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O impacto das alterações climáticas na produção de vinhos em Portugal

As alterações climáticas (AC) são um tema para o qual não temos ainda as respostas todas e é confuso, na forma como é bipolarizado.
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1 Dezembro 2019, 12h20

1. As alterações climáticas têm tido efeito na sua produção de vinhos?

2. Se sim, de que forma é que têm tentado responder a essas alterações climáticas?

 

 

Jorge Rosa Santos, director de produção e enologia de Colinas do Douro

“As alterações climáticas (AC) são um tema para o qual não temos ainda as respostas todas e é confuso, na forma como é bipolarizado.

Diria que a maneira drástica e por vezes alarmista como alguns estudos sobre as AC colocam a nossa existência em causa não pode, de forma alguma, levar-nos a pensar que nada mais há a fazer – como tão pouco os estudos que dizem o contrário – que as AC são invenção de ambientalistas radicais – nos poderão fazer pensar que tudo está bem.

Quem vive da agricultura e precisa dos milímetros de chuva, das amplitudes térmicas, do teor de humidade no solo, etc… percebe que o clima mudou e continuará a mudar – Será por acção directa e/ou indirecta do Homem? Não o sabemos ao certo. Mas há talvez uma pergunta muito mais pragmática e que interessa dar resposta: É se perante a realidade das AC, conseguiremos fazer o que nos compete e podemos controlar, uma transição para um sistema económico de emissões-zero?

No caso das Colinas do Douro, um projecto com início em 2010, com vinhas no Parque Natural do Douro Internacional, minimizámos o impacto ambiental dos 106 ha de vinha com a plantação de corredores ecológicos e monotorizamos a Avifauna, adoptando todos os anos medidas que procurem fortalecer e equilibrar o Ecosistema envolvente. Somos parte integrante da Plataforma Europeia Business & Biodiversity e temos parte das vinhas em transição para modo de produção biológico.

Em termos práticos, a seca severa que se iniciou em 2016 e perdura, e a vaga de calor verificada em Agosto 2018, foram/são altamente prejudiciais e com perdas grandes de produção de uva.

Para nos prevenirmos destes fenómenos, estamos a plantar castas com maior resistência ao stress hídrico, como a Touriga Franca; plantámos também as vinhas predominantemente em encostas viradas a Norte com menos horas de sol, escolhemos cotas mais altas com noites mais frescas, e investimos numa estação meteorológica que nos permite ler a humidade do solo e Evapotranspiração, fazendo desse modo uma gestão mais eficiente dos recursos hídricos”.

 

 

Ana Mota, Diretora de produção da Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo (Grupo Amorim)

1. Sim, têm! As alterações climatéricas são visíveis e em todos os anos, sendo que os últimos oito anos foram já completamente diferentes do habitual. Além do aumento da temperatura, e dos seus picos, ainda que no Douro sempre tenham ocorrido, o mais visível é a não diferenciação balizada das estações do ano. A videira, embora sendo uma trepadeira que no Douro consegue penetrar no solo a 20/30 metros à procura de água, não deixa de ser um ser vivo e uma planta, que tal como as plantas que temos em nossas casas necessita de ser regada de forma a não atingir aquilo a que chamamos de ‘stress’ hídrico.

É bem visível e notório que temos invernos quentes com pouca chuva e primaveras/verões com temperaturas mais amenas e chuva frequente. Estas alterações obrigaram-nos, na Quinta Nova, a instalar um sistema de rega gota-a-gota em toda a propriedade, por forma a termos a possibilidade de, durante o ciclo vegetativo, no período de maior crescimento da planta, adicionarmos água ao solo, mantendo um crescimento normal e saudável da planta.
Obriga-nos também a uma atenção redobrada sobre o período de maturação da uva, por forma a proceder à rega em caso de a uva estar ainda no início da maturação. Caso contrário os cachos desidratavam, com os ácidos/açucares/pH completamente desequilibrados.

 

2. Temos optado por experimentar alterar algumas técnicas de granjeio, sendo que a primeira decisão foi a sua utilização nas novas plantações de material clonal (seleção massal) cuja seleção já foi feita também com base nos parâmetros de resistência ao calor e ‘stress’ hídrico, entre outros.

Outra alteração que fizemos foi o enrelvamento total natural na ‘entre linha’, com mobilização zero, o que nos obrigada a capinar o relvado natural três vezes ao ano. Desta forma evitamos escorrimentos de água, tendo um aproveitamento por infiltração quase total sempre que chove. Num outro exemplo, passamos a fazer despontas (corte do ápice da videira em crescimento acima do último arame) uma a duas vezes por ano (floração e pintor), fazendo enrola total (consiste em enrolar as pontas em crescimento da videira no último arame) e desponta zero. A técnica de enrola era usada pelos antigos nas vinhas tradicionais. Esta operação permite-nos manter as folhas mais jovens até mais tarde, e as mais velhas da base mantêm-se até à vindima. Além de mantermos a planta “a sintetizar energias” para alimentar os cachos até mais tarde, beneficiando a evolução da maturação, conseguimos manter uma sebe mais espessa que acaba por provocar ensombramento sobre os cachos, evitando escaldão e evitando também uma maior desidratação. A utilização de rega e a disponibilidade de água é outra grande vantagem essencial. A rega é efetuada apenas quando em períodos críticos para o bom desenvolvimento/crescimento da planta, caso a meteorologia não seja favorável.

 

 

Francisco Toscano Rico, Presidente da CVR Lisboa

1. Na região demarcada dos vinhos de Lisboa, tal como na maior parte do território continental, o histórico recente aponta para um aumento das temperaturas, uma redução importante da precipitação e um aumento na ocorrência de fenómenos climatológicos extremos em especial, a seca, e a queda de granizo. O aumento da temperatura acompanhado por uma redução da precipitação pode jogar a favor da qualidade das uvas da região de Lisboa, favorecendo as maturações e reduzindo a incidência de pragas e doenças. Este é claramente um aspeto positivo que temos assistido nos últimos anos, com reflexos evidentes no aumento da qualidade dos vinhos de Lisboa.

