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Tecnológicas da saúde registam investimento recorde, mas falta formação para digitalizar mais hospitais

Estudo da Deloitte conclui que 80% dos profissionais de saúde diz que a sua clínica ou hospital aumentou a adoção de tecnologias em 2020, mas poucos receberam instruções sobre como utilizá-las.
31 Outubro 2021, 17h00

O investimento de capital de risco (venture capital) global em empresas tecnológicas ligadas ao sector da saúde (healthtech) quebrou todos os recordes no primeiro semestre de 2021, com 15 mil milhões de dólares (cerca de 13 mil milhões de euros) em financiamento a estes negócios, de acordo com um relatório do grupo de investigação norte-americano Mercom Capital. Apesar de os projetos científico-tecnológicos exigirem uma elevada quantidade de capital para arrancarem e se manterem, os investidores demonstram confiar que o futuro das clínicas, dos hospitais e mesmo das nossas casas virá com (muita) tecnologia.

“A indústria das tecnologias e dispositivos médicos é o sector mais inovador da saúde, quer em número de soluções, quer no seu rápido desenvolvimento, com ciclos de melhoria muito curtos. Os seus produtos melhoram e salvam vidas e permitem uma recuperação mais célere dos doentes, em simultâneo poupando recursos na gestão da sua doença e tornando-os mais produtivos, uma vez que beneficiam de uma maior autonomia e permitem uma melhor qualidade de vida dos doentes”, garante ao Jornal Económico (JE) o diretor geral da Medtronic Portugal, Luís Lopes Pereira. Para o líder desta empresa de serviços e soluções tecnológicas médicas, é igualmente importante assegurar a formação quer dos doentes, nomeadamente na utilização dos softwares de gestão de doenças como a diabetes, quer dos centros hospitalares que tenham sistemas de monitorização remota de doentes, tal como o que desenvolveram designado “MyCareLink” para os problemas cardíacos. “Se tivermos de fazer um balanço, podemos assumir que a pandemia veio acelerar o desenvolvimento e a adoção de soluções digitais na saúde permitindo melhorar a qualidade dos serviços e a sua eficiência”, conclui Luís Lopes Pereira.

O dinamismo do sector é notório pelas transações que ocorreram logo na primeira metade do ano, como a aquisição da Nuance pela Microsoft por 19,7 mil milhões de dólares (aproximadamente 17 mil milhões de euros) ou a compra da Therapy Brands pelo fundo KKR por 1,5 mil milhões (perto de 1,3 mil milhões de euros). Por cá, destacou-se a startup portuguesa Sword Health, que em junho fechou uma ronda de financiamento 72 milhões de euros liderada pela General Catalyst, investidora de empresas como o Airbnb, Stripe ou Snapchat.

O empreendedor português Eduardo Freire Rodrigues é outro dos rostos que se destaca neste meio por ter fundado a UpHill, uma empresa que cria conteúdos e desenvolve software de apoio aos profissionais de saúde. Recentemente, esta startup assinou uma parceria com a Direção-Geral da Saúde para otimizar e modernizar o processo de recolha de evidência científica e divulgação de normas clínicas. O cofundador e CEO acredita que é necessário haver mais acordos como estes entre as diversas entidades para que Portugal possa ter hospitais ainda mais digitais e eficazes. “O presente já é digital, mas a criação de soluções tecnológicas não é suficiente para uma saúde digital. É importante aproveitar a força motriz que a pandemia gerou para mudar o paradigma da prestação de cuidados, ouvir os profissionais de saúde e o cidadão e alterar processos. Em causa está uma oportunidade para promover a saúde, torná-la mais acessível, quebrar barreiras, nivelar assimetrias, reduzir gastos desnecessários e libertar as unidades de saúde para quem efetivamente precisa delas”, argumenta.

Em causa está a preocupação com as conclusões de estudos como o “Digital Transformation: Shaping the future of European healthcare”, elaborado pela consultora Deloitte em 2020. Dos sete países europeus analisados, Portugal encontra-se abaixo da média europeia na utilização de tecnologias 4.0 na saúde e quase metade dos profissionais do sector (47,3%) nunca recebeu formação interna relacionada com o digital. Eduardo Freire Rodrigues faz ainda referência ao think tankeHealth em Portugal: Visão 2020”, que advertiu para a inexistência de uma perspetiva comum a nível nacional que garanta o alinhamento de estratégias e cooperação no desenvolvimento e adoção de eHealth.

“No caso dos dispositivos IoT [Internet of Things – Internet das Coisas] falamos de vantagens relacionadas com a monitorização contínua dos doentes, facilidade em partilhar e aceder a dados de saúde, maior aposta na prevenção, entre outras. Uma das faces mais visíveis desta realidade são os wearables, cujas projeções globais apontam para uma taxa de crescimento anual de 20,5%, atingindo os 46,6 mil milhões de dólares em 2025. A realidade virtual está em ascensão e deve chegar aos 9,5 mil milhões de dólares em 2028. Além de ter provas dadas enquanto ferramenta de treino médico de alta-fidelidade, também foi utilizada para efeitos terapêuticos junto de pacientes com dor crónica”, detalha ao JE.

Segundo o estudo da Mercom Capital, na área de healthtech, as categorias que acabaram por ser mais bem financiadas nos primeiros seis meses do ano foram a telemedicina (4,2 mil milhões), o bem-estar (1,7 mi milhões), as aplicações móveis para controlo da saúde (1,6 mil milhões), analítica (1,5 mil milhões) e apoio à decisão clínica (1,1 mil milhões).

Filipa Fixe, membro executivo do conselho de administração da Glintt, considera “imperativo” adotar este tipo de soluções modernas, mas alerta para a necessidade de se atestar a segurança, uma vez que estas empresas e instituições guardam os dados mais sensíveis das pessoas: os da sua saúde. “Não nos podemos esquecer de que temos de crescer em dois vetores muito importantes: o Tecnológico, permitindo que os dispositivos IoT sejam uma realidade disponível para cada profissional de saúde e cada utente, e segurança. Os dispositivos IoT da saúde precisam de ser capazes de proteger os dados que transacionam, de forma a protegemos informação sensível de hackers. É fundamental que as instituições de saúde que iniciam o seu caminho na healthtech, tenham um sistema de segurança adequado a estes novos desafios”, avisa a administradora da tecnológica que opera há mais de 20 anos neste mercado.

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