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Constitucional abre a porta ao fim da contribuição extraordinária sobre sector energético

Um acórdão histórico considerou ilegal a cobrança da CESE às concessionárias de gás natural, com efeitos desde 2018. Fiscalistas ouvidos pelo Jornal Económico dizem que entendimento pode ser aproveitado também pelas empresas do sector petrolífero e até elétrico.
4 Julho 2023, 07h30

Um acórdão recente do Tribunal Constitucional deu, pela primeira vez, razão às concessionárias de gás natural, reconhecendo que a cobrança da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) a essas empresas é ilegal. Os especialistas ouvidos pelo Jornal Económico sublinham que esse entendimento não apenas possibilita a recuperação por essas empresas dos valores pagos nos últimos anos, como também abre a porta a que outras energéticas (nomeadamente, do sector petrolífero) ganhem força na batalha contra o Fisco.

Criada pelo Orçamento do Estado para 2014, a CESE foi originalmente desenhada num contexto de crise económico-financeira “como um tributo aplicável extraordinariamente a algumas empresas do sector da energia, com incidência nos subsetores de eletricidade, gás natural e petróleo, cuja receita se pretendia consignada ao financiamento de mecanismos que promovessem a sustentabilidade sistémica do sector energético”, explica o escritório RFF Advogados.

A promessa inicial era de que este tributo seria transitório, mas ano após ano este tem sido renovado e a sua incidência, entretanto, até se  alargou, o que contraria as primeiras perspetivas, indicam os mesmos especialistas.

Mais, desde o início que esta medida encontrou resistência. A Galp Energia, por exemplo, sempre contestou a CESE, tendo mesmo recusado pagar este tributo.

Apesar das muitas e duras críticas, o Tribunal Constitucional vinha, contudo, julgando pela constitucionalidade as diversas normas do regime jurídico da CESE, até que em março deste ano um acórdão histórico veio dar razão às concessionárias de gás natural.

“O que o Tribunal Constitucional vem dizer de novo é que, a partir do momento em que, por lei, a receita obtida com a CESE passou a ser quase totalmente afeta à redução do défice tarifário, em detrimento do financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético e de medidas relacionadas com a eficiência energética de que as empresas que integram o subsector do gás natural possam, ainda que presumivelmente, extrair um especial benefício, deixou de haver relativamente a este subsector o sinalagma que caracteriza as contribuições financeiras”, explica José Pedroso de Melo, da Telles.

Por outras palavras, os juízes entendem que não sendo a CESE um imposto, mas uma contribuição especial, “as empresas do subsector do gás natural não têm de andar a financiar o Estado para pagar despesas de que não têm responsabilidade nenhuma e de que não retiram qualquer benefício”, salienta o mesmo fiscalista.

Com base neste entendimento, as empresas do sector do gás poderão agora iniciar processos para recuperar as contribuições que pagaram nos últimos anos, realça José Pedroso de Melo. Mas o impacto deste acórdão não fica por aí.

É que, uma vez que a CESE é contestada por outros subsectores, este entendimento pode servir de alimento a processos levantados por outras empresas energéticas. É o caso das empresas do sector petrolífero, que podem aproveitar eventualmente este acórdão, destaca o fiscalista da Telles, nos seus processos.

Aliás, na sequência deste acórdão, já foram proferidas sentenças por Tribunais Administrativos e Fiscais referentes a operadoras do subsector petrolífero que declaram a CESE inconstitucional, adiantam Mariana Gouveia de Oliveira, sócia contratada da Abreu Advogados, e Natacha Reinolds Pombo, solicitadora do mesmo escritório.

“Isto resulta de a argumentação do Tribunal Constitucional ser integralmente transponível para os operadores de todos os outros subsetores do sector energético, que não o os do setor elétrico, relativamente às autoliquidações efetuadas a partir de 2018”, esclarecem as especialistas.

E mesmo no sector elétrico este acórdão poderá ter efeitos, admitem as mesmas. “Entendemos que este acórdão pode abrir campo para a CESE ser considerada inconstitucional mesmo no que concerne ao sector elétrico, embora o tema seja complexo e sujeito a diferentes opiniões”, salientam.

De acordo com as juristas da Abreu Advogados, à medida que a CESE “vai evoluindo e se transformando num tributo destinado a compensar o défice tarifário” torna-se “cada vez mais discutível” que seja legitima esta tributação diferenciada do sector energético. “Servindo a CESE (a partir de 2018) fundamentalmente para reduzir o défice tarifário, julgamos que o Tribunal Constitucional se deveria debruçar a fundo sobre a origem deste défice de forma a avaliar se, de facto, os operadores do sector elétrico abrangidos pela CESE beneficiam (ou causaram) especialmente dos mecanismos que lhes deram origem ou não”, defendem Mariana Gouveia de Oliveira e Natacha Reinolds Pombo.

Discórdia continua instalada

A inconstitucionalidade da CESE, mesmo no subsector do gás natural, continua, porém, longe de ser uma questão líquida e persiste a discórdia no seio do Tribunal Constitucional.

Já depois do referido acórdão de março, surgiu um outro, datado de 25 de maio, que desmonta e contraria o anterior. Esse novo entendimento, citado pelo Jornal de Negócios, indica que não só o regime jurídico da CESE não viola o princípio constitucional da igualdade, como, a entender-se que as empresas do subsector do gás natural deviam estar excluídas, isso representaria, aí sim, “um tratamento tributário desigual e injustificado”.

A propósito, ao Jornal Económico, as referidas juristas da Abreu Advogados realçam que, apenas três meses após a prolação do acórdão mencionado relativo ao gás natural, já foram proferidos mais quatro acórdãos do Tribunal Constitucional em que o tribunal se pronúncia sobre a não inconstitucionalidade da CESE.

“Neste momento, dos 13 juízes do Tribunal Constitucional, sabemos que seis votaram no sentido da inconstitucionalidade e seis em sentido oposto, faltando conhecer o voto do presidente do Tribunal Constitucional”, observam.

E acrescentam: “será necessário que esta questão suba ao plenário para que se estabeleça uma jurisprudência clara sobre esta matéria”.

Ainda assim, a recomendação das juristas é que os contribuintes sujeitos à CESE impugnem os atos e recorram de decisões desfavorável, “assegurando, assim, que, caso a jurisprudência se fixe no sentido da inconstitucionalidade, possam ainda beneficiar reflexamente da decisão”.

“Cabe realçar que as decisões até agora proferidas apenas produzem efeitos nos processos respetivos, mas que, a existência de um acórdão no sentido da inconstitucionalidade tem de alguma forma dado conforto a tribunais de primeira instância no sentido de desaplicarem a CESE com fundamento na sua inconstitucionalidade”, rematam Mariana Gouveia de Oliveira e Natacha Reinolds Pombo.

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