[weglot_switcher]

“O gás natural é o combustível que vai substituir o carvão”

O gás natural vai ter um papel importante na descarbonização da sociedade, defende Suzana Toscano, diretora executiva da Associação das Empresas de Gás Natural (AGN). Além de substituir o carvão na produção de eletricidade, o gás será importante como suporte das renováveis.
5 Março 2019, 13h30

O gás natural vai ter um papel preponderante para combater as alterações climáticas. Esta é a visão da diretora executiva da Associação das Empresas Portuguesas de Gás Natural (AGN) Suzana Toscano. Em entrevista ao Energia & Ambiente, a responsável defende que o gás natural está na linha da frente para substituir o poluente carvão.

O peso das renováveis tem vindo a aumentar, daí a necessidade de haver um maior ‘backup’ [suporte]. Qual o papel que o gás natural pode ter?

As energias de origem renovável são imprevisíveis, ou pelo menos incontroláveis, podemos ter uma capacidade enorme e isso não quer dizer que isso corresponda à procura. Como tal, é absolutamente crítico que os sistemas elétricos consigam, a cada momento, fazer corresponder a oferta à procura dessa energia. O que acontece se isso não existir? Interrupções de eletricidade, imprevisibilidade e uma insegurança nesse fornecimento. São realidades a que em Portugal não estamos habituados, nem seria bom para o desenvolvimento das energias renováveis. O sistema de gás natural é absolutamente essencial: quanto maior for a produção de energia de fonte renovável, maior a incerteza e a instabilidade dessa energia na rede, logo mais importante é o papel do suporte. Isso obriga a uma série de opções e políticas, quer ao nível do investimento, manutenção das redes, e o pagamento desses custos, que o sistema terá que suportar, numa geometria que é sempre variável e depende de uma quantidade enorme de vetores. Esse dado é consensual e aparece em qualquer estudo internacional: o papel que as centrais térmicas de gás natural desempenham como promoção para acolher a penetração das renováveis.

O gás natural pode e deve ser um substituto das centrais a carvão?

Se me pergunta se o gás natural é o combustível de matéria prima que vai substituir o carvão, é sem dúvida. Todas as projeções internacionais apontam para uma profunda mudança do mix energético em que o gás natural apoie as renováveis. Estas serão as duas estrelas que irão destronar as energias fósseis poluentes. Desse ponto de vista, ao nível global, é sem dúvida a energia que permitirá combater as alterações climáticas e atingir os objetivos a que nos propomos. Tem sido essa a opção, não nos parece que exista um melhor substituto para as centrais a carvão. É esse o caminho que tem sido seguido, mas toda esta evolução da energia, revolução energética, vai sendo acompanhada por um aumento da procura da energia, considerando que haverá desenvolvimento económico dos países que ainda hoje são menos desenvolvidos.

Como é que a AGN olha para a estratégia que o país deveria seguir em relação ao gás natural na próxima década ou no médio-prazo? Qual é a vossa perspetiva?

A perspetiva do setor tem sido, publicamente, anunciada. Há coisas que são absolutamente firmes, e uma delas é que Portugal dispõe de infraestruturas modernas, seja de armazenagem, distribuição, gestão, transportes. Têm 20 anos, portanto ainda não estão completamente amortizadas. É totalmente seguro. Há níveis de satisfação dos consumidores elevadíssimos, e temos um sistema nacional de gás natural excelente. São infraestruturas que devem e podem ser aproveitadas e que têm um contributo muitíssimo importante a dar ao setor energético em Portugal. Nesse sentido, temos procurado manter o gás natural como um produto competitivo, melhorando os níveis de serviço, investindo em tecnologia, investindo em melhorias constantes do processo. É um setor altamente regulado, integrado em níveis de regulação europeia, em que todas as regras de atuação no mercado são exigentes e transparentes. Os planos de investimento são também debatidos ao nível do Parlamento, tal é a importância do desenvolvimento e acesso dos cidadãos a esta excelente energia, e existe o impacto que estes investimentos podem ter nos custos. Este balanço é muito importante para a sustentabilidade e desenvolvimento do setor, mas também para a satisfação dos nossos consumidores, e para que o gás natural continue a ser fortemente competitivo. Desse ponto de vista, o que está previsto no setor é manter estes fatores: a qualidade de serviço, os níveis de investimento e manutenção das infraestruturas que garantam a segurança e fiabilidade de todos os nossos equipamentos, e procurar continuar a tornar o setor competitivo, através da negociação da utilização de todas as infraestruturas de que dispomos e que são privilegiadas.

