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Portugal arrisca multa de Bruxelas por atraso em diretiva de resolução bancária (com áudio)

“Até ao momento, Portugal ainda não transpôs a legislação em causa. O processo encontra-se na segunda fase do procedimento de infração”, revela a Comissão Europeia ao Jornal Económico. Tudo porque a transposição da nova diretiva da Resolução Bancária está inserida no Código de Atividade Bancária que ainda está em análise pelo Ministério das Finanças.
17 Novembro 2021, 07h41

Portugal arrisca uma multa de Bruxelas por não ter transposto ainda a nova diretiva de resolução bancária, que é essencial para a União Bancária em curso. Essa é uma das diretivas cuja transposição está inserida no novo Código de Atividade Bancária que está em análise pelo Ministério das Finanças e ainda não viu a luz do dia. O novo código da banca tem poucas probabilidades de ser introduzido nesta legislatura.

Segundo revelou fonte oficial, a Comissão Europeia tem em curso um procedimento de infração contra Portugal por causa do atraso na transposição da diretiva de resolução BRRD II, que está incluída no novo Código de Atividade Bancária, cujo anteprojeto foi enviado ao Ministério das Finanças em finais de março, mas que aguarda ainda a luz verde do gabinete de João Leão.

A diretiva – que estabelece novas regras para as medidas de Resolução aplicadas aos bancos, nomeadamente ao nível dos requisitos de MREL (Minimum Requirement for own funds and Eligible Liabilities) – tinha um prazo limite de transposição de dezembro de 2020. Mas até ao momento Portugal faz parte da lista de países cuja transposição não foi feita até ao momento.

Entre outras coisas a nova diretiva da resolução bancária vem definir uma denominação mínima, de 100 mil euros para a emissão e venda de instrumentos de fundos próprios (com exceção das ações), créditos subordinados e instrumentos de dívida comum “não privilegiada”, no âmbito do MREL. Isto é, impõe os 100 mil euros como montante mínimo de subscrição de títulos MREL para limitar o investimento não profissional.

Para além de assegurar, em caso de exercício de poderes de suspensão de pagamento relativamente a depósitos, no âmbito da aplicação de uma medida de Resolução, o acesso pelos depositantes a um montante mínimo diário.

O procedimento de infração contra Portugal foi lançado em julho deste ano, disse ao Jornal Económico fonte oficial da Comissão Europeia. “Devido à falta ou atraso da notificação das medidas nacionais de transposição ou à sua incompletude, está pendente um processo de infração por não comunicação das medidas nacionais de transposição contra Portugal”, refere a Comissão.

Numa comunicação de 15 de julho, a entidade com sede em Bruxelas, apelou a nove Estados-Membros para que comuniquem as medidas nacionais de transposição das regras da UE em matéria de capacidade de absorção de perdas e recapitalização, nomeadamente a Diretiva de Recuperação e Resolução Bancárias II (BRRD II), entre eles, Portugal.

“Esta diretiva implementa a norma sobre Capacidade Total de Absorção de Perdas (TLAC) para bancos de importância sistémica adotada pelo Conselho de Estabilidade Financeira (FSB – Financial Stability Board) e melhora a aplicação do requisito mínimo de fundos próprios e passivos elegíveis (MREL) para todos os bancos”, diz a Comissão Europeia.

“As novas regras garantem de forma mais eficaz que os bancos construam uma capacidade robusta e suficiente de absorção e recapitalização de perdas, de modo que, no caso de falência de um banco, as perdas sejam suportadas pelos acionistas e credores dos bancos e não financiadas pelo dinheiro dos contribuintes”, descreve o comunicado da Comissão que defende que estas mudanças contribuem para o reforço da resiliência do sistema bancário europeu, bem como para a manutenção da estabilidade financeira, para além de aumentar a confiança do mercado.

A BRRD II também garante que os investidores de retalho não invistam excessivamente em instrumentos de dívida (como títulos) que são elegíveis para MREL e, portanto, usados ​em primeira instância para absorver as perdas do banco.

A Comissão enviou cartas de notificação para cumprir em fevereiro de 2021, solicitando aos Estados-Membros em causa que notificassem todas as medidas de transposição. Devido à falta de comunicação de quaisquer medidas de transposição, a Comissão decidiu prosseguir os processos por infração, enviando-lhes pareceres fundamentados.

