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Estagflação pode levar a repetição parcial da última crise

Responsáveis de fundos imobiliários dividem-se em relação às consequências que as previsões económicas para 2023 poderão ter num sector que merece a confiança dos investidores pelo facto de ter ativos com valor e menos voláteis.
10 Julho 2022, 16h00

As perspetivas de um cenário de estagflação e recessão da economia para 2023 têm vindo a ganhar diariamente mais força, algo que está a gerar apreensão entre os investidores e sectores, ao qual o mercado imobiliário também não é exceção.

Em declarações ao Jornal Económico (JE), Paulo Barradas, Chief Transaction Officer (CTO) da gestora de ativos imobiliários, Norfin, defende que caso se confirmem os piores cenários será de esperar uma repetição parcial da crise anterior com “perda de poder de compra a levar ao abrandamento das compras e arrendamento de casas, ou pelo menos à perda do seu valor por menor liquidez do mercado, erodindo ou apagando as margens que motivavam a oferta de novo produto e uma nova estagnação da promoção imobiliária, começando assim a alargar de novo o desequilíbrio entre oferta e procura”, refere.

Contudo, defende que o mercado imobiliário está hoje diferente, havendo agora uma procura externa, que poderá sustentar um ajustamento mais gradual que possa manter a produção a funcionar, evitando o tão temido choque de procura. “Se há sector em que pode haver alguma confiança para enfrentar um cenário de estagflação ou recessão, claramente será o imobiliário”, afirma.

Sentimento diferente tem José Gavino, diretor geral da Corum Portugal. Apesar de concordar que o sector é em teoria sempre afetado mais tarde do que o mercado acionista e mais em linha com a economia real, o responsável da Corum realça que o mercado imobliário tem sempre um impacto e uma magnitude muito menor e algumas vezes utilizado como refúgio, relembrando o ano de 20202021, “onde praticamente não tivemos impacto neste setor”, mas também nas restantes crises ao longo do último seculo onde o imobiliário foi antes uma forma de proteção e na crise do subprime para ver o quanto diferente é o cenário atual.

“Assim, vejo um setor residencial em Portugal sem grande impacto pela falta de oferta que tem origem em praticamente 10 anos sem muita habitação nova. E vejo, o mercado comercial que continuará a ter impactos diferentes consoante o sector seja retail, hotéis, escritório, logística, alguns positivos outros negativos”, salienta.

Outra problemática que poderá afetar esta indústria são os aumentos das taxas de juro e respetiva subida da inflação que a médio-longo prazo podem refletir-se na capacidade de investir. Para Paulo Barradas o sector imobiliário “possui uma utilidade e valores intrínsecos, sendo que não só a sua valorização supera com frequência a inflação, como o crescimento do seu rendimento está indexado à mesma, constituindo por isso um hedge natural contra a inflação e assim também em parte contra a subida das taxas de juro”, realça, considerando no entanto, que o principal risco continua infelizmente a ser para as famílias que não analisem os seus créditos de forma prudente e para aquelas fronteiras da população que estavam no limiar de poder comprar casa e para quem a subida destes custos de financiamento poderá significar o adiamento do sonho por mais algum tempo.

“Assim, a tendência natural que se tem visto nos últimos anos de investir em promoção imobiliária mais direcionada para os segmentos prime e de luxo deverá continuar”, assume.

Por sua vez, José Gavino relembra que nos últimos 15 anos já se tinha chegado a uma situação em que “pedir dinheiro emprestado já não custava nada”, sendo assim possível endividar-se muito facilmente para fazer investimentos, especialmente em bens imobiliários.“Comprar um edifício em Nova Iorque, mesmo com uma taxa de rendimento muito baixa, continuava a ser interessante. Hoje, o regresso da inflação, exacerbada pela guerra na Ucrânia e pelas incertezas na China, está a mudar a situação”, defende.

Para o responsável as perspetivas são de uma deterioração dos preços dos imóveis, mas como acontece frequentemente, onde há perigo, também há oportunidade. “Alguns imóveis que se tornaram demasiado caros nos últimos anos estarão de novo acessíveis”, diz.

Face a tudo isto que tendências e alternativas estão e podem vir a marcar o mercado imobiliário? O CTO da Norfin defende que 2022 tem sido de recuperação, mas continua a dúvida sobre esta vai levar o sector e se será necessária uma recuperação deste ano de recuperação. “A incerteza natural do atual contexto de choque de oferta, especialmente a nível energético e de matérias-primas, com a inflação que daí advém, alimentado pelo contínuo Quantitative Easing dos últimos anos, está naturalmente a levar à subida das taxas de juro, tendo reforçado a importância de investir em activos com planos de negócio mais longos, que possam enfrentar diversos ciclos económicos, mantendo uma estrutura de capital prudente”, explica.

Por seu turno, José Gavino realça que o sector tem sempre de ser visto pelo lado residencial “onde continuamos a ver uma falta de oferta que tem sustentado os preços”, mas também pela vertente comercial, onde as tendências têm sido a logística e a saúde por tudo o que aconteceu nos últimos dois anos. “Na Corum temos uma visão de longo prazo que vai para além das tendências, desde que consigamos garantir um arrendatário de grande capacidade financeira e um contrato longo: avançamos”, conclui.

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