Contudo, o melhor dos dois mundos não existe e é um facto que temos assistido cada vez mais a um intensificar dos fenómenos extremos, em especial a queda de granizo e a seca, que este ano poderão ser responsáveis por uma redução que pode superar os 20% da região, havendo inúmeros casos individuais com quebras superiores a 40%. É importante recordar o fenómeno do escaldão de agosto de 2018, com temperaturas ao nível do solo que ultrapassaram em alguns casos os 45 ºC na região de Lisboa, e talvez tenhamos de recuar até à década de 1940 para encontrar fenómeno semelhante.

 

2. Historicamente, a região de Lisboa sempre foi muito forte e dinâmica em termos agrícolas, tanto na vinha, como nas hortofrutícolas. Ainda hoje, continua a ser neste território que são produzidas grande parte das frutas, hortícolas e do vinho que se consome no país. A adaptação às alterações climáticas não é um assunto novo na agricultura, mas é verdade que tem assumido cada vez mais um protagonismo em termos de debate público e exposição mediática.

Termos nesta região uma viticultura muito profissional deixa-nos mais preparados para fazer face às aleatoriedades do clima. Caminhamos cada vez mais para uma agricultura de precisão e de grande tecnicidade nas opções agronómicas. Quer isto dizer que os viticultores conhecem ao detalhe os seus solos, as suas encostas e o comportamento das suas castas em cada parcela. Em paralelo, o acompanhamento sistemático dos técnicos nas vinhas, com a monitorização de pragas e doenças e da evolução da maturações das varias castas, é um aspeto chave para termos boas produções e boa uva e bom vinho. E neste capitulo Lisboa tem-se apetrechado de técnicos e de conhecimento, com uma ligação muito forte com a academia (Instituto Superior de Agronomia, e Estação vitivinícola de Dois Portos).

Naturalmente, que ao nível nacional e regional é muito importante apostar no estudo do comportamento agronómico das castas e no melhoramento genético, destacando aqui o trabalho pioneiro da PORVID que no futuro trará um retorno imenso ao setor. Creio também que o debate em torno das variedades híbridas (comummente denominadas de castas resistentes obtidas por cruzamentos com variedades não europeias) assumirá no futuro um protagonismo crescente.

Com a tendência crescente para termos défices hídricos acentuados ao longo do ciclo vegetativo da videira, a necessidade de se recorrer à rega da vinha na região de Lisboa não é um cenário a por de parte no futuro próximo. Sobre isto, ainda no mês passado apresentámos ao Ministério da Agricultura uma proposta de revisão das regras de produção das Denominações de Origem integradas na região demarcada de Lisboa, visando eliminar quaisquer restrições legais à pratica da rega na vinha. Entendemos que, dado o grau de maturidade da fileira do vinho, já não se justifica termos o Estado ou a CVR a estabelecerem condições ou restrições a este respeito.

Em paralelo, como medida de gestão do risco, este ano e pela primeira vez, a CVR Lisboa disponibilizou uma apólice coletiva com uma cobertura de riscos muito alargada, incluindo o escaldão. Para nós, este é o melhor instrumento que temos ao nosso dispor para protegermos os investimentos e os rendimentos dos viticultores. Neste primeiro ano, ficaram cobertos por este seguro mais de 50% das vinhas certificadas da região demarcada e um capital seguro de 20 milhões de euros, o que é um sinal muito forte do nível de profissionalismo e da consciencialização generalizada sobre os riscos reais que enfrentamos na região e que tendem a acentuar-se.

Temos também seguido de muito perto os trabalhos desenvolvidos pela ADVID, que tem liderado em Portugal esta temática, e com uma utilidade que a todos nos interessa.

 

 

Rui Flores, Gestor agrícola da Herdade do Esporão

1. Sim. São cada vez mais frequentes eventos climáticos extremos, tais como temperaturas superiores a 45°C, dias consecutivos com temperaturas superiores a 40°C, menores valores de precipitação (>350 mm)
e sendo esta mais concentrada no período de outono e inverno e ainda ocorrência de ventos fortes e secos durante o período de maturação.

Estes fatores são responsáveis por perdas de produção e por perda de qualidade. As uvas produzidas
apresentam maiores teores alcoólicos e menor intensidade aromática, podendo alterar os perfis dos vinhos produzidos. O aumento das temperaturas médias leva a um desfasamento da maturação dos vários componentes das uvas: açucares ácidos, aromas e fenóis. Outros resultados do aumento da temperatura poderão ser: antecipação da data de colheita; maiores necessidades em água de rega da cultura; e aparecimento de novas pragas e doenças.

 

2. A conversão de toda a nossa produção para o modo de produção biológico levou-nos a desenvolver práticas de gestão que têm como um dos principais objetivos mitigar o impacte das alterações climáticas. De entre as atividades desenvolvidas destacamos:
• Enrelvamentos permanentes das culturas, de forma a promover um aumento dos teores de matéria orgânica do solo;
• Práticas de rega de precisão que permitem a utilização da água de rega com maior eficiência;
• Práticas de agricultura de precisão que permitem a utilização diferenciada dos fatores de produção;
• Criação de corredores arborizados (sebes de proteção) de forma a reduzir o impacte do vento e aumentar a fauna auxiliar;
• Utilizar os subprodutos gerados pela nossa atividade (composto) na fertilização das nossas culturas;
• Instalação de um campo experimental com 189 castas, que permite avaliar num contexto de alterações climáticas e a agricultura biológica, a resistência das diferentes castas a pragas e doenças e fatores de ‘stress’ (hídrico, térmico), de forma a definir as castas a instalar em novas plantações;
• Participação no projeto WineClimAdapt, com os parceiros INIAV, FCUL, Viticert e Plansel, com o objetivo de quantificar a adaptabilidade de 189 castas aos ‘stresses’ hídrico e térmico e estimar o potencial enológico das castas mais adaptadas às alterações climáticas.

