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Muitos truques num OE que cumpre serviços mínimos

Governo tem o Orçamento preso por arames. A estratégia tem tanto de criativa como de arriscada. Se resultar, a vitória será incontestável.
17 Outubro 2016, 12h52

A estratégia pode vir a não funcionar, mas ninguém poderá acusar o Governo de falta de imaginação. A proposta de Orçamento do Estado para 2017 cumpre serviços mínimos em todas as frentes e assenta em pequenos truques que, se passarem em Bruxelas e acabarem por se concretizar, serão uma vitória incontestável do argumentário do Executivo e da esquerda. E em ano de eleições autárquicas, isso é capaz de dar jeito.

O ministro das Finanças, Mário Centeno, chamou-lhe um “orçamento de escolhas”, que respeita os compromissos europeus e o acordo à esquerda. E respeita, mas pela margem mínima.

É um OE de serviços mínimos. Na frente interna, por exemplo, o Governo aumenta as pensões à taxa de inflação e as mais baixas, como pedia o PCP, sobem 10 euros . Mas o aumento é feito de forma faseada e obrigou a recuos noutra promessa que havia sido feita à esquerda, nomeadamente ao Bloco: a eliminação da sobretaxa. Era para acontecer em Janeiro, afinal vai acontecendo ao longo do ano e o único que acaba verdadeiramente são as retenções .

Aos portugueses, volta-se a dar com uma mão, para ir depois buscar com a outra, a da tributação indirecta: um adicional ao IMI, um imposto sobre o açúcar e vários impostos especiais sobre o consumo agravados. A carga fiscal não desce, apenas estabiliza face a este ano . O ministro sublinha que “era o que era possível”, tendo em conta que é preciso respeitar também os compromissos com os parceiros europeus.

Aí, joga-se novamente para ganhar pela margem mínima. O relatório do Orçamento fala num ajustamento estrutural de seis décimas do PIB – o equivalente a pouco mais de 1.100 milhões de euros -, que era o exigido por Bruxelas. E as contas estão feitas tão à justa que o documento refere que a descida de seis décimas “é determinada pela redução da despesa em 0,7 pontos percentuais do PIB, apresentando a receita um contributo negativo para a evolução do mesmo em 0,2 pontos percentuais”. Sete menos dois é igual a cinco, pelo que vamos admitir que a décima que falta anda para aí escondida algures, entre arredondamentos feitos à pressa e medidas não especificadas.

Muitos truques e poucas certezas
Na apresentação do Orçamento, na sexta-feira, o ministro das Finanças cometeu uma ‘gaffe’ – imediatamente corrigida -, que deu origem a gargalhadas. Quando falava nos diferentes escalões de IRS e nas datas em que termina a sobretaxa, Centeno começou por dizer que os portugueses “vão deixar de ter retenção na fonte de IRS”. Menos de cinco segundos depois, corrigiu: “por favor, coloquem sobretaxa em todas as minhas palavras anteriores”, disse, não fossem os jornalistas confundir-se e confundirem os portugueses. O IRS nunca há-de acabar, a sobretaxa é que vai desaparecer um dia.

No entanto, ao contrário do que o Executivo quis fazer crer, ainda não será este ano. E aí está o primeiro truque do Orçamento: o que acaba são as retenções na fonte da sobretaxa, dando aos contribuintes a ideia de que a carga sobre os rendimentos foi desagravada. Mas no final do ano, quando forem preencher a declaração do IRS, o fantasma da sobretaxa volta para os assombrar.

A estratégia criativa vai ao limite na redução do défice, feita com base num impacto positivo de 903 milhões de euros da actividade económica, no dinheiro que se perdeu há sete anos com o BPP (450 milhões) e com 303 milhões de euros em dividendos do Banco de Portugal.

É uma jogada arriscada, em que cada décima a menos do PIB vai prejudicar a meta do défice. E depois de um ano em que a previsão de crescimento do Governo saiu consideravelmente ao lado – era de 1,8%, afinal ficará em 1,2%, na melhor das hipóteses. O risco aumenta ainda mais se algum dos lesados do BPP tentar usar meios legais à sua disposição para, pelo menos, atrasar o encaixe das garantias estatais do BPP – como parece ser o caso de Jaime Antunes (ver página 18).
Porém, se a estratégia resultar, o Governo poderá gabar-se de que utilizou dinheiro dos bancos para dar aos trabalhadores e pensionistas, depois de o Bloco de Esquerda andar anos a acusar o Estado de usar dinheiro dos contribuintes para salvar o sistema financeiro.

Na frente externa, a Comissão Europeia tem andado fora do radar, mais concentrada nos problemas da banca e do ‘Brexit’. Mas será que isso é suficiente para os técnicos de Bruxelas fazerem vista grossa a problemas que identificaram no passado e que parecem não ter sido resolvidos neste Orçamento?

A Comissão nunca gostou muito que a consolidação se apoie excessivamente na receita, menos ainda se essas receitas forem extraordinárias. E é preciso que a visão do Governo sobre o saldo estrutural e o PIB potencial seja validada. No segundo caso, o ministro das Finanças tem insistido na reformulação do cálculo e parece ter desbravado caminho nos últimos meses, no Eurogrupo. Mais difícil será, por exemplo, convencer o executivo comunitário que a receita do perdão fiscal não é “one-off”.
O documento chega hoje a Bruxelas e a análise e discussão em torno do mesmo pode vir a animar as próximas semanas.

As eleições são para aqui chamadas?
Em ano de eleições autárquicas, é difícil não analisar o Orçamento com uma lupa política. A discussão já foi lançada pelo director-adjunto do “Público”, Vítor Costa, que ironiza sobre a “coincidência” em torno das datas em que algumas medidas se concretizam.

Propositado ou não, só o Governo saberá. Mas certamente vai dar jeito que os pensionistas recebam o tal aumento de 10 euros em Agosto, meses antes da ida às urnas. Ou que a total extinção das retenções na fonte da sobretaxa aconteça em cima das eleições. E, falando na sobretaxa, se os portugueses vierem a descobrir que têm depois de pagar mais, será na altura de preencherem a declaração de IRS, quando os novos autarcas já estiverem confortavelmente sentados nas cadeiras que irão ocupar nos próximos quatro anos.

E até os funcionários públicos recebem metade do subsídio de Natal em Novembro, mantendo os outos 50% em duodécimos ao longo do ano .
Há um ano, quando formou Governo depois de perder as eleições, o primeiro-ministro deixou provado que as suas acções têm muito de planeamento e pouco de coincidência.

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