“Os Estados-Membros em causa têm agora dois meses para tomar as medidas necessárias para transpor o BRRDII, caso contrário, a Comissão pode decidir recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia”, dizia a Comissão Europeia em julho.

“Até ao momento, Portugal ainda não transpôs a legislação em causa. O processo encontra-se na segunda fase do procedimento de infração”, revela a Comissão Europeia.

A eventual imposição de multas acontece “depois de o caso ser enviado para Tribunal e haver uma decisão do mesmo nesse sentido”, explica a Comissão.

O Governo português não está em condições de cumprir com as determinações de Bruxelas uma vez que a transposição dessa diretiva, bem como de outras da legislação bancária, fazer parte do novo Código da Atividade Bancária ainda está para análise no Ministério das Finanças. O novo anteprojeto já está no Ministério das Finanças, e quando for aprovado substitui o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, mas terá de ser aprovado antes no Parlamento que irá ser dissolvido.

“Estamos a ver o que é possível fazer neste contexto, porque é um código que já está com um trabalho muito avançado”, disse o ministro das Finanças, acrescentando que “foram ouvidas diferentes entidades com grande envolvimento não só da Associação Portuguesa de Bancos e Banco de Portugal, e estamos a ver se temos condições de aprovar antes das eleições [marcadas para 30 de janeiro]”, disse recentemente o ministro das Finanças, João Leão.

O que é a BRRD II (Bank recovery and resolution directive II)?

Em novembro de 2016, a Comissão Europeia publicou um pacote de propostas para a reforma da BRRD que incorpora os padrões internacionais de capacidade total de absorção de perdas e recapitalização, com o objetivo de melhorar a execução operacional, fortalecendo competências em recapitalização interna e evitar incerteza jurídica.

De acordo com o regulador do sector, são três os principais objetivos do novo Código da Atividade Bancária (CAB): consolidar, num único diploma, o regime jurídico da atividade bancária em Portugal; introduzir alterações legislativas fruto dos desenvolvimentos mais recentes;  e transpor as diretivas europeias relativas ao chamado banking package, em especial a CRD V e a BRRD II.

O CAB  substituirá o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) e vários diplomas sectoriais dispersos.

As alterações introduzidas pela BRRD II, a transpor através do CAB, visam rever, essencialmente, o enquadramento legal do requisito mínimo de fundos próprios e créditos elegíveis (MREL), com vista ao alinhamento deste requisito com o padrão internacional de Total Loss-Absorbing Capacity (TLAC), publicado pelo Conselho de Estabilidade Financeira, em novembro de 2015, e aplicável às instituições de importância sistémica global (G-SII), bem como o aperfeiçoamento global desse enquadramento.

A revisão do regime aplicável ao MREL introduzido pela BRRD II “acrescenta um conjunto relevante de regras mais densificadas quanto aos requisitos de elegibilidade para os créditos que, em complemento aos fundos próprios, podem ser utilizados pelas instituições para dar cumprimento ao requisito de MREL; quanto à calibração do requisito de MREL, alterando-se, nomeadamente, a forma de expressão do requisito, deixando este de ser uma percentagem do total dos créditos elegíveis e dos fundos próprios da instituição e passando a ser uma percentagem do montante total das posições em risco e, paralelamente, da medida de exposição total; e quanto à determinação de períodos de transição para cumprimento pelas instituições do respetivo requisito de MREL”, segundo um documento do BdP.

“Cria-se também uma nova ferramenta de moratória, altera-se as regras sobre reconhecimento contratual da recapitalização interna (bail-in) e estabelece-se um montante nominal mínimo para a emissão e venda de instrumentos financeiros”, refere o texto legislativo.

A nova diretiva da Resolução altera os requisitos de subordinação, isto é, “o montante do MREL que, por decisão da autoridade de resolução, e quando tal for necessário para obviar a riscos decorrentes da necessidade de dar cumprimento ao princípio no creditor worse off, deve ser cumprido pelas instituições unicamente com fundos próprios e créditos elegíveis subordinados (por via contratual, legal ou estrutural), onde se incluem os instrumentos de dívida comum “não privilegiada”.

Vem ainda desenvolver às regras aplicáveis à determinação de requisitos de MREL a entidades pertencentes a grupos, “nomeadamente no que respeita à distinção entre o MREL a cumprir pelas entidades de resolução e o MREL a cumprir pelas suas filiais, resultante do reconhecimento das diferenças entre as estratégias de resolução single point-of-entry (SPE) e multiple point-of-entry (MPE)”.

