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Modelo espanhol pode ser solução para diminuir fraudes no subsídio de mobilidade português

Em Espanha, os residentes das comunidades autónomas insulares e cidades autónomas são “comparticipados em 75% sobre o valor das tarifas dos serviços regulares de transporte aéreo” concedidos pelo Estado espanhol. A sugestão é de Mara Franco, sócia da Cerejeira Namora Marinho Falcão, e surge depois das buscas relacionadas com uma alegada burla envolvendo o subsídio de mobilidade.
11 Junho 2024, 07h30

A inspiração naquele que é o subsídio de mobilidade de Espanha pode ser uma solução para atenuar eventuais fraudes no subsídio que é atribuído, aos residentes das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, nas deslocações aéreas entre o território continental e as ilhas. A sugestão é de Mara Franco, sócia da Cerejeira Namora Marinho Falcão, e surge depois de, na passada quarta-feira, terem sido realizadas buscas, em Lisboa, Loures, e na Região Autónoma da Madeira (nos concelhos do Funchal, Santa Cruz, e Câmara de Lobos), pela Polícia Judiciária (PJ), relacionadas com uma alegada burla envolvendo o subsídio de mobilidade, que resultaram na detenção de cinco suspeitos da prática de fraude ao Estado, confirmou a força policial.

O objetivo deste esquema passaria por “obter avultados proveitos económicos ilegítimos” e “lucros ilegítimos”, através do subsídio de mobilidade, explica a PJ, ligados a “centenas” de viagens inexistentes”, no valor global, de reembolsos indevidos, superior a meio milhão de euros.

O subsídio de mobilidade aos residentes das Regiões Autónomas aplica-se “sempre que as viagens tenham um custo até 400 euros”, com o passageiro a “suportar o custo final de 86 euros e 119 euros- voos entre a Região Autónoma da Madeira (RAM) e o continente ou entre a RAM e o arquipélago dos Açores, respetivamente – valores que baixam, no caso dos estudantes, para 65 e 89 euros, respetivamente. Sempre que o custo do bilhete ultrapasse os 400 euros, o valor remanescente será suportado pelo passageiro”, explica a Secretaria Regional do Turismo e Cultura.

Os residentes são abrangidos pelo subsídio de mobilidade quando o custo do bilhete for superior a 86 euros (residentes) e 65 euros (estudantes), no caso das viagens entre a RAM e o continente, e quando o custo do bilhete for superior a 119 euros (residentes) e 89 euros (estudantes), no caso das deslocações entre a RAM e os Açores.

Contudo, o passageiro é responsável por pagar o custo da viagem no ato da compra e só depois pode ser solicitado o subsídio de mobilidade, junto dos CTT. Em termos práticos, se uma viagem entre a Madeira e o continente custar 400 euros, o passageiros terá de pagar os 400 euros e depois solicita, junto dos CTT, a diferença entre os 400 e os 86 euros.

Procedimento é obsoleto, diz advogada

“Este procedimento é claramente obsoleto e tornou-se, obviamente, um terreno fértil para os burlões que, munidos de documentos falsificados, têm regularmente desviado verbas significativas do Estado”, considera Mara Franco.

A sócia da Cerejeira Namora Marinho Falcão explica que, em Espanha, este subsídios, são aplicados aos residentes da Comunidades Autónomas de Canárias e das Baleares e aos residentes da Cidades Autónomas de Ceuta e Melila, “diretamente no ponto de venda – i.e. quando se reservam bilhetes de avião junto das companhias aéreas – utilizando o número fiscal do contribuinte”.

Para Mara Franco, esta estratégia “não só simplifica” o procedimento, “reduzindo” as despesas administrativas, como também “reduz consideravelmente” o risco de fraude, “ligando diretamente o subsídio à identificação verificada do contribuinte, eliminando a fase de reembolso e o facto de o contribuinte ter que adiantar dinheiro à companhia aérea do seu próprio bolso”.

Mara Franco reforça que, em Espanha, os residentes das respetivas comunidades autónomas insulares e cidades autónomas são “comparticipados em 75% sobre o valor das tarifas dos serviços regulares de transporte aéreo”, concedidos pelo Estado espanhol.

Para Mara Franco, a “incapacidade” do sistema atual [português] de implementar tecnologias modernas e preventivas, no sentido de combater a fraude, é um “erro claro” de governação, que “não só encoraja a atividade criminosa, mas também sobrecarrega as pessoas honestas e mina a confiança nos processos públicos”.

A sócia da Cerejeira Namora Marinho Falcão diz que a aplicação do modelo espanhol “minimizaria significativamente” a carga administrativa e as despesas associadas ao processamento dos pedidos, facilitando também a perseguição aos autores de fraudes após a ocorrência dos factos, e, “ao mesmo tempo, funcionaria como uma medida preventiva, incapacitando muitas tentativas de fraude na fonte, ao autenticar e aplicar diretamente os subsídios, através de um sistema digital centralizado e seguro”.