O Governo já disse que queria encerrar as duas centrais a carvão em Portugal até 2030.  Neste contexto, é necessário construir mais centrais a gás natural ? Já existe algo planeado?

O que temos, nesta fase, e que dificilmente alguém arriscará uma posição completamente fechada, é que a transição energética e as políticas que estão a ser desenhadas são muitíssimo ambiciosas. O setor do gás natural está inscrito nesses objetivos, e está profundamente empenhado em contribuir para que eles sejam atingidos. Mas estas trajetórias políticas têm que ponderar vários vetores, e um deles, efetivamente, é a descarbonização: como atingi-la e se essa forma de lá chegar implica a sustentabilidade económica, não só a ambiental, e a segurança de abastecimento.

A segurança de abastecimento é sempre uma questão muito relevante no setor energético…

A segurança de abastecimento significa ter a certeza, em cada momento, que o país está habilitado a enfrentar todas as alterações extremas do clima. Vimos que há dois anos, o sistema de gás natural esteve na plena capacidade porque houve uma conjuntura climática profundamente negativa em termos de temperatura, seca e falta de vento. Este balanço é exigente e tem de estar permanentemente assegurado. Nós estamos de acordo com as projeções que são feitas para o futuro, onde o setor está perfeitamente identificado nesta rota da descarbonização, sendo certo que não é só o setor do gás que está preocupado com a segurança e garantia de abastecimento. Isso é uma exigência política e dos decisores que todos estes elementos estejam em cima da mesa devidamente acautelados, mas temos a certeza que está presente em todas as decisões. Agora, se tudo correr bem as projeções são otimistas e vamos acompanhá-las. Todos os países sentem esta questão, vemos esta discussão em outros países: a questão das interligações, se podemos importar eletricidade. Há também um fator muito referido, que é: se não pudermos produzir, naquele momento, a eletricidade que importamos vem de onde? Importa se é produzida com carvão ou com gás natural? Dentro do objetivo da descarbonização, temos de ver se as opções que vamos eliminando, ou que vamos mantendo, em cima da mesa, são ou não são compatíveis com esta opção. Porque os objetivos de descarbonização são mundiais.

Então esta solução de construir mais centrais a gás em Portugal terá de ser vista no futuro…

Creio que em termos nacionais não se prevê um aumento do gás natural. Não está previsto. Tem sido dito publicamente que a questão dos investimentos deve ser vista com muita prudência e ponderação, mas é um tema que tem de ser levado a par com uma evolução de mudança estratégica que todos estamos a viver. O que foi dito pela ERSE [regulador do setor energético], e pelos responsáveis das empresas, é que os investimentos têm de ser vistos numa ótica de manutenção, garantia e sustentabilidade do sistema, mas também com prudência para não estarmos a onerar excessivamente os custos.

Há pouco tempo foi apresentado pelo Governo o plano nacional de Energia e Clima (PNEC) até 2030. Como é que o analisam?

Nós acompanhamos de perto o setor do gás natural e a generalidade das empresas que atuam neste setor também estão no mercado das renováveis, por isso têm um portefólio indeferenciado. Nós acompanhamos o setor mas também nos consideramos um player importante nesse xadrez. O que é muito importante e exigente neste tema da rota para a descarbonização, é que, primeiro, são perspetivas a longo prazo e que têm de mobilizar uma sociedade, e isso é fazer com que os cidadãos se sintam motivados para todo o esforço e para todas as transformações que isso implica mas significa que os vários setores económicos têm de estar disponíveis e ativos nessa transformação. Se pensarmos que o gás natural chegou há 20 anos a Portugal, vemos que as transformações que vão acontecer até 2040 ou 2050 afinal não estão assim tão longínquas. Evidentemente que os planos nacionais hão de ser revistos de três em três anos. Estamos a acompanhar mas também somos parte ativa porque somos chamados a contribuir com a nossa atuação e opinião, mas também com o próprio contributo para a inovação, descoberta de novas alternativas e proposta de melhoria de serviço. Sem dúvida que é uma perspetiva muito ambiciosa, mas que ninguém pode virar a cara e dizer ‘não tenho nada a ver com isto’.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.