pelo que a autorregulação ganha uma importante dimensão.

E quais são os desafios futuros nesta área de comunicação comercial, nomeadamente ao nível da atuação da DGC?

Acresce à questão da identificação das publicações com conteúdo comercial como publicidade, a verificação do cumprimento de outras regras consagradas na Código da Publicidade – nomeadamente, as restrições sobre publicidade a menores, bebidas alcoólicas, a publicidade a géneros alimentícios dirigida a menores de 16 anos, entre outros. Cumpre ainda referir a verificação do cumprimento do princípio da veracidade das mensagens publicitárias, designadamente, a deteção de publicidade enganosa no segmento do marketing de influência. O aprofundamento desta análise enquadra-se como elemento essencial nas próximas ações de fiscalização, sem prejuízo de uma abordagem “follow up” quanto à questão da identificação da publicidade. Agora, tratando-se de uma realidade recente, com grande crescimento económico, estão criadas as condições para uma monitorização contínua onde, para além da fiscalização, importa incentivar o cumprimento positivo por via da autorregulação entre os diversos intervenientes (influenciadores, agências e marcas).

Como se compara os níveis de incumprimento face aos restantes países europeus? Quais são as principais áreas de atividade em que foram detetadas infrações?  Quantos processos de contraordenação foram instaurados?

A última ação de fiscalização desencadeada pela DGC, enquadrou-se no denominado exercício conjunto SWEEP realizado anualmente pelas autoridades de proteção do consumidor na União Europeia, sob a coordenação da Comissão Europeia.

No total (ao nível europeu, incluindo Portugal), foram verificadas publicações de 576 influenciadores, constatando-se que 97% desta amostra publicaram mensagens com conteúdo comercial, dir-se-ia que os resultados nacionais estão em linha com os resultados europeus.

A DGC instaurou 19 processos de contraordenação, cumprindo notar que no âmbito desses processos são visados os influenciadores, agências de publicidade (quando aplicável) e empresas/marcas. As infrações detetadas são referentes à violação do princípio da identificabilidade consagrado no Código da Publicidade.

Os influenciadores virtuais são uma nova tendência? Quais são as preocupações que gera à DGC?

Será ainda prematuro afirmar com toda a certeza que são uma nova tendência – uma vez que está associado ao grau de adesão das empresas/marcas a esta tipologia de influenciadores, mas os dados existentes apontam para a nova realidade de influenciadores digitais, que ao conjugar elementos de inteligência artificial e uma “moldagem” de verdadeira ficção, têm condições para se afirmarem no mercado, assegurando um grande número de seguidores, o que constitui certamente um dos principais desafios nas próximas ações de fiscalização da DGC – perspetivando identificar as práticas dos influenciadores virtuais.

Do ponto de vista da proteção dos consumidores, a primeira preocupação é a clara identificação ao consumidor que estes conteúdos são gerados por ferramentas de inteligência artificial – ou seja, por meios não humanos. Em segundo lugar, as regras da publicidade são aplicáveis a esta tipologia de influenciadores, assegurando uma total sobreposição das regras aplicáveis aos influenciadores digitais físicos, existindo sempre um sujeito para a imputação das práticas desenvolvidas pelo influenciador digital virtual.

Face à relevância crescente das redes sociais nas escolhas dos consumidores e do papel dos influenciadores, quais as ações que a DGC tem desenvolvido para proteção e esclarecimento do consumidor?

Em primeiro lugar, destaca-se a realização de ações de fiscalização e a comunicação pública dos resultados – perspetivando transmitir quer aos consumidores, como aos influenciadores e operadores económicos as regras aplicáveis à publicidade e a prioridade dada pela DGC a esta matéria, traduzindo-se por uma prevenção geral futura, associada à fiscalização concreta já efetuada.

No segmento específico da capacitação dos consumidores, a DGC tem realizado várias iniciativas e ações de formação junto dos Centros de Informação Autárquica e no âmbito das sessões de formação enquadradas no Referencial para a Educação (dirigida aos professores do ensino secundário) – sendo este tópico prioritário nas referidas sessões de formação.

