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Programa do Governo vai incluir “pontes” de aproximação ao PS, Chega e IL

Programa deverá incluir “pontos de contacto” com os três maiores partidos da oposição que deverão ir além dos dossiers da Função Pública e da valorização salarial. Objetivo é abrir caminho a uma aproximação que permita encontrar soluções de governabilidade, sem desvirtuar o programa eleitoral da AD. Áreas de aproximação prioritárias só ficarão fechadas no Conselho de Ministros de hoje.
MANUEL FERNANDO ARAUJO/LUSA
10 Abril 2024, 07h30

O programa do governo liderado por Luís Montenegro, que é esta quarta-feira, 10 de abril, aprovado em Conselho de Ministros e entregue na Assembleia da República, vai incluir medidas de aproximação ao PS, Chega e Iniciativa Liberal (IL), mas que não desvirtuem o programa eleitoral que a Aliança Democrática (AD) levou a votos.

A proposta, que será debatida no Parlamento a 11 e 12 de abril, incluirá áreas convergentes com aqueles partidos da oposição, com o objetivo de construir “pontes de aproximação” que permitam encontrar soluções de governabilidade. O Jornal Económico (JE) sabe que, em causa, estão “pontos de contacto” que deverão ir além das “matérias sobre as quais existe um amplo consenso político e partidário”, já sinalizadas pelo líder dos socialistas para trabalhar em conjunto com o governo da AD, como é o caso dos dossiers da Função Pública e da valorização salarial dos profissionais de saúde, polícias, oficiais de justiça e professores.

Fontes governamentais avançaram ao JE que estas pontes de aproximação, que estão a ser identificadas nos programas eleitorais dos três maiores partidos da oposição, não deverão, no entanto, “desvirtuar” o programa eleitoral da AD. Dizem que a coordenação deste trabalho está a ser feita pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, com a receção dos contributos das várias áreas sectoriais dos ministérios.

As áreas prioritárias com vista às pontes de aproximação com o PS, Chega e IL, que poderão não surgir de forma explícita no documento que será aprovado, serão fechadas no Conselho de Ministros de hoje.

A estratégia do novo governo passa, assim, por reforçar o sinal dado à oposição pelo primeiro-ministro na tomada de posse: “Em particular o PS, que governou 22 dos últimos 28 anos, apesar da sua legitimidade para se afirmar como fiscalizador da ação governativa e em alternativa futura, deve ser claro e autêntico quanto à atitude que vai tomar. Ser oposição democrática ou ser bloqueio democrático”.

Na altura, ficou já o sinal de Luís Montenegro ao considerar que não rejeitar o programa de Governo no parlamento “não significa apenas permitir o início da ação governativa, significa permitir a sua execução até ao final do mandato ou, no limite, até uma moção de censura”. O secretário-geral socialista, Pedro Nuno Santos, acusou, por seu turno, o primeiro-ministro de “chantagem” e reiterou que o PS não está obrigado a “aprovar, sustentar e a viabilizar” o Governo.

Antes disso, a 19 de março, após uma audição com o presidente da República em Belém, Pedro Nuno Santos tinha-se manifestado disponível para viabilizar um Orçamento retificativo da AD limitado a “matérias de consenso”, referindo-se à valorização das grelhas salariais destes grupos profissionais da administração pública até ao início do verão.

O contra-ataque não se fez esperar e no início desta semana o líder do PS enviou uma carta a Montenegro, onde reiterou o “interesse” do partido “em trabalhar em conjunto com o Governo com o objetivo de construir um acordo que permita “encontrar soluções” para “matérias sobre as quais existe um amplo consenso político e partidário”. O secretário-geral socialista refere os dossiers da Função Pública, “em especial dos profissionais de saúde”, dos polícias, dos oficiais de justiça e dos professores. Matérias de convergência também à direita, dado que o Chega e a Iniciativa Liberal também defendem a valorização de carreiras e salários dos trabalhadores do Estado, desde logo dos profissionais de saúde, forças de segurança, oficiais de justiça e professores.

Para o líder dos socialistas, a disponibilidade do PS pressupõe uma negociação prévia com as organizações que representam os trabalhadores, tendo já o primeiro-ministro, em resposta à carta, saudado o “exercício de responsabilidade política e compromisso” do PS com o novo chefe de Governo a comprometer-se a agendar uma reunião de trabalho sobre a valorização de carreiras e salários na Administração Pública, mas avisou o secretário-geral dos socialistas que “o tempo e o modo de condução” dos processos negociais serão, “obviamente, definidos pelo Governo”.

