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“Seguradoras nacionais prejudicadas com nova regulação”

Os operadores nacionais de seguros de crédito poderão vir a ser prejudicados perante operadores estrangeiros caso a futura regulação vá além do que se encontra legislado a nível europeu, afirma Celeste Hagatong, presidente do conselho de administração da Cosec.
26 Fevereiro 2022, 20h00

As exigências regulatórias estão a aumentar e serão tanto mais penalizadoras quanto menor for a dimensão da empresa, afirma Celeste Hagatong. Afirma ainda a propósito dos apoios públicos ao sector não ser relevante a manutenção de apoios públicos às empresas para acederem aos seguros de créditos.

Como está o mercado de seguros de crédito em geral a responder ao crescimento da economia?
Depois de um ano marcado por um conjunto de fatores com influência menos positiva na atividade de seguro de créditos – e em que o mercado em Portugal contraiu cerca de 7% –, acreditamos que 2022 registará uma evolução positiva, no contexto do crescimento das economias para níveis de pré-pandemia.

As perspetivas atuais apontam nesse sentido. De acordo com a Euler Hermes, um dos acionistas da Cosec, a economia portuguesa deverá crescer 5,1% em 2022, um ponto percentual acima do desempenho estimado para a média da Zona Euro. Espera-se também uma normalização das trocas comerciais, estimando-se que o comércio global cresça 5,4% este ano e 4% em 2023. O Banco de Portugal projeta um crescimento mais otimista, de 5,8% para 2022, mas antecipa um ritmo mais moderado para 2023 (3,1%).

A atividade do nosso sector deverá, assim, ser impulsionada pelas necessidades das empresas de segurarem o crescimento das suas vendas, quer no mercado interno, quer no mercado externo.

Para evidenciar esta realidade, gostaria de referir que, em 2021, a Cosec assumiu um maior apetite de risco de crédito e iniciou um crescimento gradual e contínuo da cobertura de vendas dos clientes, com vista a apoiá-los no crescimento seguro dos seus negócios. De facto, já em finais de 2021 foram atingidos máximos históricos de cobertura de riscos pela companhia, mesmo acima dos que se verificavam antes da pandemia. Assim, a dinâmica da Cosec tem vindo a acompanhar os esforços de retoma das empresas.

O que é expetável acontecer ao sector com o incremento da inflação e a subida das taxas de juro?
Têm sido evidentes sinais de que os estrangulamentos de oferta começam a impactar os preços ao consumidor e a atividade económica nacional, com destaque para a indústria transformadora.

A insuficiência de matérias-primas e/ou equipamento na indústria, que nos anos passados era um obstáculo pouco referido, é agora um dos principais obstáculos à produção. A falta de matérias-primas, as dificuldades logísticas e o encarecimento da energia refletem-se no agravamento dos preços da produção industrial, que aceleraram para níveis máximos históricos, refletindo-se paulatinamente no preço de venda do produto final.

A subida generalizada de preços, e consequente impacto no aumento das taxas de juro, afetará de forma negativa a liquidez das empresas, que sentirão a sua tesouraria mais pressionada se não forem capazes de refletir este novo enquadramento nos preços praticados, e poderão começar a ter dificuldades no pagamento dos seus compromissos. Neste contexto de aumento do risco de crédito, coberto pelos nossos produtos, o seguro de créditos é uma solução evidente para acautelar os recebimentos das vendas e mitigar esse aumento de risco.

Adicionalmente, a subida de preços reflete-se nos volumes das transações cobertas, na medida em que, para vender quantidades equivalentes a preços mais elevados, os segurados necessitam de limites de crédito maiores. Espera-se, assim, a continuação do crescimento das necessidades dos segurados, que a COSEC está a acompanhar com rigor e critério.

Que balanço faz da atividade da Cosec em 2021?
Apesar de ter sido um ano com um enquadramento adverso, do ponto de vista comercial, as equipas da Cosec fizeram um trabalho extraordinário: mantiveram o foco na melhoria do serviço prestado aos clientes, foi diversificada a linha de produtos e foram disponibilizadas soluções que apoiam as empresas no contexto da crise vivida. A partir de fevereiro de 2021, a Cosec assumiu um maior apetite de risco de crédito e iniciou um crescimento gradual e contínuo da sua exposição, atingindo, como já referi, em dezembro de 2021, valores superiores aos registados antes da pandemia. Este movimento foi aliado a uma estratégia muito forte de proximidade ao mercado e aos nossos segurados.

