Duas vezes primeiro-ministro de França, ministro das Finanças, ministro dos Negócios Estrangeiros, o luxemburguês Jean-Baptiste Nicolas Robert Schuman, nascido a 29 de junho de 1886, foi um dos políticos mais influentes do pós-II Guerra Mundial, inspirador e fundador da Comunidade Económica Europeia – e antes disso da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – tendo acabado por ganhar o reconhecimento de ser tratado com o ‘pai da Europa’. Ou um deles.
Apesar de ter nascido no Luxemburgo, Robert Schuman assumiu a nacionalidade alemã do seu pai, Pierre – que por acaso nasceu francês mas tornou-se alemão quando a Alsácia-Lerona foi anexada pela Alemanha em 1871, no final da guerra, mais uma, entre a França e a Prússia, de onde resultariam os dias tumultuosos da Comuna de Paris.
Schuman nasceu assim sentindo na pele o que eram os dias de aço de uma Europa onde os grandes impérios se digladiavam por uma supremacia que transformava o continente numa bola de fogo permanente – exportada, aliás, para idênticas conflitualidades nas possessões ultramarinas – na indiferença absoluta pelo povo que sucumbia nas trincheiras e pelo desenvolvimento harmonioso da economia, que por esses dias passava a ser apanágio do novo mundo, os Estados Unidos da América.
De 1904 a 1910 estudou Direito, Economia, Filosofia Política, Teologia e Estatística nas universidades de Berlim, Munique, Bona e Estrasburgo, tendo-se licenciado em Direito com a mais alta distinção na Universidade de Estrasburgo, antes de se estabelecer como advogado em Metz.
Entretanto, os impérios europeus não tinham aprendido nada com o conflito de 30 anos antes: depois de duas guerras nos Balcãs (em 1912 e em 1913) – e apesar de os trabalhadores jurarem entre si, durante a II Internacional, que desertariam se uma nova guerra acontecesse na Europa – o cenário de um no conflito estava montado. Desta vez para ser a última de todas as guerras europeia, como alguém na altura desatento achou que seria.
Quando a guerra eclodiu em 1914, Robert Schuman foi chamado para a tropa pelo exército alemão em Metz, mas acabou dispensado do serviço militar por motivos de saúde. No final de mais uma contenda, a Alsácia-Lorena acabaria por regressar à posse de França e Schuman tornou-se cidadão francês em 1919.
Nesse mesmo ano, decidiu investir na política, (do lado da democracia-cristã, que dava os primeiros passos depois de ter sido ‘criada’ pelo Papa Leão XIII) tendo sido eleito pela primeira vez deputado ao parlamento pela localidade Thionville (Moselle). Desse tempo, duas atividades acabam por o tornar conhecido: a harmonização das leis regionais com a lei nacional francesa (conhecida como Lex Schuman; e a investigação da corrupção, que o jovem advogado entendeu ser uma das fontes das guerras que iam dizimando o velho continente.
Mas esses ensinamentos têm muito pouco a ver com o conflito que se seguiria e que teria como maior motivação a loucura de um homem só, confundida com uma espécie de desígnio pátrio misturado com deselegâncias étnicas. Ex-alemão, Schuman acabaria precisamente por esse motivo por ser cooptado para membro do governo de guerra do primeiro-ministro francês Paul Reynaud, com a função de encarregado dos refugiados.
Naquele período titubeante, a França, ou parte dela, perdeu o pé: o Marechal Pétain, herói da Grande Guerra europeia, considerou apropriado manter uma aproximação delicodoce com Hitler, e apesar de Schuman ter votado favoravelmente à criação de um governo sob a alçada do velho herói, recusou fazer parte do governo.
Pelo contrário, Schuman entrou em contacto com a outra França, a insubmissa, tendo em pouco tempo sido preso pela Gestapo pela prática de atos de resistência e protesto contra os métodos nazis. Preso e deportado para Dachau, Schuman passou por diversos estabelecimentos prisionais antes de, em 1942, conseguir escapar aos seus algozes e juntar-se à resistência francesa.
Para a história da sua figura, permanecerá sempre a certeza de que data dessa época – ainda Hitler estava bem firme em Berlim – a sua convicção de que, para a Europa ser um lugar de paz e prosperidade, Alemanha e França teriam de partilhar um destino, qualquer que ele fosse, que mantivesse ligadas duas nações que, de outra forma, haveriam de se guerrear até ao fim dos tempos.
Os primeiros tempos de paz não lhe foram agradáveis: Schuman teve dificuldade em fazer aceitar que não era um ‘vendido’ de Vichy (onde funcionavam os governos de Pétain) e só uma intervenção do próprio General de Gaulle, outro herói da guerra, o salvou de ser prematuramente atirado para fora dos compêndios de História.
Regressou à política. Foi ministro das Finanças e primeiro-ministro entre 1947 e 1948 – pouco tempo, mas o tempo suficiente para propor a criação de uma assembleia europeia, que teria como funções a salvaguarda da paz, que tinha custado 60 milhões de vítimas, e o desenvolvimento integrado. Era o Conselho da Europa que dava os primeiros passos, muito antes de alguém (a não ser Schuman) acreditar no que parecia não ser mais que uma fábula.
Se outro valor essa proposta não tivesse tido, uma haveria de lhe ser conferida: a ideia de uma Europa unida sob uma estrutura comum deixava de ser matéria de discussão meramente académica e de café ao fim da tarde, para passar a ser uma hipótese.
Foi de seguida ministro dos Negócios Estrangeiros (cargo que ocuparia em diversos governos até 1953). Foi nessa qualidade que, em 1949, em plena Assembleia Geral das Nações Unidas, explicou o objetivo de França de criar uma organização democrática, europeia e supranacional, na qual uma Alemanha pós-nazista e democrática pudesse unir-se aos países que tão poucos anos antes tinha guerreado ferozmente.
E a coisa aconteceu (já depois da criação da NATO, em 1949, que também levou a assinatura de Schuman), com aquilo que ficará na História com o nome de Declaração Schuman (9 de maio de 1950). Primeiro timidamente, dir-se-ia, com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951, com o Tratado de Paris, assinado pela Bélgica, França, Alemanha Ocidental, Itália, Holanda e Luxemburgo), que Schuman considerava ser a única forma de “tornar a guerra não só impensável, mas materialmente impossível”.
Mas depois de forma sustentada, porque o político francês soube cativar homens com a mesma visão universalista e pacífica, entre eles avultando a figura do chanceler alemão Konrad Adenauer, sem o qual o projeto não poderia ter sucesso, mas também a do diplomata francês Jean Monnet (outro ‘pai da Europa’).
A evolução do conceito e a prova no terreno (com a CECA) de que o sistema miraculosamente podia funcionar acabou por resultar na assinatura do Tratado de Roma (25 de março de 1957 pela Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Holanda e Alemanha Ocidental), que instituía a Comunidade Económica Europeia e a Comunidade Europeia de Energia Atómica (Euratom).
Robert Schuman viria ainda a ser ministro da Justiça em França, mas só por uma brincadeira do destino não seria, como foi, o primeiro presidente do Parlamento Europeu, entre 1958 e 1960. Morreria três anos mais tarde, a 4 de setembro de 1963.
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