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Nova cria centro de investigação com foco na literacia financeira

Joana Farrajota, coordenadora do NOVA Financial Markets, diz ao JE que o novo centro de conhecimento da Faculdade tem como prioridade promover a literacia financeira e aproximar a sociedade portuguesa, em geral, dos mercados financeiros. “A literacia financeira tem um impacto positivo sobre a economia como um todo, contribuindo para a estabilidade dos mercados”, afirma.
20 Fevereiro 2024, 07h30

A Nova School of Law inaugura um centro de conhecimento dedicado ao estudo e investigação na área dos mercados financeiros – bancário, de capitais e de seguros – com especial foco na criação de valor, isto é, na preocupação de produzir um impacto positivo na sociedade. NOVA Financial Markets, assim se designa, é liderado por Joana Farrajota, doutorada em Direito Privado, professora auxiliar da NOVA School of Law e coordenadora do Master in Law and Financial Markets.

Nesta entrevista ao Jornal Económico, a coordenadora do NOVA Financial Markets alerta para os baixos níveis de literacia dos portugueses (e não só), da necessidade de os elevar e do que se propõe fazer para atingir esse desiderato.

 

Porque e com que objetivos cria a Nova School of Law um centro de conhecimento em mercados financeiros?

A criação do novo centro de conhecimento – NOVA Financial Markets – surge da necessidade sentida de centralizar e estimular a investigação na área dos mercados financeiros, por um lado, e, por outro, de contribuir com este mesmo conhecimento, ainda que devidamente ajustado, para o desenvolvimento de uma comunidade – extramuros, fora dos limites da comunidade académica – mais informada no que a estes mercados diz respeito.

O Centro tem por isso duas vertentes de atuação, uma de investigação e outra de criação de valor. No que diz respeito à investigação, esta tem cariz internacional, não se cingindo à investigação em Portugal. Pelo contrário, procuramos desenvolver projetos em parceria com centros de investigação de outros estados membros ou de Estados terceiros.

Que papel pretendem que o Centro venha a desempenhar na sociedade?

No que concerne à relação do Centro com a comunidade, o principal vetor de ação é a promoção da literacia financeira e a aproximação da sociedade, em geral, aos mercados financeiros. A primazia que escolhemos dar no Centro à promoção da literacia financeira resulta de um número de fatores, dos quais destacarei três.

Desde logo, o facto de, não obstante a importância da literacia financeira ser reconhecida há mais de duas décadas a nível internacional e, mais recentemente, a nível nacional, e de a promoção da literacia financeira ter, neste contexto, sido e ser presentemente objeto de uma multiplicidade de iniciativas, seja por parte de organismos de supervisão, instituições financeiras, bem como de outros atores da sociedade civil, tanto a nível nacional como supra nacional, os níveis de literacia financeira permanecerem, em geral, baixos. E aqui importa salientar que não são baixos só em Portugal: são baixos em geral, em Portugal, na União Europeia e fora da UE.

O que diz a estatística?

No último inquérito sobre literacia em adultos realizado em 2023 pela OCDE/INFE (Internacional Network on Financial Education), só 26% dos adultos inquiridos – nos 39 estados sujeitos ao inquérito (Estados-membros da UE, fora da UE, da OCDE e não OCDE) – demonstraram perceber os conceitos de juros simples e de capitalização de juros. De forma a tornar claro qual o grau de literacia financeira que se pretendeu avaliar, deixo um exemplo esclarecedor. Uma das perguntas era a seguinte: se eu emprestar 25 euros a um amigo e no dia seguinte ele me devolver 25 euros que juros foram pagos? Trata-se, pois, de questões com um grau de complexidade bastante baixo. É neste contexto, em torno de questões com grau semelhante de dificuldade, que apenas 26% dos adultos inquiridos demonstra perceber os conceitos de juros e de capitalização de juros.

Face a tais resultados urge questionar como se pode esperar que o consumidor médio tome uma decisão informada, naquilo que é sem dúvida uma, senão a mais relevante decisão financeira da sua vida, o negociar um contrato de crédito, quando, por exemplo, lhe é apresentada uma escolha entre uma taxa de juros variável, uma taxa de juros fixa ou uma taxa de juros mista. Como se pode esperar, por exemplo ainda, que o consumidor médio tome uma decisão informada na escolha de um instrumento de poupança quando lhe é dada a escolha entre um instrumento em que há capitalização automática de juros (certificados de aforro) e outro em que não há (certificados do tesouro).