 

 

João Maia, Managing Director da Casa de Vilacetinho

1. Em primeiro lugar, é preciso destacar o efeito que o clima tem na produção de vinhos – que é enorme. Temos uma fábrica a céu aberto, sujeita às condições climáticas e um ano quente trará para a adega um tipo de vinho muito diferente de um ano chuvoso e frio.

As vinhas e as castas autóctones utilizadas na Casa de Vilacetinho, nomeadamente a Avesso, têm origem no vale do Douro, ainda na região dos Vinhos Verdes e, por isso, respondem melhor e revelam-se melhor neste clima e condições meteorológicas. Fica claro, portanto, que uma alteração climática terá um efeito na produção destas uvas, pois as castas não estão preparadas para essas mudanças e podem reagir mal quer em quantidade, como na qualidade e no perfil de vinho.

No entanto, estas mudanças podem ser vistas como uma oportunidade. Há muitas castas portuguesas a serem plantadas em várias outras regiões do mundo com climas muito diferentes do nosso e com resultados positivos. Isto demonstra a resistência de uma casta ao adaptar-se a ambientes diferentes e a sua capacidade de reinvenção perante as suas características, resultando num perfil diferente de vinho.

 

2. Estes últimos anos têm sido sempre desafiantes por vários acontecimentos climáticos extremos como o granizo e escaldão, que não estou certo que possamos atribuir estes fenómenos às alterações climáticas.

A nossa resposta principal tem sido a aposta nas práticas vitícolas, analisando com cuidado o que vemos na vinha, e respondendo de forma adequada nos tratamentos a efetuar. Creio que nisso todo o setor tem muito espaço para aprendizagem.

Ainda assim, temos tentado ver nestas condições uma forma de estudarmos o nosso ‘terroir’. Temos vindo a replantar algumas partes das vinhas e a escolha de castas tem sido um pouco mais variada – Loureiro, Alvarinho, Fernão Pires, Arinto – o que nos permite ver o comportamento destas castas ao nosso clima em mutação e perceber se no futuro estão melhor adaptadas à Casa de Vilacetinho, averiguando o contributo que trazem aos vinhos.

 

 

João Barroso, Gestor do plano de sustentabilidade da CVR Alentejo

1. Sim. As ondas de calor extremo têm provocado por exemplo, o fenómeno do “escaldão” que se reflete em quebras de produção expressivas. Igualmente, chuvas intensas fora de época (nomeadamente na Primavera) poderão igualmente provocar perdas de produção. Paradoxalmente, o facto de estarmos em seca extrema há bastante tempo tem forçosamente condicionado a gestão de água para rega, e proporcionalmente a capacidade de produção dos nossos produtores. A flutuação térmica a que temos assistido, com ondas de calor fora de tempo, contribui igualmente para o aparecimento de pragas e doenças que podem prejudicar severamente a produção.

2. De várias formas, desde promover o controlo e monitorização do consumo de água por forma a optimizar as regas e assim deixar alguma água de reserva para o futuro, a trabalhar com vários produtores na potenciação dos serviços dos ecossistemas na vinha por forma a aumentar a sua resiliência às alterações climáticas. Temos uma agenda de investigação & desenvolvimento que identificou como prioridades, além da questão da água, a identificação dos solos mais adaptados para uma viticultura com pouca água disponível, o comportamento das castas face a extremos climáticos, ou a adaptação de novos híbridos resistentes a doenças expectáveis, apenas para citar alguns exemplos.

 

 

Julian Reynolds, Administrador da Reynolds Wine Growers

1. As alterações climáticas, nos últimos anos, têm criado algumas dificuldades na forma como planeamos a condução da vinha. Isto porque deixámos de ter valores de referência para cada estação do ano. Perante este quadro, os fatores que mais têm afetado a nossa produção são: a falta de precipitação e o aumento da temperatura média e da temperatura máxima.

 

2. A falta de precipitação é, para nós, o principal problema, pois embora a videira seja uma planta muito resistente à seca, também necessita de água para realizar o seu ciclo vegetativo. Se olharmos para a média dos últimos 50 anos, temos valores de 560 mm de chuva por ano, mas se olharmos para a média dos últimos 10 anos, temos valores de 300 mm. Se nos focarmos apenas em 2019, só temos 170mm em dez meses. Com esta diminuição drástica
e concentração de precipitação, tivemos que implementar várias medidas, entre as quais: aumentar a capacidade de armazenamento de água; realização de drenos para conduzir a água para barragens; em anos de menor precipitação recorrer a captações subterrâneas para repor as necessidades; quantificar a água utilizada na adega, na vinha e a existente no solo; reutilizar a água consumida na adega para a rega da vinha. O nosso objetivo é reduzir as perdas de água à evaporação e evapotranspiração das plantas. A temperatura ambiente também é um problema grave. A videira com temperaturas médias abaixo de 10ºC entra em dormência, guardando assim energia para o próximo ciclo, que se inicia quando as temperaturas médias ultrapassam os 10ºC. Atualmente, o que está a acontecer é que o período de dormência é cada vez mais pequeno e conta com várias quebras.