Creio que um dos aspetos mais positivos foi o facto de a Cosec ter mantido a liderança destacada no mercado de seguro de créditos, com uma quota de mercado de 46%, assegurando também a liderança no mercado de Seguro-Caução, com uma quota de mercado de 43%.

Mesmo num contexto de reduzida perceção de risco de crédito – dado que se viveu e vive ainda uma diminuição sem precedentes da sinistralidade –, conseguimos captar um conjunto considerável de novos clientes, que viram na Cosec o melhor apoio para o desenvolvimento dos seus negócios. Também é de salientar a taxa de retenção de segurados que se manteve em níveis muito elevados. Orgulhamo-nos do elevado número de segurados que veem a Cosec como seu parceiro do presente e do futuro.

Destaco ainda que em 2021 mantiveram-se os instrumentos públicos de apoio aos Seguros de Créditos para mercados da OCDE que foram aprovados na sequência da crise da Covid-19. Ao contrário do que inicialmente estava previsto, estas Linhas de apoio mantiveram-se durante todo o ano de 2021, e foram renovadas até 31 de março 2022 apenas para operações de exportação.

Que serviços e produtos destaca?
Na área do seguro de créditos, lançámos o COSEC – Euler Hermes World Program, um produto dirigido a grandes empresas com atividade em duas ou mais geografias. Este produto permite a negociação e contratação de forma centralizada e à escala global dos seguros de créditos para todas as unidades do grupo, incluindo as unidades internacionais, garantindo uma gestão de risco próxima e descentralizada ao nível dos diversos países.

Em 2021, foi também o ano do lançamento das Coberturas Adicionais de Proteção (CAP), que têm como objetivo aumentar de forma fácil, flexível e transparente o nível de proteção do negócio dos segurados Cosec, maximizando a cobertura de riscos extremos. Este produto veio suprir uma lacuna nos apoios estatais, que não enquadravam algumas operações de risco elevado no mercado doméstico e de exportação.

Na área do seguro-caução, lançámos o COSECNET Caução, a plataforma online destinada a solicitar cotações, emitir apólices, tornando o processo de contratação e gestão deste tipo de Seguro ainda mais ágil. Permite também uma visão geral e completa das garantias e plafonds, bem como a gestão das garantias em vigor e solicitação de novas.

A simplicidade e celeridade da plataforma alavancaram a atratividade do produto no mercado e aportaram uma acrescida eficiência interna. Em seis meses de existência, a plataforma é já utilizada ativamente por 95% dos tomadores de seguro caução da Cosec e captou um número significativo de novos clientes.

A resposta da empresa via teletrabalho no período da pandemia foi ao encontro das necessidades dos clientes?
Sem dúvida. De resto, outro elemento relevante para diferenciação e sucesso da Cosec prende-se com uma estratégia comercial focada na centralidade e proximidade relativamente aos seus clientes. Em 2021, foram efetuadas mais de oito mil reuniões com os clientes, o que se traduziu num acréscimo de 9% face ao já recorde ano de 2020, onde já se tinha verificado um aumento de 57% relativamente a 2019. Tudo isto foi conseguido em modo de teletrabalho, em que a empresa se manteve praticamente durante todo o ano de 2020 e de 2021.

Os formatos digitais permitiram também a realização de muitas iniciativas de apoio aos clientes, reforçaram-se os eventos “A COSEC mais perto de si”, em que se realizaram mais de 200 reuniões para análise e debate de decisões de risco, o dobro das realizadas em 2020. Fizeram-se eventos temáticos, com peritos, sobre assuntos relevantes da atualidade, como foi o caso do webinar dedicado à evolução do sector energético, que contou com mais de 120 presenças e a colaboração de especialistas da Euler Hermes.