Mara Franco reforça que o Governo da República “deve dar prioridade” à utilização da tecnologia na administração dos fundos públicos, inspirando-se no seu vizinho ibérico para “renovar um sistema defeituoso”. A sócia da Cerejeira Namora Marinho Falcão salienta que a região, ao seguir este modelo, “pode proteger as suas finanças e, mais significativamente, restaurar a integridade dos seus programas de subsídios”.

Ministério vai apertar fiscalização

O Ministério das Infraestruturas e Habitação (MIH) vai apertar a fiscalização da atribuição do subsídio social de mobilidade (SSM), que se destina a apoiar os estudantes ou os residentes das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores nas deslocações entre o Continente, Açores e Madeira.

Fonte oficial do MIH revelou, ao Económico Madeira, na passada sexta-feira, que já está em curso o reforço do controlo pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e pela Autoridade Nacional de Aviação Civil, entidades envolvidas na fiscalização deste subsídio e monitorização do custo elegível.

“Está em curso a implementação de mecanismos de reforço de controlo e fiscalização da atribuição deste subsídio, por parte das entidades competentes na matéria (IGF e ANAC), com vista a evitar qualquer fraude futura ou a reportar, de modo célere, qualquer inconformidade”, revelou fonte oficial do MIH, após ter sido questionada quanto à necessidade de maior fiscalização do subsídio social de mobilidade, na sequência da operação desencadeada na semana passada pela PJ.

Operação Rota do Viajante

A operação da PJ, chamada ‘Rota do Viajante II’, executou 71 mandados de buscas e apreensão.

“As diligências visaram a recolha de elementos probatórios, a fim de consolidar a investigação em curso à pratica dos crimes de associação criminosa, burla qualificada, falsificação ou contrafação de documentos e branqueamento de capitais, sendo que as condutas que os integram são consideradas criminalidade altamente organizada”, diz a PJ.

A PJ acrescenta que o plano passava pela angariação de residentes da Região Autónoma, “a quem eram fornecidos documentos necessários ao levantamento deste subsídio e previamente falsificados, como passagens áreas, bilhetes e reservas, faturas e recibos, que, acompanhados por elementos da rede criminosa, apresentavam documentação forjada em estações dos CTT do Continente e, assim, recebiam o reembolso pago pela Estado”.

A força policial adianta que esta associação criminosa, agora desmantelada, demonstrava “elevados índices” de organização, com “diferentes níveis hierárquicos, sendo composta por falsificadores, recrutadores/angariadores e controladores”.

A PJ diz que, nos últimos cinco anos, foram desenvolvidas diversas operações policiais, visando “desmantelar redes criminosas dedicadas à utilização fraudulenta” do subsídio social de mobilidade nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, que deram prejuízo aos cofres do Estado em mais de seis milhões de euros.

O Económico Madeira procurou obter reação por parte da Secretaria do Turismo e Cultura, entidade do executivo regional com o pelouro do subsídio de mobilidade, relativamente ao que poderia ser feito para aprimorar este sistema. A Secretaria Regional remeteu para declarações do presidente do executivo madeirense demissionário, Miguel Albuquerque, de quarta-feira, na sequência da operação da PJ.

O governante considerou importante existir um teto em termos monetários como forma de desincentivar a fraude. Para Albuquerque, essa seria a melhor estratégia, ao contrário do que aconteceu nos Açores.

“A inexistência do teto facilita esquemas de fraude”, disse o presidente do executivo madeirense.

Albuquerque confirmou que está a ser equacionada a revisão do subsídio de mobilidade, estando a ser visto com os Açores qual será a melhor solução para esse possível novo modelo [de subsídio de mobilidade].

O governante sublinhou que deveria existir um esquema, à semelhança do que se passa com o Estudante Insular, que permita aos residentes nas Regiões Autónomas pagar somente o valor da viagem.

O programa Estudante Insular permite que os estudantes, até aos 26 anos, paguem, por viagens entre a Madeira e os Continente, 65 euros, e entre a Madeira e os Açores, 89 euros, desde que a compra seja efetuada nas agências de viagens aderentes a este programa.

O Estudante Insular foi um programa do executivo madeirense, que surgiu para dar resposta à subida dos preços das viagens para os residentes da Madeira, em alturas nas quais existe uma grande procura, como por exemplo as férias da Páscoa e a altura do Natal e passagem de ano.

O Económico Madeira contactou a presidência do Governo da Madeira para tentar perceber que mudanças seriam propostas, no âmbito de um novo subsídio de mobilidade, depois de Albuquerque ter admitido que estava a ser equacionada, com os Açores, a revisão do atual modelo, e que mecanismos poderiam ser introduzidos para evitar situações de burla/fraude, mas não obteve resposta.

Como funciona o subsídio

O atual subsídio de mobilidade permite também que os passageiros tenham igualmente direito ao subsídio em percursos só de ida, e no prazo de 12 meses. A Secretaria do Turismo e Cultura explica que “a contar da data do voo do 1º bilhete one-way, será possível o emparelhamento de bilhetes one way em percursos de sentido inverso (RAM-Continente-RAM ou RAM-RAA-RAM, e vice-versa)”.