Segundo fator?

A segunda razão que nos conduziu à escolha da literacia financeira como elemento central de atividade do Centro na sua vertente de criação de valor, resultou da posição particular de Portugal. De um lado, o facto de, em Portugal não ter havido evolução significativa nos níveis de literacia financeira da população adulta entre 2020 e 2023. E, por outro lado, o facto de, dentro da UE, fonte da esmagadora maioria da regulação nacional aplicável aos mercados financeiros, existir uma heterogeneidade muito significativa de resultados quanto aos níveis de literacia financeira. Veja-se, por exemplo, a distância que separa Portugal e Alemanha.

 Último.

Finalmente, o terceiro fator que nos conduziu a centrar parte dos esforços do Centro na promoção da literacia financeira, resulta da relação estreita entre literacia financeira e aumento de bem-estar individual e dos mercados. Uma maior literacia financeira traduz-se em melhores decisões financeiras e num aumento do bem-estar não só a nível individual, mas a um nível supra-individual. A literacia financeira tem um impacto positivo sobre a economia como um todo, contribuindo para a estabilidade dos mercados. Como ficou claro com a crise financeira de 2007/08, quanto mais indivíduos tiverem literacia financeira, melhor poderão navegar numa crise económica. Isto também é verdade, como já se pudemos observar, na crise iniciada com a pandemia.

Que atividades vai desenvolver o Centro?

No que diz respeito à primeira missão do Centro, presentemente o estudo de maior envergadura e no qual o Banco de Portugal é parceiro, centra-se na avaliação da eficácia da implementação dos requisitos de conhecimento e competência do staff dos bancos que trabalha na área do crédito hipotecário. Este estudo será realizado em três Estados Membros, Portugal, Alemanha e Itália.

O principal objetivo do estudo consiste na apresentação de uma proposta contendo um conjunto de orientações com vista a garantir uma implementação eficiente e adequada destes requisitos, de forma a assegurar o melhor resultado final possível, isto é, funcionários que consigam aconselhar e guiar da melhor forma um consumidor que, regra geral, terá um nível de literacia financeira baixo.

No que diz respeito à segunda missão do Centro, será concretizada, durante o ano de 2024, por meio de dois projetos.

Pode adiantar do que tratam?

O projeto QR Code, coordenado por Rita Vieira Marques, doutoranda da Nova School of Law, que consiste em colocar nos transportes públicos informação de natureza financeira, essencialmente bancária, relevante para o consumidor, sob a forma de vídeos de dois a três minutos, suscetíveis de visualização através do simples scanear de um QR Code. Uma das informações que se pretende introduzir, por exemplo, é a da existência de contas de serviços mínimos bancários com custo inferior a cinco euros por ano em comissões.

O segundo projeto, designa-se literacia financeira em campo, coordenado por Leonel Cá, mestrando da Nova School of Law, e André Moreira Simões, doutorando da Faculdade de Direito de Lisboa. Trata-se de um projeto desenvolvido em parceria com a Fundação “O Século” e que consiste na realização de sessões de formação para jovens, com a finalidade de os familiarizar com conceitos como orçamento familiar, poupança, crédito à habitação, entre outros. Isto é, formações que tenham por objeto instrumentos essenciais para o início da vida adulta e de uma vida adulta com nível adequado de bem-estar (também) financeiro.

Que importância vão atribuir à realização de estudos e projetos de consultoria para empresas? Estão abertos a que tipo de empresas?

Num Centro que se quer aberto à comunidade e que tem por membros docentes da faculdade da área dos mercados financeiros – bancário, seguros e capitais – e estudantes, de licenciatura, mestrado e doutoramento que desenvolvem investigação nesta mesma área, é nosso objetivo manter uma relação estreita com o mercado. Por essa razão aliás, o Centro conta com dois consultores, presentemente, os drs. Tiago Correia Moreira, sócio da área de Bancário e Financeiro da VdA, e Diogo Malato Moura, Head of Global Markets Portugal, do BNP Paribas Corporate and Institutional Banking.

 

Professora auxiliar da NOVA School of Law, responsável pelo Master in Law and Financial Markets, Joana Farrajota é licenciada e doutorada em Direito Privado pela NOVA School of Law e a sua prática jurídica tem como principais áreas de atuação o direito civil e comercial. Exerceu, entre 2011 e 2015, as funções de técnica especialista da ministra da Agricultura e do Mar, bem como de adjunta do secretário de estado da Administração Interna.

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