Qual a importância da digitalização na atividade da empresa e como encara a Cosec as ferramentas do marketing digital?
A Cosec continua a investir na digitalização dos seus produtos e serviços, mas também dos seus processos. Por exemplo, a plataforma COSECInfo, lançada em 2020, permite que a informação económico-financeira e o risco COSEC para o mercado nacional sejam partilhados com segurados e mediadores. Já é usada por mais de 40% do total de segurados, e é uma ferramenta fundamental no seu desenvolvimento de negócio. Outro exemplo, referente ao último ano, é o novo CRM, que implementámos e que é uma ferramenta fundamental para a gestão e acompanhamento da atividade comercial. Esta plataforma tem já um módulo de marketing digital, que desempenhará um papel crescente e muito importante na captação de novo negócio e gestão de clientes.

Quais as perspetivas para 2022?
Faz sentido manter os apoios públicos ao sector?
Gostaria de tornar claro que estes apoios públicos não foram concedidos ao sector segurador, mas sim às empresas que se viram confrontadas com a falta de resposta das seguradoras de créditos, em virtude do agravamento do risco decorrente da crise gerada pela pandemia. Em relação ao ano de 2022, as perspetivas de crescimento sustentado da atividade económica para valores pré-covid e o consequente maior apetite ao risco das seguradoras apontam para uma normalização da atividade do sector. Neste contexto, e a manter-se o cenário macroeconómico atual, considero que não será relevante a manutenção dos apoios públicos.

Estamos perante um aumento da regulação nesta indústria. Qual o impacto nas empresas maiores e qual o impacto nos pequenos seguradores e brokers?
Estamos, de facto, a atravessar um momento em que as exigências regulatórias estão a aumentar. Por um lado, as que decorrem da legislação europeia e nacional que enquadra a atividade seguradora, cuja complexidade e exigência é conhecida. Acrescem requisitos provenientes de outra legislação, com âmbito de aplicação mais alargado, não especialmente destinadas às empresas seguradoras, que têm também que ser considerados. Espera-se ainda que, neste ano de 2022, em que as companhias ultimam o ajustamento dos seus sistemas às normas da IFRS 17, sejam publicadas várias normas regulamentares aplicadas em matérias tão relevantes como o sistema de governo das empresas, ou a conduta de mercado.

As empresas de seguros estão, assim, confrontadas com a necessidade de afetar cada vez mais recursos, humanos e tecnológicos, para ser dada resposta a estas exigências, gerando custos significativos, o que é tanto mais penalizador quanto menor for a dimensão da empresa.

De acordo com os documentos disponibilizados em consulta pública, os normativos em preparação poderão, nalgumas matérias, ir mesmo além do que se encontra legislado ao nível europeu, criando para os operadores portugueses dificuldades acrescidas no confronto com operadores sujeitos a regimes legais e regulamentares menos exigentes.

Tal como estará já a ocorrer no que respeita aos mediadores, o enquadramento legal e regulamentar poderá impedir que os operadores de menor dimensão se mantenham no mercado como entidades jurídicas autónomas, levando a operações de concentração para ser atingida uma dimensão que permita comportar e gerir estes elevados encargos decorrentes de aspetos regulatórios.

Na qualidade de ECA qual o balanço que faz de 2021 e quais as perspetivas para 2022?
O ano de 2021 apresenta-se com um balanço positivo no que respeita à ECA (Agência de Crédito à Exportação – COSEC-SCGE), atividade que a Cosec desenvolve desde a sua criação, em 1969, sob mandato legal do Estado Português. É bom sublinhar que a atuação da ECA tem em vista colmatar as falhas de mercado decorrentes da falta de oferta por parte das seguradoras comerciais a atuarem em Portugal. Apesar dos problemas ainda verificados no último ano decorrentes da pandemia e dos atrasos na vacinação, em especial nos mercados emergentes, a procura por parte das empresas portuguesas de soluções de proteção de risco de crédito e de risco político oferecidas pelos seguros de créditos com garantia do Estado mostrou um grande dinamismo.

Na verdade, em 2021 registou-se um aumento de 25% nos montantes assumidos em contratações face a 2020, tendo sido ultrapassado em 1% o nível que se verificou antes da pandemia, em 2019. Esta evolução foi muito influenciada pelo crescimento dos seguros de crédito de curto prazo enquadrados na linha de seguros de créditos fora da OCDE, e também pelo aumento verificado nos seguros caução, com garantia do Estado, relacionados com obras e fornecimentos no exterior adjudicados a empresas portuguesas. Para 2022, a evolução antecipa-se para já positiva face ao pipeline de operações que a COSEC-SCGE tem em estudo e em perspetiva, sobretudo no âmbito de novas obras em África e na América do Sul em que empresas portuguesas se estão a candidatar, e também ao dinamismo que se sente já neste início do ano no que se refere à linha de seguros de crédito para fora da OCDE.