Esta alteração dá-se devido ao aumento médio da temperatura ambiente e às oscilações da temperatura durante o inverno, os chamados “dias de verão” durante dezembro e janeiro. Estas alterações enfraquecem a videira, reduzindo bastante a sua energia para iniciar o novo ciclo, que deveria ocorrer na Primavera. Para minimizar este fenómeno,
realizamos as seguintes ações: retardar o início da poda para prolongar ao máximo o período de dormência da videira; como estamos em modo de produção de agricultura biológica não podemos utilizar adubos de síntese, então fertilizamos o nosso solo com matéria orgânica resultante dos nossos compostos e semeamos a vinha com plantas
fixadoras de azoto atmosférico, para disponibilizar ao solo que por sua vez disponibiliza às videiras.

Quanto à temperatura máxima nos últimos dois anos, temos batido recordes. Devido a estas temperaturas temos sofrido perdas por escaldão das uvas. Para evitar estes escaldões, tentamos manter o equilíbrio nutricional das videiras o mais estável possível. Antes das ondas de calor, regamos as videiras e realizamos pulverizações de aminoácidos assimiláveis de origem fúngica produzidos na propriedade para ativar o metabolismo das videiras de forma a responder preventivamente ao escaldão. O clima seco e com temperaturas elevadas têm influência na fauna existente na vinha, estas alterações provocam desequilíbrios, favorecendo as pragas da vinha e prejudicando os seus predadores. Para repor o equilíbrio, ainda estamos a estudar os ciclos das pragas e dos seus predadores, o objetivo é dar melhores condições ao predadores das pragas para reporem o equilíbrio naturalmente.

 

 

Luís Serrano Mira, Administrador da Herdade das Servas

1. Os efeitos da seca têm sido problemáticos, levando a uma redução de produção, o que origina um aumento do custo de produção.

2. Como forma de combate a estes fenómenos climáticos extremos temos adoptado medidas de sustentabilidade dentro do programa PSVA (Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo), que é um referencial para toda a região do Alentejo, quer ao nível de estratégias de poupança de água, quer ao nível da erosão sobre o solo e outras.

 

 

Lourenço Charters, Enólogo da Montez Champalimaud (Quinta do Côtto e Paço de Teixeiró)

1. Sim, desde que trabalho no setor que temos vindo a notar que o calendário das operações na vinha se tem adiantado. Nota-se, sobretudo, na última das operações, e uma das mais importantes, a vindima.
Na Quinta do Côtto, onde trabalho desde 2015, vindima-se por volta de meados de setembro, mas, desde que cá comecei, já se vindimou duas vezes no final de agosto, uvas com o mesmo álcool provável que teriam há uns anos em meados de setembro. Isto deve-se, essencialmente, ao aumento das temperaturas.
Temos vindo também a notar um esforço maior das videiras para completarem o seu ciclo, não só devido ao excesso de temperatura, mas também ao ‘stress’ hídrico.

2. Temo-nos vindo a adaptar sobretudo na viticultura. Privilegiamos, nas plantações novas, castas portuguesas, mais resistentes ao calor e à seca. Optamos por zonas de maior altitude e viradas a norte/nascente para novas plantações por forma a evitar calor excessivo. Também nas práticas culturais evitamos ter demasiada vegetação para evitar a transpiração e temos vindo a trabalhar o solo para que aumente a capacidade para reservar mais água. Estamos também a estudar a possibilidade de colocar um protetor solar nas videiras, à base de uma argila natural, caulino, de cor branca de forma a refletirem a luz e dessa forma reduzir a temperatura nas folhas.

 

 

Pedro Soares, Presidente da CVR Bairrada

1. Sim, de forma evidente. No caso da Bairrada, as quatro estações do ano estão menos definidas. Esta situação conduz a que existam cada vez mais episódios de menor disponibilidade de água e, por outro lado, episódios de falta de luz (períodos nublados), fundamental para um bom desenvolvimento da planta e da maturação das uvas. Ou seja, mais do que em termos quantitativos, são os factores qualitativos a sofrer efeitos. De ressalvar, por exemplo, que as alterações climáticas, com menos chuvas em Setembro têm permitido uma melhor gestão da data de vindima na nossa região.

2. Através de práticas vitícolas adequadas e ainda de uma escolha mais adequada dos tipos de materiais vegetativos a utilizar.

 

 

Pedro Silva Reis, Presidente da Real Companhia Velha

1. Analisando os acontecimentos climatéricos e fazendo uma ponderação/comparação com os dados dos últimos 40 anos existe, de facto, uma tendência clara no que se refere a:
– Menor precipitação anual; aumento das temperaturas médias; acontecimentos extremos no que se refere à ocorrência de elevada precipitação em períodos muito curtos – por exemplo em 28 de maio de 2018 ocorreram no vale do Pinhão 68 mm de chuva/granizo em menos de 3 horas, o que causou enormes prejuízos no que se refere ao arrastamento de terras, derrube de muros com destruição de muitos hectares de vinha (afetou diretamente a produção e debilitou as plantas); acontecimentos extremos no que se refere à ocorrência de períodos com elevadas temperaturas e ausência de precipitação. No ano de 2018 choveram apenas 7 mm de julho a setembro e as temperaturas médias neste período registaram mais de 2,2ºC quando comparamos os valores dos últimos 40 anos.
Estes acontecimentos climatéricos têm uma influência direta quer na quantidade, quer na qualidade da produção. Além disso, denotam-se fenómenos de morte prematura de muitas plantas visivelmente causada pelo excesso de calor e défice de precipitação por períodos muito longos.

 

2. As alterações climáticas são um problema à “escala global” e por isso deveremos introduzir ou reintroduzir práticas ajustadas de forma a minimizar o seu efeito (imediato e a médio-longo prazo). Na RCV temos efetuado um conjunto de práticas que visam o desenvolvimento de sinergias entre dois aspetos complementares das alterações climáticas: mitigação e adaptação.

