[weglot_switcher]

Dia 8 de Março em 2023 

Não, a nossa condição de género não é ainda igualitária se nos debruçarmos na questão dos direitos consagrados a todo e qualquer ser humano.
3 Abril 2023, 07h15

Não, a nossa condição de género não é ainda igualitária se nos debruçarmos na questão dos direitos consagrados a todo e qualquer ser humano.

Pertenço, contudo, ao privilégio de uma geração que herdou a liberdade e a igualdade como bandeiras inerentes à sua existência, sem quaisquer questionamentos, aparentemente desnecessários quando a fluidez natural dos actos e direitos inalienáveis são parte da rotina que se vai interpondo pelos dias …

Desde cedo foi imperativo estudar. Até se estipulou desde logo que frequentaria estudos superiores e se no imediato se me aparentava uma imposição, logo se contrapunha com o vislumbre de um leque imenso de escolhas onde a última decisão me caberia, contrariamente ao que coube à geração da minha mãe. Não sabia ainda que o que me predestinava era contudo consequência de uma luta ancestral que me fora alheia, protagonizada por uma grandiosa imensidão de MULHERES no curso de uma cronologia infinita cujo início me é impreciso (Christine Pizan, séc XIV, A Cidade das Mulheres?) e que tornaram possível o acesso e a incursão académica do meu género. É a educação que instiga à reflexão; é a educação que assegura a construção de uma sociedade mais justa e equânime onde cabem mulheres livres de preconceitos ou discriminações, socialmente intervenientes e politicamente activas!

Usei calças desde sempre e na escola primária já brincava com os rapazes, sem supor a proibição que poucos anos antes o impedia, pela castração obscura e conservadora política e religiosa de um país que relegava a mulher para um plano omisso e as condenava ao analfabetismo e à privação do sufrágio (apenas reparado por altura de Abril de 1974…). Que a limitava, à mulher, à circunspecção de um papel submisso, não lhe sendo sequer permitido o divórcio ou a mobilidade sem autorização marital. Era-lhe dotada a delimitação de um espaço que não transgredia a esfera doméstica, sob a auscultação inquisitória da igreja e conservadorismo social de cariz patriarcal. Quando lhes foi permitido trabalhar – e que se vinque o teor de humilhação do pormenor “permissão” – foi a exploração que encontraram, salários miseráveis e desiguais, condições adversas que hoje já se descrevem pela ergonomia, direitos laborais, bem-estar e acomodação adequada à função exercida e aos princípios democráticos inalienáveis de cada conquista.

Reporto-me ao livro “As mulheres do troino” que li há anos, um romance que condensa a histórias das mulheres desses dias que me antecederam … onde mulheres estoicas (é sempre estoico quem não sucumbe à adversidade e se determina a reverter o destino, senão em seu proveito, em proveito de outros e dos que virão depois…) eram confinadas horas a fio (quem se imagina a trabalhar 17 horas a fio e de pé?) numa indústria conserveira que as remunerava mal e em valor inferior ao dos capatazes – homens – e tantas vezes sujeitas a maus-tratos e abusos de variada ordem … Seguiam-se depois os serões caseiros em que mais uma vez as mulheres se anulavam pelos mandos e desmandos maritais, pelo servilismo a um homem, filhos e demais … e se para algumas – muitas – esta era a sina de deus que elegia a mulher como receptáculo de todo o sofrimento humano e lhe reservava tributariamente a eternidade celestial, o que lhe era aliás delegado na sucessão “materno-geracional”, para outras, porém, inquietas pelo pensamento que leituras fortuitas congeminaram ou simplesmente por deterem em si o sentido de justiça que não carece de academias mas da percepção veiculada pelos sentidos pelos quais se depreende a vida.

E recorro, na incorporação deste sentido de justiça, sem instrução ou alfabetização, à Catarina, a “Catarina de todos nós” que assim tão bem a qualificou Sidónio Muralha … bastou-lhe o instinto da justiça. Não a justiça como atributo elaborado pela ciência (e sapiência?) humana, ou como instituição edificadora de regras aliadas a conceitos que orquestram todo o senso comum, mas como impulso e pulsão de valores que enlevam cada um de nós num colectivo indiferenciado, e permeado de IGUALDADE!

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.