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O Governo e a desordem das Ordens!

Os problemas de acesso à profissão, e de combate ao corporativismo, tem de ser feito com as Ordens, e nunca à revelia destas.
20 Julho 2023, 07h15

O que é que têm em comum a intenção do Governo de contratar 300 médicos cubanos e as alterações à lei dos estatutos das ordens profissionais? Tudo!

Escudando-se numa exigência da Autoridade da Concorrência e na concordância com os regulamentos Europeus, o Governo decidiu mexer nos estatutos das Ordens profissionais. Se deve existir um debate profundo, complementado por uma ação firme por parte do executivo, no sentido de exigir às Ordens que sejam, realmente, aquilo que a lei prevê, nomeadamente entidades cientificas e regulatórias, ao invés de se travestirem de órgãos para-sindicais, corporativos e de bloqueio? Sem dúvida. Já vem tarde. Nesse sentido vale a pena recordar as dezenas de milhares de profissionais especializados e encartados (médicos, advogados, dentistas, enfermeiros, economistas, engenheiros) “regressados da Venezuela” na última década, pelo menos, que ficaram impedidos de exercer de forma regular as suas profissões, e dar um contributos inestimável ao nosso país, sem que este tivesse de gastar um cêntimo. Todos estes anos o Governo tem alegado estar de mãos e pés atados face à ditadura das Ordens Profissionais, mesmo que no passado, mais ou menos recente, tenhamos outras contratações de médicos cubanos e dentistas brasileiros. Não só não conseguimos aproveitar os conhecimentos adquiridos por, na maioria, jovens cidadãos, colocando-os como portugueses de segunda, e obrigando muitos a procurar outras paragens, também classificámos, ad-hoc, as suas licenciaturas e estudos pós-graduados, como de segunda. São, para o Estado Português, profissionais de segunda. Salvo melhor opinião, sentenciámos que têm licenciaturas e mestrados da “farinha Amparo”. De outra maneira não faria sentido tratá-los de maneira distinta do que o fizemos, e fazemos, a cubanos e brasileiros.

Pois Bem. O Governo resolveu “resolver” um conjunto de impurezas e entropias da pior forma possível. Já passando adiante da criação de um Conselho de Supervisão em cada Ordem, com um número significativo de individualidades fora do âmbito dos profissionais, aniquilando o princípio fundador de que “os pares organizam e regulam-se entre si”, introduz uma alínea que permite a profissionais não inscritos nas respetivas Ordens praticar os atos exclusivos aos seus membros, se estiverem “legalmente habilitados”. Ou seja, se o governo assim o entender. E se isso permitirá a que profissionais de atividades conexas pratiquem atos de especialidade até aqui reservados a outros profissionais, veja-se a aprovação da competência em “nutrição clinica” por parte da Ordem dos Médicos, e ratificado pelo Governo, que entra “a pés juntos” naquilo que deve estar reservado exclusivamente aos licenciados em Nutrição, inscritos na respetiva Ordem. Mas vem, também, validar estas contratações self-service, como dos 300 profissionais cubanos, que ninguém sabe para onde vão, de que especialidade são, que falhas vêm suprir.

O Governo em vez de chamar as “Ordens à ordem”, despindo-as de corporativismo, prevenindo uma certa “segregação” ( como terá existido nos últimos exames de final de estágio, no caso dos advogados)  tenta resolver problemas, e fazer uns jeitinhos, à margem destas. Que, com todos os defeitos, são e têm de ser os órgãos que garantem a capacidade técnica e científica de profissões, com atos específicos.

Se o Governo, por exemplo, fizesse uma revisão aos estatutos consagrando que um determinado indivíduo, com formação base distinta do convencional, pudesse realizar o exame duma Ordem, complementado com o obrigatório estágio e,  sendo aprovado em ambos, pudesse ser membro de pleno direito dessa mesma Ordem, exercendo essa profissão específica, estaria sanado o problema de concorrência. Complementado, com toda a certeza, por um exame de acesso ao estágio, para todos aqueles que não têm formação académica em faculdades reconhecidas pela Ordem em questão.

Ou seja, é um governo trapalhão, enredado em cumplicidades, mutismo e surdez, como aquele menino que tenta resolver uma janela partida por um pontapé na bola, às escondidas dos pais, das autoridades, e do dono da casa atingida. Os problemas de acesso à profissão, e de combate ao corporativismo, tem de ser feito com as Ordens, e nunca à revelia destas.

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