A DGC pretende atualizar o seu Guia de Boas Práticas para marketing de influência, tendo por base, os resultados das ações de fiscalização e o trabalho desenvolvido com autoridades congéneres e a Comissão Europeia no âmbito da Rede Europeia para a Proteção do Consumidor.

Finalmente, cumpre ainda realçar o objetivo de aprofundar a cooperação com a Auto-Regulação Publicitária, em linha com o compromisso da Comissão Europeia na manutenção de um diálogo contínuo com os membros da Aliança Europeia de Normas Publicitárias (EASA), incentivando as autoridades responsáveis pela aplicação da lei e aos organismos de autorregulação para cooperarem e alinharem as orientações fornecidas aos influenciadores a nível nacional, uma vez que é essencial a cooperação entre todos os intervenientes neste processo, pois só num quadro de responsabilidade partilhada poderemos alcançar níveis de cumprimento mais exigentes.

Uma recente operação de vigilância sobre a publicidade imobiliária, a DGC analisou mais de 850 anúncios em diferentes plataformas digitais, que resultou na identificação de 11 infrações e o envolvimento de oito operadores económicos. Que tipo de infrações foram detetadas? Esta é uma área preocupante para a DGC?

As infrações detetadas são referentes à falta de identificação da área útil do imóvel – sendo esse um elemento obrigatório nos termos do Decreto-Lei n.º 68/2004 (requisitos a que obedecem a publicidade e a informação disponibilizadas aos consumidores no âmbito da aquisição de imóveis para habitação).

A aquisição de uma habitação é uma das principais decisões de transação dos consumidores ao longo da vida – afigurando-se imperioso a monitorização regular desta área, em especial no meio digital, onde se assiste a uma grande dinâmica dos anúncios.

Contudo, os dados desta última ação de fiscalização permitem-nos concluir que o trabalho da DGC nesta área deu resultados positivos, atento ao significativo aumento da taxa de cumprimento (36% em 2017 e 89% em 2024).

Quais são as áreas mais preocupantes que devem incidir as operações de vigilância?

Em matéria de Publicidade, essencialmente a que se refere à publicidade enganosa, publicidade dirigida a menores, marketing de influência nas redes sociais e padrões obscuros.

À DGC foi igualmente atribuída competência para a fiscalização das Cláusulas Contratuais Gerais (cláusulas absolutamente proibidas), bem como a presidência da Comissão das Cláusulas Contratuais Gerais, pelo que será uma matéria a merecer grande atenção por parte da DGC e no futuro imediato uma das suas prioridades essenciais de atuação.

O consumidor está mais exigente e esclarecido? Quais são os sectores em que se registam mais queixas dos consumidores?

Em 2023, foram apresentadas um total de 448.199 reclamações no Livro de Reclamações (menos 4%, comparativamente com 2022), sendo que desse total houve 212.654 reclamações através do livro eletrónico (variação de mais 7% em relação a 2022) e as restantes 235.545 no livro físico (menos 12%, comparativamente com 2022), dir-se-ia, numa leitura imediata, reclamou globalmente menos, mas utilizou mais o meio digital para expressar as suas reclamações.

As entidades que recebem e analisam o maior número de reclamações, tanto no formato eletrónico como no físico, são a ASAE (173.914), a ANACOM (103.725) e a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) (35.908). Já no livro de reclamações eletrónico, a ANACOM é a entidade que recebe e trata o maior número de reclamações (67.041), seguindo-se a ASAE (53.914) e a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (21.458). No que se refere ao livro de reclamações físico, é a ASAE que recebe e analisa o maior número de reclamações (120.000), seguida da ANACOM (36.684) e da ERS (30.452).

Nas reclamações recebidas pela ANACOM, as comunicações eletrónicas são o sector mais reclamado, sendo os principais motivos das mesmas a faturação e contratação de serviços, bem como a assistência técnica.