Uma lei de 2019 estabeleceu uma alteração ao subsídio de mobilidade que permitia que os passageiros pagassem os 89 e 119 euros, e 86 e 65 euros, no caso dos estudantes, logo no ato de compra das viagens entre Madeira e Continente e entre Madeira e Açores. Mas, na prática, nunca chegou a avançar. Mais recentemente, o Governo da República aprovou um regime transitório para este suposto novo modelo de subsídio de mobilidade, até final de 2023, que no fundo deixava tudo igual.

O subsídio de mobilidade esteve recentemente envolto em polémica com o executivo madeirense a manifestar-se, em fevereiro, contra as alterações feitas pelos CTT no reembolso do subsídio de mobilidade, deixando o alerta de que as modificações efetuadas poderiam levar a que cerca de 70% dos passageiros beneficiários “ficassem impedidos de receber” o subsídio.

“Desde o princípio da tarde de 21 de fevereiro, estão a ser reportadas, por cidadãos e agentes de viagens, situações de impedimento no acesso do subsídio social de mobilidade devido à observação de novas regras no pagamento deste reembolso. Segundo a informação recolhida pela Secretaria Regional de Turismo e Cultura (SRTC), os CTT estão agora a exigir que, nas faturas conste a descrição das várias taxas (segurança (PT); serviço a passageiros (YP); combustível (YQ) e emissão de bilhete (XP), por segmento de voo, no caso de bilhetes de ida e volta ou bilhetes one-way com mais de um segmento de voo”, referiu a Secretaria Regional.

A mesma Secretaria diz que este novos critérios, que estavam a “afetar sobretudo” as faturas de bilhetes emitidos pela TAP e SATA, assim como as das agências de viagens, “não foram comunicados” previamente ao Governo Regional.

“Confrontada com esta mudança de regras sem aviso prévio, a SRTC já entrou em contacto com as várias entidades envolvidas no processo, nomeadamente, os CTT, a Autoridade Nacional de Aviação Civil, a Inspeção Geral de Finanças e a Secretaria de Estado das Infraestruturas”, diz a Secretaria.

A Secretaria sublinha que desde a implementação do atual subsídio social de mobilidade, em setembro de 2015, “sempre foi considerado” o valor indivisível associado a cada uma daquelas taxas, até pelo facto das companhias aéreas que cobram as taxas PT, YP e YQ (TAP e SATA/Azores Airlines) “terem sistemas de faturação que estão formatados para apresentar as parcelas daquela forma, indivisível, não tendo, assim, forma de apresentar aquelas parcelas por percurso ou segmento de voo”.

A Secretaria do Turismo e Cultura sublinhou que “igual situação” ocorre no caso da taxa XP, “aplicável na emissão de bilhetes das companhias aéreas via call-center ou balcões físicos e, ainda, cobrada pela generalidade dos agentes de viagens, que sempre foi aplicável por bilhete emitido e nunca por segmento de voo”.

É ainda dito que neste tipo de situação, “nem as companhias aéreas nem os agentes de viagens” terão possibilidade de alterar documentos de faturação já emitidos, referentes a viagens já adquiridas (estejam ainda por concretizar ou não).

“Em paralelo, foi ainda dado saber que não será possível a emissão de novos documentos de faturação, referentes a novos bilhetes de ida e volta que venham a ser emitidos, tendo por base este novo entendimento, muito menos a decomposição da taxa XP por segmento de voo adquirido. Por último, foi referida a necessidade de salvaguarda do direito ao subsídio social de mobilidade nos casos em que, porventura, o prazo para obtenção do SSM possa estar a ser ultrapassado, em virtude desta decisão”, salientou a Secretaria Regional.

Secretaria estranha novo entendimento sobre subsídio

A Secretaria Regional diz também que, durante os cerca de oito anos e meio de vigência do atual modelo, foi entendido que os documentos de faturação de viagens de ida e volta, da TAP e da SATA/Azores Airlines, bem como os emitidos pelos agentes de viagens, “estavam em conformidade” com a legislação aplicável ao subsídio social de mobilidade deste princípio legal, pelo que se “estranha este novo entendimento”.

A Secretaria Regional diz ainda que, nos ofícios que enviou, referentes a estas alterações introduzidas no reembolso do subsídio, “não é admissível impedir” o acesso ao subsídio social de mobilidade aos passageiros que optem por adquirir bilhetes de ida e volta, “os quais, para além de garantirem melhor proteção em caso de irregularidade num dos percursos, permitem também aceder a tarifas promocionais, apenas aplicáveis a este tipo de bilhetes”.

A Secretaria Regional diz ainda que a maior parte dos passageiros beneficiários do subsídio social de mobilidade opta por viajar na TAP, que é precisamente “a companhia aérea mais visada” nos dois tipos de situação agora detetada, “antevendo desde logo um largo espectro de cidadãos afetados no seu direito ao recebimento” do subsídio social de mobilidade.

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