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Máximo dos Santos: “Os bancos europeus continuam a ser muito nacionais na morte”

Luís Máximo dos Santos citou os casos de falência de bancos nos EUA, em 2023, como exemplos da importância fundamental dos sistemas de garantia de depósitos.
Cristina Bernardo
2 Dezembro 2025, 19h58

Luís Máximo dos Santos, Vice-Governador Luís Máximo dos Santos, falava na Conferência Anual da International Association of Deposit Insurers, que decorreu na semana passada e que este ano se realizou em Lisboa, quando alertou para o facto de, e apesar dos grandes progressos efetuados, a União Bancária não estar completa, já que falta um Fundo de Garantia de Depósitos Europeus.

“Embora seja chamada de União Bancária, os sistemas de garantia de depósitos continuam a ser estritamente nacionais, o que significa que os bancos continuam a ser muito nacionais ‘na morte'”, disse o Vice-Governador que considera que os sistemas de garantia de depósitos são um pilar fundamental na arquitetura da rede de segurança financeira.

“Isto não só é incompatível com a aspiração de um mercado bancário integrado na UE, como também dificulta a concretização dessa aspiração: obriga as autoridades nacionais a manterem-se atentas às suas responsabilidades nacionais, o que resulta em barreiras relevantes aos negócios transfronteiriços e à consolidação”, afirmou.

A Conferência Anual da International Association of Deposit Insurers (IADI) é um evento global onde seguradoras de depósitos de todo o mundo se reúnem para partilhar conhecimento e experiência. A conferência foca-se em melhorar a eficácia dos sistemas de seguro de depósitos e promover a estabilidade financeira, abordando tópicos como gestão de crises bancárias e resoluções.

Luís Máximo dos Santos defendeu que “um Sistema Europeu de Seguro de Depósitos é essencial se queremos levar a sério a construção de uma União Bancária e promover a resiliência e a competitividade dos bancos europeus no panorama global”.

“Um Sistema Europeu de Seguro de Depósitos é, portanto, essencial se queremos levar a sério a construção de uma União Bancária e promover a resiliência e a competitividade dos bancos europeus no panorama global. Na União Europeia, isto é claramente reconhecido: um dos três pilares da União Bancária é composto pelos sistemas de garantia de depósitos”, sublinhou.

O Vice-Governador defende que um mecanismo europeu de garantia de depósitos é fundamental para reforçar a resiliência e a competitividade dos bancos europeus no mercado global.

Em Portugal, essa responsabilidade está cometida ao Fundo de Garantia de Depósitos, onde Luís Máximo dos Santos é presidente.

Por outro lado “o quadro de resolução continua a ser inadequado para os bancos de pequena e média dimensão que operam com um modelo de negócio mais tradicional e aos quais seria desproporcionado aplicar requisitos de absorção de perdas calibrados para instituições de maior dimensão”, acrescentou.

“Na Europa, foram feitos progressos substanciais na construção de uma estrutura integrada de gestão de crises. No âmbito do Mecanismo Único de Resolução, foram elaborados planos de resolução para todos os bancos, foi reforçada a capacidade de absorção de perdas em toda a União Bancária e foi implementado e capitalizado um mecanismo único de financiamento da resolução. O trabalho centra-se agora em garantir a capacidade de resolução e aumentar a prontidão, nomeadamente através de testes e simulações de crises”, referiu.

Luís Máximo dos Santos citou os casos de falência de bancos nos EUA, em 2023, como exemplos da importância fundamental dos sistemas de garantia de depósitos.

“As falências de bancos regionais nos Estados Unidos, em 2023, recordaram-nos mais uma vez a importância da nossa missão partilhada. Estes acontecimentos mostraram que, no mundo actual, a confiança dos depositantes pode deteriorar-se muito mais rapidamente do que antes e que a desconfiança pode espalhar-se a um ritmo impressionante. Numa época em que, impulsionadas pelos avanços tecnológicos, as notícias se espalham mais rapidamente do que nunca (quer sejam precisas ou não), e em que qualquer depositante pode movimentar os seus fundos a qualquer hora do dia, preservar a confiança dos depositantes é mais importante do que nunca”, referiu.