Na mitigação, o objetivo passa pela redução de emissões e promoção do sequestro de carbono através de: práticas mais sustentáveis que visam a redução de utilização de pesticidas (ex. confusão sexual contra traça-da-uva); fomento da biodiversidade funcional nas quintas; mobilização do solo mínima; fomento do enrelvamento (coberto vegetal da vinha); gestão de resíduos mais eficiente; e utilização de caulino (protetor solar contra radiação solar).

O enrelvamento surge numa dinâmica de diminuir o uso de pesticidas mas também para promover a vida microbiana do solo. Além disso, e no que se refere às alterações climatéricas, é importante referir que esta prática tem um efeito muito positivo, pois o enrelvamento apresenta-se como o melhor protetor do solo quanto à erosão provocada pelas intensas chuvas em períodos curtos (como temos sentido nos últimos anos). Sabemos que os melhores solos estão no leito dos rios resultado da permanente erosão provocada pelas intensas chuvas. A viticultura do Douro é praticada maioritariamente em solos muito inclinados e com um défice de elementos finos e matéria orgânica. Assim sendo, o enrelvamento promove a sua proteção e preservando os agregados e a matéria orgânica (melhora a estrutura). Quando nos deparamos com verões quentes e secos, esta prática (enrelvamento) promove um certo conforto radicular das videiras acautelando razoáveis produções.

Relativamente à adaptação o objectivo é o desenvolvimento de resistências às novas condições climáticas. Dentro destas medidas encontramos a gestão hídrica da vinha (rega deficitária) e a utilização de castas autóctones, melhor adaptadas aos cenários futuros das alterações climáticas.

Sobre a gestão hídrica da videira, a instalação de um sistema de rega gota a gota nas novas plantações é uma ferramenta indispensável para que possamos garantir o sucesso de pegamento próximo dos 100% e incutir algum desenvolvimento logo no ano de plantação. É extremamente cara a instalação de um hectare de vinha nas nossas condições. Se contabilizarmos a reconstrução de muros, surriba e armação do terreno, drenagem, plantação, aramação e operações culturais nos primeiros 2- 3 anos, poderemos obter um valor superior a 75.000 euros/hectare em algumas situações. É um custo muito elevado. O sistema de rega gota a gota poderá representar neste contexto menos de 5% do custo e garante um sucesso de pegamento, uma uniformidade de desenvolvimento das jovens plantas e entrada em produção mais cedo.

A questão é se um sistema de rega gota a gota é uma ferramenta importante face às alterações climáticas, nomeadamente aos períodos longos de seca e de elevadas temperaturas?!! A resposta é sim. Não esquecer que as vinhas do Douro sempre foram regadas no ano da plantação, só que de uma forma manual que era e é muito dispendiosa e pouco eficiente. As jovens plantas necessitam de água nos primeiros anos de vida para que o sistema radicular se instale e ganhe alguma autonomia. Portanto, a instalação de um sistema de rega gota a gota é mais eficiente.

Sobre o aspeto da utilização de castas autóctones, temos verificado que são estas as castas que melhor resistem ao excesso de temperatura e ‘deficit’ de água no período de maturação. A Região do Douro é por excelência uma Região de referência no que respeita à diversidade de castas. São conhecidas mais de 120 castas autóctones. A questão é, de onde vem esta riqueza? Quais os fatores conhecidos que levaram a esta enorme diversidade de castas? A resposta a esta questão será talvez a forma mais simples de justificar que o uso destas plantas será a forma mais eficiente de resistir e ultrapassar os excessos que atualmente o clima nos imprime.

A enorme diversidade de castas na nossa região surge numa complexa conjugação de fatores naturais (biológicos, climatéricos e geográficos) e humanos. Evidentemente que na origem está a domesticação da ‘Vitis sylvestris’ (comum a muitas regiões do mundo) sendo a Península Ibérica considerada um centro de domesticação de videira, pois muitas das nossas castas só são compatíveis com uma evolução local de ‘Vitis sylvestris’ ibéricas. Depois foram cruzamentos naturais entre as diferentes variedades e mais recentemente cruzamentos promovidos pelo próprio homem. Durante este processo (que duraria milhares de anos) e fruto de pressões climatéricas e geográficas ocorreram muitas mutações nessas variedades originando outras muitas variedades mais bem adaptadas às novas realidades ambientais (clima e solo) que iam surgindo e sendo selecionadas. Sabemos por isso que o Douro e Trás-os-Montes foi um território que pela sua história geológica e climatérica e pela sua cartografia (território em encosta/montanha) se apresenta com uma enorme variedade de videiras. A maior parte delas, é resultado desta dinâmica de adaptação às condições ambientais e por isso, intrinsecamente estas castas processam um metabolismo (maturação, evapotranspiração, fotossíntese…etc.) altamente eficiente neste território e nestas condições de “extremos”.

A grande diversidade é reflexo da antiguidade da cultura na região, tendo desta forma tido oportunidade e tempo para se “transformar”, ou seja, naturalmente ter acumulado alterações/mutações que localmente lhe permitem uma maior robustez e adaptação às condições da região.

Na Real Companhia Velha, temos efetuado a conservação das castas autóctones quer ao nível da manutenção das vinhas velhas quer nas novas plantações em que temos privilegiado a utilização de tais variedades.

O trabalho notável efetuado pela empresa traduz-se no lançamento de vinhos disponíveis no mercado – Samarrinho, Donzelinho Branco, Tinta Francisca, Cornifesto, Malvasia Preta, entre outros – com assinalável êxito quer na gama experimental (Series) quer na gama comercial das quintas (Carvalhas, Aciprestes, Cidrô, Síbio).

 

 

António Maria Soares Franco, Administrador da José Maria da Fonseca (marketing e vendas)

1. Sendo a produção de vinhos totalmente dependente da atividade de viticultura e sendo esta uma atividade agrícola, as alterações climáticas inevitavelmente têm um impacto na produção de vinho.