Vem clarificar a relação entre o MREL e o requisito combinado de reservas de fundos próprios, no sentido de que os fundos próprios usados para cumprir o MREL (quando expresso em RWAs – ativos ponderados pelo risco) não podem ser usados simultaneamente para cumprir aquele requisito combinado (stacking order).

A nova diretiva da resolução introduz regras relativas à determinação de restrições ao montante máximo distribuível (MDA), associadas ao incumprimento do requisito combinado de reservas de fundos próprios; e traz novidades ao nível da previsão de regras específicas quanto aos deveres de comunicação e divulgação de MREL das instituições.

Alteram-se também as regras sobre reconhecimento contratual da recapitalização interna (bail-in) e contratos regidos por lei de país terceiro. “A revisão desta matéria operada pela BRRD II – e que se encontra transposta no CAB – irá permitir às instituições que invoquem (perante a autoridade de resolução e sujeita à sua avaliação) a impraticabilidade, a nível jurídico ou de outro modo, de incluir nas disposições contratuais que regem um determinado crédito a cláusula contratual exigida”, explica o BdP no seu site.

A BRRD II veio igualmente prever um conjunto de regras aplicáveis à colocação junto de clientes de retalho de instrumentos elegíveis para MREL. O CAB propõe o estabelecimento de um montante nominal mínimo de 100 mil euros para a emissão e venda de certos instrumentos financeiros, aí se incluindo instrumentos de fundos próprios (com exceção das ações), instrumentos financeiros donde emerjam créditos subordinados e, por último, instrumentos de dívida comum “não privilegiada”.

Foram, ainda, introduzidas algumas alterações à matéria dos poderes de resolução, mediante a inclusão de uma norma no CAB que “prevê a possibilidade de o Banco de Portugal exigir que as empresas-mãe na União Europeia assegurem que as suas filiais estabelecidas em países terceiros que sejam instituições de crédito, instituições financeiras ou empresas de investimento, ou que seriam empresas de investimento se estivessem estabelecidas em Portugal, incluam nos contratos financeiros uma cláusula contratual nos termos da qual o exercício pelo Banco de Portugal dos poderes de resolução de suspensão em relação à empresa-mãe não pode constituir um motivo válido para a rescisão antecipada, a suspensão, a modificação, a compensação e novação, o exercício dos direitos de compensação ou a execução de penhoras de títulos sobre esses contratos”.

“Em paralelo com o já existente poder das autoridades de resolução de, quando estiverem verificados os três requisitos para a aplicação de medidas de resolução, suspender obrigações de pagamento ou de entrega nos termos de um contrato em que a instituição de crédito objeto de resolução seja parte, a revisão do regime de resolução em resultado da transposição da BRRD II vem conceder ao Banco de Portugal um novo poder de suspensão (habitualmente designado de moratória), exercível num momento anterior à entrada em resolução de uma instituição”, segundo o BdP.

Em decorrência da transposição da BRRD II passa a ser possível que “o poder de moratória (em qualquer um dos dois casos atrás mencionados, i.e., antes da entrada em resolução ou apenas quando estiverem verificados os três requisitos para a aplicação de medidas de resolução) seja exercido em relação a depósitos elegíveis. De notar que estes poderes de suspensão apenas podem vigorar por um período aproximado e máximo de 48 horas”.

Nessa sequência, a BRRD II prevê uma opção legislativa segundo a qual os Estados membros podem dispor no sentido de que seja assegurado que os depositantes, se afetados pela moratória, tenham acesso a um montante diário adequado. O CAB propõe que se exerça esta opção em Portugal “por se entender ser crucial assegurar que os depositantes não se vejam confrontados com uma falta de acesso total aos seus depósitos, mesmo tendo presente o curto período de tempo em que pode vigorar essa moratória (48 horas no máximo)”.

Por fim, o CAB propõe a introdução de diversas normas relativas a cooperação com a CMVM e a ASF no domínio da resolução, incluindo a possibilidade de celebração de protocolos com estas duas autoridades relativamente a matérias de resolução, sem prejuízo dos limites impostos pelo enquadramento do Mecanismo Único de Resolução.

 

BdP quer impôr 100 mil euros como montante mínimo de subscrição de títulos MREL para limitar o investimento não profissional

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