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Portugal em 2045: Tudo ligado, economia verde (também de raiva), estrelas em Belém e cabelos brancos em São Bento

O Jornal Económico associa-se às celebrações do 25.º aniversário do Sapo com um exercício de ficção sobre o que poderemos esperar daqui a 25 anos. Qualquer semelhança com a realidade só poderá ser comprovada quando chegarmos a 2045.
4 Setembro 2020, 07h00

Chegados a Setembro de 2045, com o mês a recuperar a maiúscula após Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Luxemburgo reconhecerem que o Acordo Ortográfico foi o tipo de piada que envelheceu pior do que nasceu, 500 milhões de habituais falantes e ocasionais escrevedores de língua portuguesa não saem de casa sem consultar o boletim nefológico, ficando a saber o nível da cobertura da nuvem que lhes permite estar em permanente contacto com tudo e ligados a todos, seja através dos arcaicos dispositivos físicos, dos interfaces holográficos ou mesmo dos implantes cerebrais.

Estando todo o conhecimento do mundo à distância dos dedos, de um piscar de olhos ou de um pensamento fugaz, afigura-se particularmente irónico que grande parte do consumo desse manancial de informação diga respeito a polémicas relacionadas com jogos de futebol – ainda que os sensores instalados no equipamento dos jogadores permitam, em tese, que os videoárbitros robóticos avaliem com precisão absoluta se o encosto do defesa adversário foi ou não suficiente para justificar a marcação da grande penalidade -, mexericos acerca dos desconhecidos que são sorteados enquanto celebridades da semana ou conteúdos que a prudência não permite descrever numa publicação lida por pessoas impressionáveis.

Mais irónico do que isso só o facto de Portugal ter encontrado, após mais de meio século de tentativas infrutíferas, petróleo na costa atlântica em meados deste ano, minutos depois de entrar em vigor a proibição mundial de extrair combustíveis fósseis em novas jazidas. Em curso está a batalha legal na qual se argumenta que o fuso horário de Tóquio, onde o acordo fora assinado dois anos antes, leva a que Portugal ainda estivesse na véspera da data-limite aquando da descoberta. Mas pouco importará, tendo em conta a eletrificação em massa do parque automóvel em curso nas últimas décadas, as restrições à circulação das viaturas mais poluentes e a carga fiscal galopante que incide sobre os “resistentes” que insistem na gasolina e gasóleo, já para não falar no impacto mortífero que as cápsulas de teletransporte tiveram nas transportadoras aéreas, reconvertendo quase todos os aeroportos em centros de rematerialização de pessoas e bens.

Quanto à população portuguesa, cada vez mais envelhecida apesar das políticas de recrutamento de imigrantes, retocadas ao sabor dos governos que sobem ao poder, os avanços na saúde e na nutrição fazem com que se viva até cada vez mais tarde, transformando os centenários num nicho de mercado cada vez importante, apesar do impacto que a sua presença continua a ter na segurança social, com as pensões mais elevadas a sofrerem cortes supostamente temporários mas que ninguém acredita ser possível repor.

Não será por acaso que, depois de sucessivos governos liderados por populistas, bloquistas, liberais, conservadores e animalistas – apesar de não ter chegado ao poder nestas décadas pós-pandémicas, o PCP mantém o estatuto de único partido comunista europeu, preparando-se para voltar a festejar a Festa do Avante na Quinta da Atalaia –, o “eleitorado de cabelo branco”, como é chamado pelos algoritmos falantes que se ocupam das análises políticas, entendeu por bem voltar a colocar o PSD e o PS como partidos mais votados. E é por isso que Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, veteranos de uma década de coabitação, assinaram um acordo em que o líder social-democrata, prestes a celebrar o 98.º aniversário, será (finalmente) primeiro-ministro nos primeiros dois anos de legislatura, trocando com o vice-primeiro-ministro socialista, temperado pelos seus 84 anos, na segunda metade do mandato.

Ainda que o atual primeiro-ministro informe regularmente os portugueses que só continuará em funções enquanto tiver aval da terceira geração de médicos que o acompanha no poder, muito serena se afigura a coabitação com o próximo Presidente da República. Depois dos dois mandatos de Cristina Ferreira, ex-apresentadora de televisão, meio de comunicação social ainda muito popular na década de 2020 e no início da década de 2030, o multimilionário Cristiano Ronaldo Aveiro, maior estrela de sempre do futebol nacional, vai a caminho do Palácio de Belém, com mais de 70% de intenções de voto e, apesar de se ter apresentado enquanto independente numa entrevista ao Jornal Económico, obteve uma inesperada garantia de apoio dos líderes do PSD e do PS quando visitava as instalações do Sapo.

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