Florbela Lima, uma das responsáveis pelo relatório de auditoria da EY à gestão da Caixa entre 2000 e 2015, está a ser ouvida, nesta terça-feira, na primeira audição da II Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e à Gestão do Banco, criada após a divulgação daquele documento que concluiu por perdas de 1.647 milhões de euros em 186 operações de crédito que acabaram por se revelar ruinosas, que nem todas essas perdas têm relação direta com incumprimento de normativos por parte dos órgãos do banco público.
“Entre 2005 e 2008 foi um período de elevada taxa de imparidades. Temos operações de concessão de crédito com perdas significativas avultadas”, afirmou Florbela Lima, presente na Assembleia da República tal como os coautores do relatório António Garcia e Tiago Silva, em resposta à deputada do PSD Inês Domingos que questionou a responsável da EY quanto ao período crítico com elevada taxa de incumprimento face aos regulamentos internos.
Segundo a auditoria da EY, no ‘Top 25’ dos créditos mais ruinosos, num total de 1.263 milhões de euros, foi entre 2000 e 2007 que se concentraram 78% destas operações: 871 milhões de euros de perdas registadas em 2015, referentes ao período em que a administração de Carlos Santos Ferreira (entre 2005 e 2008) é apontada com maior concentração de créditos ruinosos, como à Artlant, a Joe Berardo e ao empreendimento Vale do Lobo.
Sobre os 25 créditos mais ruinosos, a deputada do PSD Inês Domingos pretendeu esclarecer se as operações que geram as maiores perdas correspondem a operações com um “grande grau de incumprimento de normativos internos”. Em resposta, Florbela Lima começou por explicar que “a análise foi feita operação a operação, pelo que não foi feita a análise estatística sobre irregularidades de normativos associados a cada uma das operações”.
A autora do relatório da EY frisa, porém, que “as perdas não podem ser relacionadas diretamente com incumprimento de normativos”, adiantando que no Top 25 de créditos mais ruinosos “há operações que cumprem normativos e situações de exceção, bem como operações com parecer favorável que geraram perdas”.
Já sobre os regulamentos internos de concessão de crédito, a responsável da EY explicou que o trabalho da auditora teve uma tipificação que se aplica de igual forma aos 16 anos de análise.
“Na concessão de rédito, existem ordens de serviço que regulam os procedimentos. Da nossa leitura, deste normativo – com base numa ordem de serviço 13/3003 – resulta a intervenção da Direção de Risco na concessão de crédito e garantias – com distinção de prazos superior a 18 meses, com garantias reais superiores a 120% da concessão de crédito, e inferior a 18 meses”, explicou Florbela Lima.
Na sua intervenção inicial, Florbela Lima deu conta que o trabalho da EY incidiu nos maiores devedores do banco público e naqueles cujo incumprimento veio a dar mais prejuízos à CGD, explicando o método de trabalho que esteve por detrás da auditoria aos atos de gestão do banco entre 2000 e 2015.
A responsável sublinhou ainda o carácter técnico de elevada complexidade do trabalho desenvolvido, acrescentando que todo o trabalho dos auditores da EY, cuja versão final foi entregue a 26 de Junho de 2018, foi acompanhado por outra auditora de garantia de qualidade, a PwC.
Nos dois dias seguintes, 27 e 28, seguir-se-ão na comissão parlamentar de inquérito, respetivamente, as audições ao atual governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e ao anterior, Vítor Constâncio.
Além das audições à EY, a Carlos Costa e a Vítor Constâncio, foram já aprovadas outras ao anterior Revisor Oficial de Contas da Caixa, a Oliveira Rego & Associados, ao anterior responsável pelo departamento de auditoria da Caixa, Eduardo Paz Ferreira, ao anterior presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal, João da Costa Pinto, e ainda a João Dias Garcia, antigo secretário da mesa da assembleia geral da CGD.
A lista de nomes propostos pelo PS, PSD, CDS, BE e PCP, inclui reguladores, auditores, antigos presidentes, administradores e diretores do banco, órgãos de fiscalização, políticos e grandes devedores como Manuel Fino da Investifino e Joe Berardo da Fundação Berardo.
Os partidos querem ainda ouvir antigos administradores entre os quais Carlos Santos Ferreira e Armando Vara (2005 a 2008), Celeste Cardona (2004 a 2008), Almerindo Marques (2000 a 2002) e Carlos Costa (2004 a 2006), que também será ouvido na qualidade de governador do Banco de Portugal.
Na sequência da polémica em torno de uma auditoria sobre a concessão de crédito da CGD entre 2000 e 2015, o CDS-PP avançou inicialmente sozinho com a iniciativa, mas depois consensualizou com PSD, PS e Bloco de Esquerda o texto do projeto de resolução que foi aprovado.
O PCP considerou desnecessária uma nova comissão de inquérito ao banco público, mas assegurou que não iria criar nenhum obstáculo à sua constituição, abstendo-se, sem apresentar propostas de alteração ao objeto dos trabalhos.
O texto consensualizado entre CDS-PP, PSD, PS e BE estabelece que esta comissão deverá funcionar pelo prazo máximo de 120 dias, tendo entre os seus objetivos apurar as práticas de gestão da CGD no domínio da concessão de crédito desde 2000, apreciar a atuação dos órgãos de administração, fiscalização e auditoria do banco, dos auditores externos, governos e supervisores financeiros.
Concessão de crédito sem controlo custou 903 milhões
No relatório da EY são reveladas 15 operações sem qualquer parecer individual da análise de risco, que resultaram em 86 milhões de perdas entre os 25 maiores créditos. E foram descobertas 13 operações em que o parecer de risco foi mesmo desfavorável, com 48 milhões de perdas nas operações de maior dimensão. No total, esta concessão de crédito sem controlo custou 903 milhões.
O relatório revela volumosas perdas nos créditos de risco da CGD. Até final de 2015, o banco tinha perdido 1.198 milhões de euros em apenas 46 grandes créditos.
A EY diz ainda que, nas 186 operações verificou “uma maior concentração no período 2000-2007 e 2008-2011″, com um peso perto dos 90% do total, onde simultaneamente se verificam também maiores percentagens de perdas”.
Segundo o relatório, entre 2000 e 2007 foram realizadas 127 operações, com perdas acumuladas de 1.120 milhões; 47 operações entre 2008 e 2010 (477 milhões de perdas); oito entre 2011 e 2013 (40 milhões de perdas); e, quatro entre 2014 e 2015 (10 milhões).
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