2. As empresas têm que se adaptar às alterações climáticas e adotar estratégias como planos de redução do consumo de água, a utilização de diferentes tipos de castas e/ou diferentes clones mais adaptados, o plantio das vinhas de formas diferente, diferentes tipos de poda bem como uma alteração da cultura da própria empresa que tem que estar adaptada a esta nova realidade. Em paralelo, também devemos não só reagir às alterações climáticas, como também contribuir para o combate às mesmas, com planos de redução da pegada de carbono, redução de consumo de energia, produção de energia limpa, fomento da biodiversidade nas vinhas e utilização exclusiva de produtos “amigos do ambiente”, utilização de novos tipos de garrafa e embalagem mais leves, entre outras ações que contribuam para a sustentabilidade ambiental.

 

 

Luís Patrão, Enólogo da Herdade dos Coelheiros

1. Sim. As alterações climáticas são cada vez mais evidentes na região do Alentejo e abrangem um conjunto de fenómenos, dos quais se destacam a ocorrência de ondas de calor mais frequentes com picos de temperatura a baterem recordes ano após ano, originando períodos mais longos de seca severa/extrema e a chuva com uma distribuição cada vez mais atípica. A principal consequência ao nível da produção de vinhos destes fenómenos tem sido a nível quantitativo. Em 2018, a onda de calor no início de agosto, em que as temperaturas atingiram os 43ºC, provocou uma perda de produção de cerca de 30%. Em 2019, as perdas estimam-se em cerca de 15 a 20% devido à falta de chuva.

2. Na Herdade de Coelheiros, este tema assume extrema importância e a nossa estratégia passa fundamentalmente pela adaptação. Coelheiros é historicamente uma propriedade associada a castas internacionais como o Cabernet Sauvignon e Chardonnay. Em 2016, definimos um plano de restruturação de vinhas em que o foco passou a ser as castas autóctones que apresentam as melhores características de resistência à falta de água e ao ‘stress’ térmico. A gestão de solos também mudou radicalmente. Tradicionalmente, eram realizadas mobilizações que permitiam muita evaporação de água e a subida da temperatura do solo. Atualmente, não fazemos mobilizações e promovemos os enrelvamentos espontâneos que nos ajudam a melhorar as retenções de água e a redução da temperatura solo, conferindo mais conforto à videira. Outra modificação importante que fizemos foi abandonar a viticultura convencional e iniciar a conversão para agricultura biológica, promovendo a resiliência da videira.

 

 

Luís de Castro, Presidente da CVR Tejo

O tema ‘Alterações Climáticas’ e a sua influência nas produções agrícolas está na ordem do dia. Felizmente, na região dos Vinhos do Tejo, não têm um impacto tão acentuado, devido à proximidade do rio Tejo.

Na última meia dúzia de anos têm existido fenómenos ou realidades que nos alertam, como: secas prolongadas, picos de temperaturas muito elevadas, meses com temperaturas anormais, fenómenos pontuais e localizados de escaldão – recordemos o ano de 2017.

Mas isto não quer dizer que o padrão de clima que caracteriza a região – temperaturas médias de 15 a 16,5 graus e 750 mm de precipitação anual – se tenha alterado.

Convém também informar que as vinhas se situam em três ‘terroirs’ com características edáficas e de relevo, diferentes entre si.

Somos atravessados pelo rio Tejo, um dos maiores rios da Península Ibérica, criando um microclima específico nos vinhedos situados nas suas margens (Lezíria ou Campo), bem como a influência positiva na fertilidade do solo.
A norte do rio Tejo (no Bairro), os solos conservam bem a humidade, a sua génese deriva dos calcários e a orografia do terreno permite, em alguns casos, evitar fenómenos atípicos ou pontuais de escaldão direto e atenuam temperaturas elevadas.

A sul e afastado das margens do Tejo, encontramos a Charneca, caracterizada por solos de baixa fertilidade. Este ‘terroir’ pode, no futuro, sofrer algumas alterações, mas acreditamos que ligeiras.

Somos uma região interior, mas com alguma influência marítima, na realidade estamos bem perto do mar.
E a água será um dos fatores com influência na mitigação dos riscos provocados pelas alterações climáticas.

Na região, a obtenção da água para regadio é feita a partir de furos artesianos, não constituindo entrave, até ao presente, atendendo que a cultura da vinha exige muito menos recursos hídricos, relativamente a uma cultura anual.
Apesar de se furar em maior profundidade na sua obtenção, não constitui, ainda, fator limitante à cultura.

Não podemos afirmar que já se notam alterações nas uvas produzidas e no perfil dos vinhos da região, mas deixo para reflexão a seguinte ideia: em anos de maiores temperaturas e de seca moderada a incidência de determinadas pragas e doenças é menor, de uma maneira geral as produções são inferiores, mas como a cultura da vinha é uma atividade muito específica, não sendo linear que influencie negativamente a qualidade das uvas e dos vinhos, bem pelo contrário. Como em tudo as dinâmicas de alteração do estado das coisas, podem até, em algumas situações trazer benefícios.

 

 

Adrian Bridge, CEO da Fladgate Partnership

As alterações climáticas têm, sobretudo, vindo a provocar grande instabilidade e imprevisibilidade climáticas. No Douro, que é a região onde operamos, temos assistido a uma maior frequência de fenómenos de granizo, o que não era comum na nossa região. Para combater as alterações climáticas a nossa primeira preocupação é minimizar o impacto do nosso negócio no meio ambiente. Somos uma empresa familiar desde 1692 e por isso muito preocupada com a conservação do meio ambiente para as gerações futuras.

