[weglot_switcher]

Desafios de André Villas-Boas: Reforço da tesouraria, gestão da dívida e valorização do plantel

A vitória foi histórica mas o verdadeiro desafio começa agora. André Villas-Boas, que cresceu entre relatórios de contas devido ao contexto familiar (apesar do passado como treinador), vai ter de lidar com questões económicas e financeiras como as mais prementes do presente e futuro do FC Porto. A começar por aquele que é o maior passivo do futebol português.
  • Lusa
29 Abril 2024, 07h30

O reforço da tesouraria, a gestão da dívida (passivo está em 513 milhões de euros) e a valorização dos passes dos futebolistas, assim como a criação do centro de alto rendimento, são prioridades para o novo presidente do FC Porto, de acordo com as prioridades definidas no programa eleitoral daquele que já foi treinador do clube. Além disso, compromissos de última hora assumidos pela anterior direção (entrada de novo investidor e renovação de contrato com Sérgio Conceição) são outros dossiers que têm de ser resolvidos com prioridade pela nova direção.

Quarenta e dois anos depois de uma presidência pouco comum a nível mundial, no enquadramento do dirigismo desportivo, o FC Porto elegeu este sábado o 32º presidente da sua história: André Villas-Boas, antigo treinador do clube, sucede a Jorge Nuno Pinto da Costa, dirigente que conquistou 1.300 títulos em quinze mandatos consecutivos.

André Villas-Boas tornou-se o 32º presidente da história do FC Porto, ao vencer as eleições de sábado dos órgãos sociais, com 21.489 votos (80,28%), quebrando um ciclo de 15 mandatos e 42 anos de Pinto da Costa, que contabilizou 5.224 votos (19,52%)

A inédita eleição de André Villas-Boas, de 46 anos, implica o fim do ‘reinado’ presidencial de Pinto da Costa, de 86 anos, que já comandava o FC Porto desde 17 de abril de 1982, tornando-se, desde então, o dirigente com mais títulos e longevidade do futebol mundial.

Nascido numa família conservadora, André Villas-Boas cresceu entre relatórios de contas: o pai, Filipe Villas-Boas, é acionista de uma empresa metalomecânica e presença assídua na área do associativismo empresarial (AFIA e AIMMAP). As questões económicas e financeiras não lhe são, por isso, estranhas – ao contrário do que poderia imaginar-se pela sua qualidade de ex-treinador.

Mesmo assim, a escolha de José Pedro Pereira da Costa para CFO (Chief Financial Officer) é a assunção de que as finanças do clube são o esteio que tem de ser consolidado. Pereira da Costa foi administrador executivo da NOS nos últimos dez anos, com a responsabilidade da área financeira; antes, tinha sido CFO da PT, entre 2003 e 2007, e depois da ZON, empresa que viria a dar origem à NOS.

Tesouraria: o principal problema

As contas são um dos problemas que o FC Porto tem em mãos a carecer de uma solução rápida por parte da nova administração. O problema principal é de tesouraria: a falta de dinheiro em caixa não só obriga ao recurso constante a empréstimos, como impede o desenvolvimento de negócios numa base concorrencial. Ou seja, dinheiro em caixa é a primeira solução para que a organização possa abordar os negócios que tem em mão numa posição negocial confortável, de acordo com o diagnóstico da lista que foi encabeçada pelo novo presidente.

Como solucionar o problema? A base é mais receita e menos despesa. A diminuição dos custos com a administração faz parte do ’caderno de encargos’ – diminuição de salários (para Villas-Boas) e o fim dos prémios milionários e mais ou menos inexplicáveis estão na linha da frente. Para a lista de Villas-Boas, é possível que se detete um número exagerado de funcionários – e Pereira da Costa, que será o novo CFO da SAD do FC Porto, não desmente, em entrevista ao JE, que pode ser necessário recorrer a rescisões. Outra medida passa pelo aumento das receitas por via da bilhética e do merchandising – numa tentativa de ‘imitar’ os adversários diretos, que têm mostrado bastante mais capacidade nestas áreas específicas.

Dívida, passes de jogadores e o centro de alto rendimento

A lista de André Villas-Boas defendia com mais assertividade algo que tem a ver com a gestão dos passes dos jogadores – área que critica fortemente, acusando o anterior presidente de ter deixado entrar no clube interesses estranhos ao próprio clube, que têm minado as contas da organização. E que lhe retira das mãos um dos instrumentos mais poderosos para a gestão dos ativos.

Tanto no que tem a ver com a gestão dos passes dos jogadores – que não são devidamente observados como ativos que não podem ser desvalorizados “e muito menos chegar a zeros” – como a mais trivial venda de bilhetes e de merchandising, tudo, na ótica de Pereira da Costa, pode ser melhorado. Mais: tem de ser melhorado, sob pena de atirar o clube para as margens da irrelevância enquanto instituição.

Já a questão das academias foi um dos pontos de maior divergência. Se Pinto da Costa queria construir um projeto de raiz, que desde logo iria aumentar a despesa: avaliado em 40 milhões de euros (mínimo) o complexo a construir na Maia já está a criar ‘anticorpos’: a própria autarquia (ou alguns dos seus vereadores) tem mostrado estar pouco confortável com o plano. O novo presidente não quer academia nenhuma, mas antes um centro de alto rendimento que pode bem ter o epicentro no Olival – um complexo instalado em Gaia e que tem um aluguer muito barato, que não precisa de grandes investimentos.