Outras pontes com o PS

Resta agora saber que outros pontos de convergência com o PS, além da valorização da Administração Pública, o programa do Governo da AD poderá incluir, sendo certo, por exemplo, que há divergências em matérias fiscais e na área da saúde. Mas a divergência em matéria fiscal não é generalizada nem de fundo em algumas matérias. De fundo é a divergência que respeita à aposta que o país deve fazer para que seja possível obter um bom nível de crescimento económico nos próximos anos. Se a AD entende que tal caminho deve começar por um “choque fiscal”, o PS considerada que aposta deve ser feita num “choque laboral”, isto é, no aumento de salários. Estas visões estratégicas opostos não implicam, contudo, que não existam pontos de convergência entre a coligação e os socialistas sobre a necessidade de redução do IRS – ambos a defendem – ou de aumento dos salários – ambos o defendem. A divergência dá-se na prioridade que é colocada. O que os socialistas rejeitam de todo, para já, é a redução do IRC proposta pelo novo governo.

No que toca aos apoios à agricultura e em fazer desta área um sector estratégico, AD e PS têm também muitos pontos de convergência, bem como no combate à corrupção e na valorização da escola pública e no processo de recuperação de aprendizagens dos alunos afetados pela pandemia.

Ao nível dos salários, AD e PS têm pontos convergentes: ambos propõem aumentar o salário mínimo nacional, que atualmente é de 820 euros, para 1.000 euros até ao final da legislatura, em 2028, procedendo-se em simultâneo a um aumento do salário médio. A resolução do problema de escassez de água está também em todos os programas e pode ser outro ponto de contacto. Aliás, no discurso de tomada de posse, Luís Montenegro disse que esta questão ia ser uma das suas prioridades.

Em matéria de pensões, poderá existir terreno para uma aproximação: o PS promete o integral cumprimento da fórmula de atualização das pensões em todos os anos da legislatura, “sem prejuízo da valorização adicional nos grupos mais desfavorecidos.

Na Segurança Social, os socialistas comprometem-se a avaliar, com os parceiros sociais, “aperfeiçoamentos” no modelo de atualização das pensões, incluindo outras variáveis macroeconómicas, como a variação da massa salarial, para cálculo dos aumentos. E rejeitam “quaisquer tentativas de privatização, total ou parcial, do sistema de pensões” bem como de qualquer “exercício ou experiência de “plafonamento” de contribuições e pensões e que vão reforçar a sustentabilidade do sistema de pensões, apostando na diversificação de fontes de financiamento da segurança social.

Já a AD quer aumentar o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) para 820 euros em 2028, tendo como objetivo a equiparação ao valor do salário mínimo nacional, na legislatura seguinte.

Saúde e combate à corrupção aproximam PSD ao Chega

Na sequência da carta do líder do PS a Montenegro, o presidente do Chega, André Ventura, considerou nesta segunda-feira, 8 de abril, que o país terá um “governo de bloco central” de PSD e PS até setembro, que os portugueses irão julgar, e reiterou que vai continuar na oposição.

Ainda assim, Ventura reiterou que não deixará de aprovar “propostas que sejam positivas” e que não vai aprovar moção de rejeição apresentada pelo PCP.

Tal como o próprio líder do PS já assinalou, do ponto de vista programático, há mais semelhanças” entre programa da AD com Chega do que com PS. É o caso da área da saúde e o regresso das PPP, com o acesso à saúde contando com privado e social, sendo que a AD se compromete a apresentar um Plano de Emergência SNS 2024-2025, nos primeiros 60 dias do novo Governo. O Chega quer ainda consultas e cirurgias no setor privado ou social comparticipadas em caso de falha de prazos vinculativos. E o fim do cargo de diretor executivo do SNS.

A redução de impostos e o combate à corrupção são outros pontos de contacto, tendo este último sido uma das bandeiras que o Chega incluiu no programa eleitoral que levou a votos no dia 10 de março. A AD e o Chega levaram à campanha eleitoral muitas propostas que coincidem, em relação às quais o PS já manifestou repúdio, pelo que não será difícil que a coligação considere muitas das propostas de André Ventura.

Ao nível fiscal, tal como a AD, o Chega defende a redução dos impostos que recaem sobre as empresas e famílias, incluindo uma descida do IRC para 15%, à semelhança do defendido pela coligação, tal como a redução do IRS para os jovens com o Chega a defender a isenção de IRS para os jovens que entram no mercado de trabalho até perfazerem 100 mil euros de rendimento bruto e a AD a defender  uma taxa máxima de 15% no IRS até aos 35 anos, além da redução do IRS até ao 8.º escalão, através da redução de taxas marginais entre 0,5 e até 3 pontos percentuais face a 2023, com maior enfoque na classe média.

A AD defende ainda a isenção de IMT na compra da primeira habitação, tal como o Chega propõe esta medida como apoio aos jovens portugueses para compra de habitação própria e permanente.

