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Economista Francisca Guedes de Oliveira teme “tentação” de João Leão no défice e dívida

“Conhecendo o anterior Ministério das Finanças e os secretários de Estado que trabalharam com o professor Mário Centeno [ex-ministro], e eu tenho uma enorme consideração e admiração pelo atual ministro das Finanças [João Leão, ex-secretário de Estado do Orçamento] […], acho que vai haver a tentação”, disse a professora da Universidade Católica do Porto, em entrevista à agência Lusa.
  • Este é o OE que o país precisa? – Francisca Guedes de Oliveira, professora Auxiliar da Católica
11 Outubro 2020, 08h28

A economista Francisca Guedes de Oliveira disse à Lusa temer que o Ministério das Finanças caia na “tentação” de exercer um controlo “mais restrito e mais apertado” da dívida e do défice face ao que o país necessitaria.

“Conhecendo o anterior Ministério das Finanças e os secretários de Estado que trabalharam com o professor Mário Centeno [ex-ministro], e eu tenho uma enorme consideração e admiração pelo atual ministro das Finanças [João Leão, ex-secretário de Estado do Orçamento] […], acho que vai haver a tentação”, disse a professora da Universidade Católica do Porto, em entrevista à agência Lusa.

Não obstante, Francisca Guedes de Oliveira, que realizou um estudo sobre benefícios fiscais para o anterior Governo, afirmou que João Leão “é das pessoas mais capazes” que conhece.

“Acho que é alguém que tem uma visão da economia, da sociedade e do mundo que é uma visão que eu gosto que um ministro das Finanças tenha”, disse, considerando que “uma das coisas que correu bem no anterior Governo foi um bocadinho o pecar por excesso”.

Segundo a economista, no anterior Governo “havia eixos de política que foram definidos e nesses sabia-se que tinha de se gastar dinheiro, mas depois percebeu-se rapidamente que para, de facto, se conseguir consolidar défice e dívida, tinha que haver um bocadinho a política do ‘não'”.

“À parte de coisas que obviamente serão criticáveis […], a verdade é que acho que o Ministério das Finanças ganhou uma reputação por ter conseguido fazer as coisas que fez, e em grande medida ganhou-a por ser muito restrito nas linhas que traçava”, considerou, lembrando o “papel fundamental” do então secretário de Estado do Orçamento, e hoje ministro, João Leão.

Assim, Francisca Guedes de Oliveira crê que já se observa “um bocadinho esse discurso” de controlar gastos, havendo “a tentação de pôr um ‘stop’ a determinada altura se se começar a perceber que as coisas estão a ir um bocadinho mais longe que aquilo que se pensava”.

“Tenho medo que esse ‘stop’ seja mais baixo do que aquilo que eu gostaria, mas não sei. Acho que há esse risco”, disse, numa altura em que o país se prepara para receber dinheiro vindo da União Europeia.

Para a economista, um dos exemplos desse discurso materializou-se na declaração do primeiro-ministro no dia 29 de setembro, ao dizer que Portugal apenas utilizará subvenções e prescindirá dos empréstimos no seu Programa de Recuperação e Resiliência, ao abrigo do Fundo de Recuperação Europeu.

“Não gostando muito de ser treinadora de bancada, e sabendo que as decisões no local são sempre mais difíceis do que quem está de fora, tenho um bocadinho de dificuldade em perceber que à partida não se vai utilizar”, disse à Lusa.

Numa altura em que é necessária “coragem e ambição” para fazer “um ‘ataque’ [positivo] à nossa estrutura quer a curto prazo, quer no médio quer no longo”, de forma a elevar “o nível mais baixo de tal maneira que ele nunca mais volte a cair”, Portugal vai “precisar de dinheiro”, considerou.

Francisca Guedes de Oliveira lembra que “as taxas de juro são simpáticas, as maturidades também” nos empréstimos europeus, entendendo que o não recurso a eles “assume-se por causa de pressões de dívida, como é evidente”, pois “o empréstimo a que poderíamos recorrer teria obviamente um impacto direto na dívida”.

“Não podemos pensar em défice e dívida do Estado como se pensa – e muitas vezes eu vejo essa comparação, e é errada – a nível das famílias”, considerou a académica, acrescentando que “este não é o momento” para se pensar nesses dois temas.

Para a professora universitária, com o respaldo da zona euro, “uma dívida de 130% do PIB e de 140% do PIB não é uma dívida preocupante se os juros não dispararem, e se nós não passarmos outra vez a ser, em termos sinistros, o ‘lixo’ em que as agências de ‘rating’ americanas nos colocaram”.

“Aquilo que aconteceu em 2011, e quando nós temos o défice a disparar para 10% e depois a seguir entra tudo em pânico – e bem, porque estávamos numa rota de consolidação de contas públicas e de repente o défice disparou para se fazer face a necessidades da economia real – aquilo foi tudo um bocadinho esquizofrénico”, recordou a economista.

Porém, Francisca Guedes de Oliveira crê que “que desta vez as coisas estão, de facto, a ser bastante diferentes”, e vê, mais à frente, que “uma Europa unida, capaz” pode ultrapassar os desafios económicos impostos pela pandemia de covid-19.

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