Já nas reclamações recebidas pela ASAE, a comercialização e montagem de equipamentos elétricos, os hipermercados e o pronto-a-vestir são os sectores mais visados, tendo como principais motivos as transações e encomendas, o atendimento, a qualidade do serviço, assim como os preços e campanhas de publicidade. Por fim, quanto à ERS, as unidades de cuidados de saúde, as unidades de saúde dentária e os meios complementares de diagnóstico são os sectores mais reclamados, tendo como principais motivos a faturação excessiva, adequação e pertinência dos cuidados de saúde, bem como informação prévia sobre custos, comparticipações e coberturas aplicáveis.

No que concerne à DGC diretamente…

… tratou 9.011 pedidos de informação e reclamações em 2023. Os sectores mais reclamados foram por ordem: comunicações eletrónicas, eletrodomésticos ou aparelhos de uso doméstico, os serviços bancários e financeiros, fornecimento de eletricidade e gás. Os principais motivos de reclamação estão relacionados com o fornecimento de bens ou a prestação de serviços, seguidos de problemas com contratos, problemas de qualidade dos bens ou serviços e problemas com a falha na entrega dos bens/prestação de serviços.

Agora questão diferente, mas relevante, é que existe um volume de reclamações no Livro de Reclamações bastante elevado (cerca de 450.000 reclamações), assistindo-se a um número muito reduzido de consumidores que recorrem às entidades de resolução alternativa de litígios de consumo (inferior a 5% do total de reclamações), o que aponta para a eventual necessidade de uma melhor interligação entre os dois instrumentos, tendo presente o potencial efetivo da rede RAL na resolução de conflitos de consumo (muito baixo custo e resposta muito rápida).

A DECO diz que estão a aumentar as queixas relacionadas com a prática da reduflação, nomeadamente no setor alimentar, produtos congelados, laticínios, cereais e detergentes. Os consumidores devem estar atentos a este fenómeno?

Em 2022, a Direção-Geral do Consumidor não recebeu reclamações ou pedidos de informação relacionados com reduflação. Em 2023, apenas recebeu duas reclamações no setor da alimentação sobre esta matéria, mas naturalmente que deve existir sempre uma atenção do consumidor às diversas questões que se colocam no mercado, mas a DGC não tem informação expressiva direta sobre este tema.

No entanto, a DGC tem recebido vários pedidos de informação/reclamações sobre aumento de preços, inflação, diferença de preços, bem como um novo fenómeno reportado a cheapflation, que consiste na substituição de alguns alimentos ou produtos por outros mais baratos, traduzindo-se numa alteração na composição dos produtos que, no limite se traduz na redução da qualidade dos mesmos.

A DGC está também atenta às promoções nos supermercados, em que muitas vezes os preços nas prateleiras não correspondem ao registado na caixa?

A título de enquadramento, cumpre referir que a questão relativa às diferenças entre preços afixados nas prateleiras e o preço efetivamente cobrado – é uma matéria que se insere na esfera de intervenção da ASAE.

No que respeita ao segmento da publicidade, cumpre referir que as campanhas promocionais dos supermercados são o tópico sobre o qual incide o maior número de queixas e denúncias remetidas à DGC pelos consumidores.

Por esse motivo, a DGC, além dos respetivos processos de averiguações instaurados na sequência dessas denúncias (que, nos casos aplicáveis, poderão dar origem a aplicação de medidas cautelares e instauração do respetivo processo de contraordenação), tem incluído no seu plano anual de ações de fiscalização programadas – as campanhas publicitárias de supermercados (campanhas semanais, Black Friday, campanha de Natal, etc).

Por último, cumpre referir que toda a ação fiscalizadora da DGC tem dado prioridade à publicidade veiculada no ambiente digital, incluindo redes sociais, atenta a novidade do fenómeno e a necessidade em ser assegurada uma resposta de fiscalização que acompanhe, em tempo real, estas mesmas tendências de mercado.

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