Quanto à dívida e o seu serviço, a lista de Villas-Boas entende que tem possibilidade de a reformar e de recorrer a taxas de juro próximas dos 5%. No limite, se tudo o mais falhar, a lista de Villas-Boas coloca a hipótese de permitir a entrada no clube de um grande investidor – por ‘muito estrangeiro’ que seja.

Em fevereiro, a SAD do FC Porto anunciou uma melhoria substancial dos capitais próprios, que ainda assim se mantêm negativos. Assim, a 31 de dezembro de 2023, os capitais próprios da SAD registavam um valor negativo de 8,5 milhões de euros, em virtude da melhoria no ativo que teve um aumento global de 148 milhões de euros face a 30 de junho. O passivo diminuiu 20 milhões face ao mesmo período, devido à diminuição do valor global dos empréstimos na ordem dos 85 milhões de euros. Assim, e de acordo com o último relatório e contas da SAD, o ativo está nos 504 milhões enquanto o passivo encontra-se nos 513 milhões de euros, o maior entre os “grandes” do futebol português.

Novo investidor e Sérgio Conceição

A Ithaka vai investir 65 milhões de euros no FC Porto, “dos quais cerca de 30 milhões de euros serão integralmente reinvestidos no Estádio do Dragão durante os primeiros anos da parceria, sendo o remanescente destinado a aumentar a competitividade do FC Porto”. Após o decurso do prazo de 25 anos da mencionada parceria, o FC Porto recuperará 100% dos direitos económicos do Estádio do Dragão. O negócio levantou muitas dúvidas por parte da lista que viria a sagrar-se vencedora deste escrutínio.

A Ithaka Infra III, sociedade veículo da Ithaka Investments Europe,  uma sociedade de investimento com sede em Madrid e experiência em investimentos em desporto e infraestruturas na Europa, é o novo investidor da FC Porto SAD.

A Futebol Clube do Porto – Futebol SAD enviou um comunicado à CMVM a 18 de abril informando que “na sequência de comunicados feitos anteriormente”, “assinou com a Ithaka Infra III, sociedade veículo da Ithaka Investments Europe, SL”, sendo esta última uma sociedade de investimento com vasta experiência em investimentos em desporto e infraestruturas na Europa, com sede em Madrid, Espanha, um “Contrato de Investimento e Parassocial” (“Investment and Shareholders’ Agreement”), com vista a incrementar a utilização e rentabilidade económica do Estádio do Dragão”.

O comunicado revela que “a Ithaka terá direito, durante os próximos 25 anos, a 30% dos direitos económicos de uma nova sociedade (a incorporar no Grupo FC Porto)”, acrescentado que “a Key Capital Partners atua nesta parceria na qualidade de consultor financeiro e estratégico exclusivo da Ithaka”.

Outro tema não menos polémico passa pela recente renovação de contrato por parte de Sérgio Conceição com o FC Porto. O técnico, que procurou (quase) sempre algum distanciamento em relação à campanha eleitoral, acabou por renovar o contrato que terminaria dentro de dois meses, por mais quatro anos. Na noite das eleições, André Villas-Boas recusou ter outra solução para aquele cargo mas revelou que não haveria nada mais a adiantar quanto a este tema.

“Conquistar títulos e sustentar o clube para o futuro”

Orgulhoso e com um sentimento de responsabilidade para com os destinos do FC Porto. Foi desta forma que André Villas-Boas surgiu na sua sede de campanha como novo presidente do FC Porto, já na madrugada de domingo. No seu discurso de vitória, ainda que não sejam conhecidos os resultados oficiais, o líder portista, disse aos jornalistas que a sua vitória deverá rondar uma percentagem “entre os 70 e os 80%” e espera corresponder às exigências de todos os portistas.

“Ganhar, conquistar títulos e mais importante sustentar o nosso clube para o futuro. Que noite histórica, o nosso clube está vivo e demonstrou a sua força hoje. Esta poderá ser uma estrondosa vitória e dedico-a a todos os portistas”, começou por dizer André Villas-Boas, salientando que este ato eleitoral é um momento histórico para o futebol português.

Na hora da vitória, o novo presidente portista não esqueceu o legado de 42 anos de Pinto da Costa. “Quero deixar o meu agradecimento por tudo aquilo que deu ao FC Porto e a garantia de que esta é, e sempre será a sua casa. Este é o FC Porto que todos desejamos e precisamos, onde os associados, reais detentores do seu clube ditaram hoje a sua mudança”, sublinhou.

Consciente da responsabilidade que é assumir a liderança do clube, André Villas-Boas realçou que juntamente com os membros da sua direção sabem perfeitamente o caminho que querem seguir e estão prontos para responder com trabalho às exigências de todos os adeptos e sócios portistas. “Hoje o FC Porto está livre de novo. Hoje começamos a escrever uma nova página”, realçou.

RELACIONADO
Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.