Desde 2002, altura em que apresentámos o ‘Novo Modelo de Vinha para a Região do Douro’, vencedor do prémio ‘BES Biodiversidade em 2009’, que adotamos métodos e técnicas sustentáveis em termos ambientais. Este novo modelo de vinha integra uma série de técnicas e estratégias que permitem criar um ambiente equilibrado, diversificado e sustentável nas vinhas e no seu ecossistema, ao mesmo tempo que garantem a qualidade do vinho do Porto produzido pelas videiras.

No novo modelo, a arquitetura do terreno é tal que protege o solo da erosão, sendo este coberto com ervas espontâneas e por isso em equilíbrio com a vinha, tendo uma função crucial aquando das chuvas torrenciais. Ausência de utilização de herbicidas de acção residual, sendo que nas vinhas de patamares ‘laser’ estreitos há uma redução de utilização de herbicidas de contacto em 68%. Neste modelo, a escolha e a distribuição das castas no terreno é feita em função das suas características. Privilegia-se uma maior densidade de plantação. Há ausência de rega na vinha e conservam-se as matas e faz-se plantação de oliveiras em bordadura, tal como era tradicional.

A nossa empresa, por estar focada na produção de Vinho do Porto, não recorre ao artifício da rega e consideramos que esta prática – cada vez mais em voga e recentemente autorizada no Douro – está totalmente em contraponto com a crescente escassez de água e apenas permite, no imediato, a existência de vinha em locais onde nunca houve vinha e aumentos de produção para benefício de alguns à custa de um bem cada vez mais escasso, que é de todos.

Adicionalmente, para combater as alterações climáticas, o nosso grupo conseguiu avanços no campo da energia renovável, com produção estimada de 756.700 Kwh e uma redução das emissões de CO2 de cerca de 728.000 kg/ano. Desde 2014 – ano de implementação dos painéis – que a produção de energia através da energia solar fotovoltaica tem vindo a aumentar em cerca de 37%, demonstrando o potencial deste tipo de investimento.

Desde 2017, com a instalação do ‘Cleaning in Place’, equipamento que permite organizar a lavagem e desinfeção das enchedoras e todas as tubagens de vinho utilizadas nas nossas linhas de engarrafamento, conseguimos poupanças de 80% na utilização de detergentes; diminuição dos consumos de água na ordem dos 4.200 litros diários e elevada diminuição do consumo energético associado às operações de lavagem. Além disso, elevámos o patamar de qualidade e lavagem para o padrão internacionalmente aceite.

Finalmente, em 2018, promovemos o cálculo da Pegada de Carbono associada ao vinho mais representativo, o ‘Taylor’s Late Bottled Vintage’, nas várias fases da cadeia de valor: agrícola, enológica e transporte. As conclusões do estudo revelaram-nos várias oportunidades de melhoria para a gestão e monitorização das emissões, bem como sugestões de ‘ecodesign’ nas opções de embalamento.

Além disso, liderámos a preocupação com as alterações climáticas, promovendo as iniciativas ‘Climate Change Leadership e Solutions For The Wine Industry’ e ainda ‘The Porto Protocol’, que visam a partilha de ideias, experiências, e resultados nos combate às alterações climáticas.

 

 

 

António Graça, Diretor de I&D da Sogrape

1. As alterações climáticas que se manifestam pela desregulação dos padrões do clima – por exemplo, invernos demasiado quentes ou verões muito chuvosos – têm afetado principalmente a evolução tradicional do ciclo da videira – da rebentação na Primavera à maturação no Verão – com consequências para a qualidade das uvas na vindima e, naturalmente, dos vinhos que com elas se produzem. Esta situação trouxe evidentes desafios no que toca a manter a identidade regional e os elevados padrões de qualidade dos nossos vinhos, o que por si tornou evidente a inevitabilidade de investir na adaptação à nova realidade.

2. O novo paradigma climático é estudado pela Sogrape há mais de dez anos e levou-a a identificar, já em 2014, as alterações climáticas como uma das cinco principais ameaças estratégicas ao negócio da empresa. O grande investimento em Investigação & Desenvolvimento realizado pela empresa nos últimos 20 anos tem permitido enfrentar com confiança este novo paradigma mantendo a produção, da vinha até à garrafa, com os exigentes padrões de qualidade que nos movem. Conhecer para antecipar tem sido o foco da nossa estratégia para fazer face a estes desafios, que serão seguramente cada vez mais exigentes. Criamos a primeira rede nacional privada de estações meteorológicas em vinhas, que nos têm permitido antecipar melhor o planeamento da nossa atividade vitícola e integrar medidas de adaptação às novas circunstâncias. Outros projetos visam aumentar a resiliência dos sistemas de produção (como o movimento pioneiro para a conservação da diversidade dos recursos genéticos da videira – PORVID – ou o aumento da eficiência no uso de água em processos vitícolas e industriais) e, enquanto ‘player’ de referência do setor vitivinícola, temos realizado um forte investimento na monitorização dos processos de enologia e viticultura, desenvolvendo e testando novos sensores e sistemas de controlo. Um trabalho feito também através de colaborações com instituições, associações, universidades e empresas, portuguesas e internacionais, como acontece com os projetos PRECIDIF, i-GRAPE ou MED-GOLD, dos quais estamos a extrair ensinamentos críticos. Acima de tudo, procuramos trabalhar colaborativamente, pois este é um desafio ao qual apenas podemos responder com sucesso através de uma movimentação conjunta de todo o setor.

 

 

Pedro Baptista, Membro do Conselho Executivo da Fundação Eugénio de Almeida

1. As alterações climatéricas, à semelhança de outros factos que possam influenciar as atividades, têm, naturalmente, impacto na produção. No caso da produção de vinhos, as alterações climatéricas que temos vivido nos últimos anos, obrigam-nos a repensar a cada momento a forma de actuar de forma a que os impactos negativos sejam desprezíveis.