Aumentar os rendimentos dos pensionistas e aumento do salário mínimo são outras das áreas convergentes ainda que com metodologias diferentes e timings diferentes.

O Chega propõe aumentar a pensão mínima para, numa primeira fase, igualar ao valor do IAS (509,26 euros em 2024) e posteriormente ao valor ao salário mínimo nacional (820 euros em 2024). Enquanto a AD está mais focada no reforço do valor de referência do CSI – prestação que complementa as pensões (de velhice, de sobrevivência ou de invalidez -para que em 2028 todos os reformados em situações de maior fragilidade tenham um valor de referência garantido de 820 euros.

No salário mínimo, o Chega propôs no seu programa eleitoral aumentar também para 1.000 euros, mas com um prazo mais curto do que a AD, já que o partido de André Ventura propõe a atingir este valor já em 2026.

Pontos de contacto com a IL

Os liberais querem uma “redução significativa” do IRS – à semelhança do que propõe a AD -, com um regime transitório de 15% e 28%, bem como a redução de IRC para 12% (o governo propõe para 15% de forma gradual).

AD e liberais aproximam-se no que toca à reforma da saúde, com a Iniciativa Liberal a ver também com bons olhos (o que é rejeitado pelos socialistas) o regresso às Parcerias Público Privadas, à semelhança do regime alemão, e que assegure um verdadeiro acesso ao serviço de saúde. Tal como a AD, que até criou o ministério da Saúde e da Modernização, tutelado por Margarida Balseiro Lopes, os liberais defendem que seja introduzida uma simplificação administrativa e uma diminuição do peso do Estado na economia, começando-se com a privatização da TAP (matéria ausente do programa eleitoral do PS).

AD e Liberais têm também propostas muito convergentes em matéria de Habitação, área onde PSD/CDS e PS se afastam. Os liberais defendem uma redução da tributação sobre os rendimentos prediais de arrendamento (14,5%) e sobre a construção (IVA de 6%).

Tal como a AD, a Iniciativa Liberal defende a reforma do sistema eleitoral, com a introdução de um círculo de compensação nacional. A reforma do sistema eleitoral pode, aliás, ser uma área em que AD encontro vários pontos de contacto tanto com o PS, como com o Chega e os liberais.

Reformar a Segurança Social com um terceiro pilar de capitalização, com um princípio de valorização da poupança individual é uma das propostas da IL. O partido de Rui Rocha defende a definição de um montante mínimo e de um teto máximo do pilar de transferência de rendimentos das pensões, com a introdução de um pilar de capitalização obrigatório e incentivo ao pilar de capitalização de contribuições voluntárias.

Governo tenta criar margem para aprovar orçamento

Em termos políticos, a disponibilidade de Luís Montenegro para apresentar ao Parlamento um programa que dê sinais de abertura aos três principais partidos da oposição tem a importância de o governo querer, desde já, abrir um caminho mais facilitado para o orçamento do Estado para 2025 (que nem o PS, nem o Chega se comprometem a aprovar).

Consciente de que o seu governo pode esbarrar no orçamento para o próximo ano (mesmo que o Presidente da República não dissolva a Assembleia da República), e enfrentar um ano em duodécimos, Luís Montenegro quer passar a mensagem que “está aberto” a fazer pontos, segundo reconheceu ao JE uma fonte da bancada social-democrata. E esse sinal de aproximação vai dar-se já na apresentação do programa de governo, como forma de abrir caminho para entendimentos que tornem “mais fácil” a negociação das contas do Estado para 2025.

Todos os ministros estão a enviar os seus contributos ao ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, encarregue de ultimar o programa do governo, e ao mesmo tempo estão a ser vistos à lupa os programas da IL, Chega e PS para se encontrarem pontos de convergência que possam ser acolhidos no documento.

O PCP vai apresentar uma moção de rejeição, que será votada na sexta-feira, dia 12 de abril, mas que tem já reprovação garantida, dado que o PS já disse que não votará a favor. Com a investidura parlamentar garantida, mais uma vez com o apoio dos socialistas, e depois de receber uma carta do líder da oposição a mostrar abertura para entendimentos, Luís Montenegro vai dar sinal dessa abertura no programa de governo, mas diz a mesma fonte da bancada parlamentar do PSD não será dada para já resposta ao PS sobre se o governo optará por um orçamento retificativo.

As Finanças estão ainda a analisar o desempenho orçamental e os custos das principais medidas que o governo quer meter no terreno o quanto antes e uma das teses mais fortes que corre no novo Executivo é que algumas delas poderão avançar já sem recurso ao Parlamento e a uma retificação do orçamento do Estado para 2024.

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