“Estes acontecimentos mostraram também que a falência até dos bancos mais pequenos pode representar uma ameaça à estabilidade financeira geral”, disse Máximo dos Santos que acrescentou que “isto implica que os mecanismos de gestão de crises não podem ser calibrados apenas para lidar com a falência de bancos maiores ou teoricamente mais sistémicos”.

A arquitectura de gestão de crises deve fornecer uma resposta abrangente e coerente à possível falência de todos os bancos, defende.

Ora “isto exige que a resolução e o seguro de depósitos sejam devidamente articulados. E, mais uma vez, implica um papel maior para os sistemas de garantia de depósitos”, acrescentou.

“Não surpreendentemente, temos assistido a uma expansão contínua das atribuições das seguradoras de depósitos, principalmente com o seu crescente envolvimento na resolução bancária”, disse ainda o Vice-Governador que avançou que, de acordo com os dados da IADI, a quota das seguradoras de depósitos na resolução bancária cresceu de forma constante, passando de 68% em 2014 para 82% em 2024.

“Na Europa, embora a participação dos sistemas de garantia de depósitos na resolução seja atualmente modesta, a reforma em curso do quadro jurídico visa reforçar esse papel, criando condições que permitam uma maior utilização dos sistemas de garantia de depósitos na proteção dos depositantes de bancos de pequena e média dimensão através de meios diferentes do pagamento tradicional”, disse.

O Vice-Governador voltou a lembrar ainda o bom desempenho do setor bancário português na última década  que “é também revelador da importância da importância e da boa gestão dos mecanismos de gestão de crises”.

Por fim disse que a reforma europeia sistema de gestão de crises contempla novas competências e responsabilidades para os sistemas de garantia de depósitos.

Luís Máximo dos Santos contextualizou dizendo que “encontramo-nos num mundo marcado por tensões geopolíticas renovadas, fragmentação geoeconómica, alianças instáveis ​​e um ritmo de mudança tecnológica e de fluxos de informação sem precedentes” e  “embora a formulação de políticas seja cada vez mais ditada por considerações e interesses nacionais ou regionais, os mercados financeiros continuam fortemente interligados. Além disso, o cerne da nossa missão enquanto participantes na rede de segurança é o mesmo, independentemente da nossa origem: salvaguardar a confiança dos depositantes e preservar a estabilidade financeira”.

O tema da conferência deste ano — “Navegando pelos Desafios Políticos para Sustentar a Estabilidade num Mundo Incerto e Fragmentado” — não podia ser mais apropriado e oportuno, reconheceu.

Segundo o Vice-Governador, a incerteza surge de diversas fontes — tensões geopolíticas, mudanças nas condições macroeconómicas, rápidas mudanças tecnológicas, novos meios de comunicação desintermediados e a expansão das fronteiras das finanças, com o surgimento de novos participantes e novos produtos, como os activos digitais.

A fragmentação manifesta-se através de uma reconfiguração dos padrões comerciais e de um realinhamento geopolítico que, após um período de globalização e integração, começa novamente a dividir o mundo em blocos.

“Em conjunto, estas forças implicam que podem ocorrer choques inesperadamente e que serão transmitidos de formas imprevisíveis”, disse.

Destacou o papel da IADI como plataforma de diálogo, troca de conhecimentos, cooperação técnica e coordenação. A Associação permite que as seguradoras de depósitos e outras autoridades da rede de segurança aprendam umas com as outras, alinhem práticas quando apropriado e desenvolvam ferramentas eficazes em diversos contextos institucionais.

“Para os participantes da rede de segurança financeira, este ambiente exige uma resposta em duas dimensões principais, ambas centrais no mandato do IADI. Exige que aumentemos a nossa prontidão para agir quando os choques se materializam e que sejamos capazes de ultrapassar a fragmentação através do aumento da cooperação. É precisamente porque as crises podem (ou melhor, vão) ocorrer inesperadamente — e propagar-se rapidamente — que a nossa preparação é tão importante”, referiu Máximo dos Santos.

 

 


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