2. A FEA tem tentado diminuir os efeitos das alterações climatéricas monitorizando as suas culturas, nomeadamente no que respeita às necessidades hídricas, de forma a poder compensar as faltas de forma adequada, permitindo às plantas completarem o seu ciclo produtivo e adequada maturação das uvas em excelentes condições. A constante procura de melhores equilíbrios entre a área folear e a capacidade de resposta das plantas e dos solos, também são utilizados de forma a melhor responder às adversidades climatéricas. A transformação dos sistemas de agricultura “tradicional” em sistemas de agricultura de conservação e agricultura biológica, têm também constituído uma excelente resposta às alterações climatéricas, pois permitem às plantas evoluir no sentido de um equilíbrio natural com o meio envolvente, estando por isso menos sujeitas aos impactos de qualquer alteração.

 

 

Henrique Soares, Presidente da Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal

1. Sem estudos sistemáticos, quantitativos e de longa duração é difícil ser perentório nesta questão, não negamos, contudo, que as alterações existem e basta focarmo-nos em algumas mudanças dos últimos 50 anos: antecipação da data de vindima (mais de um mês), ligeira diminuição total e concentração da pluviosidade em menos meses, aumento da temperatura média e dos fenómenos de escaldão e sua severidade. Todas estas alterações têm tido algum impacto na produção, nem sempre negativo, pese embora algumas alterações ao nível da viticultura as tenham ao mesmo tempo potenciado e mitigado.

2. Alterando algumas práticas vitícolas, procurando introduzir ou aumentar a área de castas melhor adaptadas à secura e ao calor, antecipando a data de vindima. A mais importante medida carece, contudo, de apoio público: precisamos de criar capacidade de armazenar a água da chuva, a região é muito rica em recursos hídricos no subsolo, mas a médio/longo prazo pode ser decisivo para a continuação da agricultura e da viticultura na região, ganhar esta capacidade de armazenamento.

 

 

Bernardo Cabral, Enólogo Consultor da Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico

1. Sim.

2. Nos últimos anos, temos vindo a verificar eventos climatéricos mais extremos como tempestades fora da sua época, chuvas persistentes como não há memória (verão 2019), ou mesmo anos secos também como não há registo (2018). Tem sido fundamental a utilização de instrumentos de previsão meteorológica cada vez mais rigorosos que permitam reagir (dentro do possível) em operações vitícolas minimizando os danos. O contacto próximo com todos os viticultores e envio de alertas tem sido um serviço que a CVIP presta. Por outro lado, o aumento de área plantada com castas indígenas, mais resistentes, bem como novas plantações em diferentes zonas da ilha têm garantido um padrão de qualidade estável e muito elevado.

 

 

Pedro Barbosa, Diretor de viticultura da Aveleda

1. Até ao momento, ainda não sentimos os efeitos de alterações climáticas diretamente nas nossas produções quer de forma qualitativa como de forma quantitativa. Contudo, é percetível que o efeito destas alterações está a ocorrer sob a forma de fenómenos extremos (ondas de calor, queda de granizo fora de época, trombas de água etc). Nos últimos anos, têm acontecido com maior frequência, o que é claramente um aspeto preocupante para o setor vitivinícola.

 

2. Atendendo ao facto de que as alterações mais preocupantes estarão relacionadas com a gestão da água e com fenómenos térmicos, nomeadamente períodos de seca prolongada e ondas de calor, estamos a trabalhar as vinhas para serem mais resistentes a estes dois efeitos.

Nas vinhas adultas, temos dado prioridade a trabalhos de solo por forma a promover um enraizamento em profundidade, pois acreditamos que será uma forma de mitigar este efeito. Estamos também a testar formas de minimizar o efeito da radiação UV [ultravioleta] elevada e continuada nas videiras, uma vez que, nem sempre podemos escolher a melhor orientação solar para as vinhas. Estes ensaios assentam em aplicação de caulino antes destes períodos extremos por forma a aumentar a reflexão da radiação UV e diminuir a temperatura do copado.

Estamos a iniciar também ensaios de sombreamento artificial da vinha, nomeadamente no Douro Superior. Estas práticas têm tanto mais efeito, quanto mais equilibrada estiver a vinha em particular no seu sistema radicular.

Também no Douro, nas vinhas novas, voltamos a plantar porta-enxertos por oposição a enxertos-prontos, por forma a promover um primeiro ano pré enxertia de puro enraizamento. Mais uma vez, trabalhando “aquilo que não se vê”, que é o sistema radicular, e tentamos trabalhar as parcelas ou micro parcelas com as orientações solares menos sensíveis a fenómenos de calor extremo. Nas outras regiões onde a Aveleda está presente, Vinhos Verdes, Bairrada e Algarve, estamos a ajustar o porta-enxertos ao local, bem como a escolha das castas, tendo em conta que estamos a plantar vinhas para algumas dezenas de anos, onde os efeitos de alteração climática poderão estar mais evidentes.

 

 

 

Leonor Freitas, Sócia gerente da Casa Ermelinda Freitas

É um facto que nas últimas décadas tem havido algumas alterações climatéricas, no entanto a mesma não tem afetado a nossa região, nem a qualidade dos vinhos da Península de Setúbal. O que se tem verificado é uma antecipação no tempo das colheitas o que por muito contrassenso que tenha no que é tomado por normal, temos tido grandes benefícios pois o que afeta a qualidade dos vinhos na nossa região, são as chuvas durante a vindima e a esta antecipação acabamos por fugir, evitando as mesmas, permitindo assim garantir vinhos de topo. Não podemos esquecer que estamos entre dois rios, o Sado e o Tejo, e que somos uma zona privilegiada em termos de um produto tão qualificado como é a água.

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