Como se comportaram os PALOP?
As coberturas com garantia do Estado na linha de seguros de créditos para fora da OCDE, para o conjunto dos PALOP, têm vindo a ser dirigidas sobretudo para exportações relacionadas com o sector alimentar. Embora Angola continue a ser um mercado de destaque, houve um decréscimo da sua importância no total das novas coberturas em 2021, e de forma genérica em todos os sectores de atividade para este país. Cabo Verde aumentou a sua relevância (mais 12% novas responsabilidades face a 2020), em resultado da cobertura de exportações de medicamentos e produtos farmacêuticos, que aumentou cerca de 40% neste mercado. O maior destaque em 2021 foi, sem dúvida, São Tomé e Príncipe. As novas garantias cresceram 124% face a 2020, tendo a exposição evoluído favoravelmente em todos os sectores de atividade, mas é o sector alimentar o maior impulsionador deste crescimento.

Quais são os mercados onde fará o enfoque este ano?
As perspetivas para 2022 no que respeita a produtos de médio e longo prazo e de seguro caução concentram-se em mercados da América Latina – Chile, Equador, Peru –, e em países africanos como a Costa do Marfim, Gana ou África do Sul. Do lado da linha de seguros de créditos para fora da OCDE, não se deve assistir a uma alteração significativa dos mercados procurados pelas empresas portuguesas, nem do tipo de bens cobertos por este produto, assim como quanto ao prazo médio de pagamentos destas operações.

A atividade de construção e obras públicas no exterior tem sido aproveitada por empresas nacionais. Esse facto resultou num aumento das operações de seguros de caução com garantia do Estado por parte da ECA?
Sem dúvida. O seguro caução com garantia do Estado português é um produto muito procurado pelas empresas nacionais de construção e obras públicas que desenvolvem obras no exterior, tendo permitido a entrada de algumas destas empresas em novos mercados, nomeadamente na América Latina, mas sobretudo a concretização de contratos que, sem este seguro, não teriam sido prosseguidos. Só em 2021, foram cobertos contratos que representaram 345 milhões de euros, tendo a exposição dos seguros de caução crescido 74% face aos valores assumidos em 2020.

Atualmente, a COSEC-SCGE gere, por conta do Estado português, uma carteira de Seguro Caução de 164 milhões de euros, que potenciaram contratos de construção e obras públicas no valor de 1,5 mil milhões de euros. Estas operações obrigam a uma monotorização permanente do risco por parte da COSEC-SCGE, sobretudo quanto à sua realização física e financeira das adjudicações, tendo em atenção que, na maior parte dos casos, estes contratos desenvolvem-se em mais de um exercício económico.

Na facilidade de curto prazo para países fora da OCDE, quais foram os países que se destacaram em termos de crescimento, e em que sectores de atividade?
Durante o ano de 2021, na facilidade de curto prazo, foram cobertas exportações para 75 mercados, destacando-se novas geografias como o Uganda, Benim, Arménia ou Libéria. Em termos de novas coberturas para mercados tradicionalmente cobertos nesta facilidade, há crescimentos expressivos a assinalar no Médio Oriente – Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Qatar – e na América do Sul – Uruguai e Peru. São Tomé e Príncipe foi também um mercado onde se registou um aumento relevante das coberturas face a 2020. Nos mercados do Médio Oriente, destacam-se as exportações de bens alimentares, enquanto os sectores do papel e produtos químicos foram determinantes para o crescimento dos mercados da América do Sul.

Em todo o caso, importa salientar que os mercados mais procurados ao abrigo desta facilidade mantêm-se inalterados face a 2020: Marrocos, Angola, Brasil, Cabo Verde e Moçambique, o que evidencia a importância deste instrumento no apoio às exportações para os países de expressão portuguesa.

As exportações potenciadas pelos seguros de crédito emitidos em 2021 ao abrigo da linha de seguros de créditos para fora da OCDE foram de 682,3 milhões de euros, cerca de mais 16% do que em 2020, ano em que se registou um crescimento muito significativo face a 2019 (mais 37%).

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