As 30 medidas apresentadas pelo Governo para a habitação, na sexta-feira, 10 de maio, através do programa ‘Construir Portugal – nova estratégia para a habitação’, deixaram os players do mercado imobiliário, ouvidos pelo Jornal Económico (JE), com um sentimento de ambiguidade para com as propostas divulgadas pelo ministro das Infraestruturas e da Habitação, Miguel Pinto Luz. “Acho que este ministro tem claramente uma postura muito construtiva e positiva do sector. Vem com a ambição de que sabe que não vai conseguir fazer tudo logo, mas sabe o que tem de ser feito a curto prazo”, refere ao JE, Patrícia Barão, Head of Residential da consultora JLL.
Para a responsável, Miguel Pinto Luz focou-se em apresentar um programa que vai ao encontro daquilo que foi o trabalho feito por uma série de players do sector, com o objetivo de aumentar a oferta de habitação, trazendo mais oferta para o mercado e soluções para promover a habitação pública. “Este Governo está muito preocupado em devolver a confiança que foi perdida na altura que foi lançado o programa ‘Mais Habitação’ e com os jovens até aos 35 anos no tema do IMT e do imposto de selo, com casas até 316 mil euros“, afirma.
A curto prazo, Patrícia Barão acredita que as medidas que podem vir a ter maior impacto no mercado são o desbloqueio das 25 mil casas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a facilidade da mudança na lei dos solos para aquilo que são soluções de habitação e “o impacto brutal” do programa de emergência que vai ser disponibilizado, em setembro, com as 700 camas para os estudantes.
Presente na apresentação do programa esteve o primeiro-ministro, Luís Montenegro, que salientou que o problema da habitação repercute-se em todas as atividades, desde a económica até ao emprego, pelo que a sua resolução afigura-se fundamental, dado que é a partir da habitação que as pessoas conseguem a sua vida digna e o seu espaço de liberdade. “O problema resulta numa circunstância que não podemos tolerar”, sublinhou.
Quem não ficou convencido com estas medidas foi Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), ao considerar que ficaram aquém das expetativas. “Sem prejuízo do que depois possa nascer para o futuro, numa primeira análise, acho que houve aqui um defraudar de expectativas daquilo que era conhecido do programa eleitoral e do programa do Governo. É um programa muito pouco ambicioso e, acima de tudo, que não resolve o problema da habitação”, refere ao JE, realçando que algumas medidas, apesar de positivas, já vinham do pacote ‘Mais Habitação’ do anterior Executivo, com exceção do fim do arrendamento forçado e do castigo ao Alojamento Local (AL).
“Não vemos assim grande novidade que permita dizer, realmente, que há aqui um ganho de confiança dos investidores e dos proprietários com esta lei. A questão da cedência de terrenos do Estado para a construção de habitação acessível, o modelo de parcerias público-privadas é um modelo que já vinha do anterior Governo, a revogação das medidas do arrendamento forçado, é positivo, mas também não são uma novidade, na medida em que ninguém as estava a aplicar”, sublinha o líder da APPII.
Sobre a redução dos impostos para os jovens até aos 35 anos, Hugo Santos Ferreira vê a medida como positiva, mas aponta para a necessidade de se perceber quantos jovens é que, de facto, vai abranger até ao quarto escalão. “Uma coisa que se podia ter feito, e tinha sido uma medida ambiciosa, era aproveitar para acabar de uma vez por todas com o IMT nas transações e com o imposto de selo, como por exemplo fez Espanha”, diz, lamentando também que o Governo tenha feito “este programa sozinho”, sem ter ouvido as associações de proprietários, inquilinos, promotores e investidores, que “poderiam ter com certeza algo a dizer”.
IVA a 6% na construção até ao fim da legislatura? “É como dizer para o dia de São Nunca à tarde”
Apesar dos dois especialistas do mercado imobiliário divergirem no conteúdo das medidas do Governo, num ponto estão ambos de acordo: a descida do IVA de 23% para 6% em obras de reabilitação e construção de Habitação, com limites em função dos preços, tem de acontecer o mais rapidamente possível e não ficar pendente até ao fim da legislatura sem data prevista, tal como indica o programa do Executivo.
“Ficamos numa incógnita. O que é até ao fim da legislatura? Isso não é um descanso para os investidores ou para os promotores. O tema do IVA era muito importante e fulcral”, refere Patrícia Barão, que acrescenta a disponibilização dos imóveis públicos para a habitação built to rent, com renda e preço acessível, como outro tema crítico do programa e que merecia um melhor esclarecimento do Governo.
“Entramos na subjetividade do que é uma renda acessível e um preço acessível. Acho que se poderia ter ido mais longe quando o Governo vem falar de devolver a confiança no arrendamento, o respeito pelo direito à propriedade, a flexibilidade e a confiança ao mercado de arrendamento. Acho que devia ter sido mais claro neste ponto”, sublinha.
Já Hugo Santos Ferreira vai mais longe nas críticas sobre a incógnita temporal em relação à descida do IVA para 6%. “Ver referido que é até ao fim da legislatura, diria que é uma medida como se costuma dizer, para o ‘dia de São Nunca à tarde'”, afirma, recordando que Miguel Pinto Luz disse que era preciso estudar a criação de um mecanismo de redução do IVA para que, no fundo, essa redução permitisse, de facto, trazer casas mais baratas.
Para o líder dos promotores, a resposta para este problema é simples. “O mercado de promoção imobiliária para a classe média é um mercado de escala. Está completamente provado que, havendo a criação dessa escala para haver mais projetos, os preços baixam, não há dúvida nenhuma. Sem estas medidas, o problema vai continuar a agravar-se”, sublinha.
Por sua vez, Patrícia Barão dá uma nota positiva ao programa apresentado, assumindo que este tem lacunas, mas que o caminho para o sector da habitação está a ser traçado. “Vamos precisar de olhar para estas 30 medidas e perceber até que ponto é que podemos usá-las para devolver a confiança, para se conseguir contribuir para o aumento da oferta”, refere.
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