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A reindustrialização nas mãos da economia portuguesa

Perfil cada vez mais diversificado da economia e voltado para as exportações pode ajudar à recuperação. Num mundo pós-Covid, ganhar escala é uma oportunidade para reforçar a indústria.
29 Junho 2020, 07h45

Até ao eclodir da crise causada pela pandemia, a economia nacional estava em expansão com um perfil muito dependente do turismo e imobiliário, cuja recuperação vai depender de muitos factores como a confiança e a forma como vai evoluir a doença Covid-19. Economistas defendem que a crise é uma oportunidade para reforçar a indústria europeia, no seio da qual a indústria nacional poderá crescer.

Aproveitar os nossos recursos endógenos e atrair IDE industrial poderá ser uma oportunidade para a diversificação da economia portuguesa que poderá passar a fazer o que importamos em áreas como agroalimentar, produtos químicos, máquinas e aparelhos. As transformações digitais, a economia circular ou a economia do conhecimento são também sinalizadas para Portugal poder responder à procura diversificada dos mercados.

O presidente do Fórum para a Competitividade defende que esta crise é antes de mais uma oportunidade de reforçar a indústria europeia. “A nossa é uma delas e será nesse quadro europeu que deve e pode crescer. Não será no nosso mercado interno, nem sequer só no ibérico”, afirmou ao Jornal Económico (JE) Pedro Ferraz da Costa, para quem a crise actual “terá servido para se perceber melhor que a Europa não pode depender tanto das importações. E que terá de aceitar passar a comprar alguns produtos europeus mais caros do que se fossem asiáticos”.

Para este economista, a prioridade deve ser dada ao aumento da escala da produção, principalmente numa primeira fase.

Também para o bastonário da Ordem dos Economistas esta crise é uma oportunidade para reforçar a indústria nacional. “A presente crise pode ser uma boa oportunidade para, com os fundos que serão postos à disposição das empresas, não só reforçar a indústria existente, mas proceder a um processo de reindustrialização, alterando as cadeias de produção, dando preferência à produção mais perto do mercado, numa rota de maior desenvolvimento, inovação e criatividade”, defendeu ao JE Rui Leão Martinho, realçando que esta estratégia deve assentar num plano bem estruturado e baseado nos três pilares acima citados. Esse plano, diz o economista, deve ter na base “uma aposta estratégica que crie uma nova competitividade assente na inovação, na talentosa produtividade, na internacionalização e nas redes globais”.

O economista Joaquim Sarmento também espera que esta crise seja uma oportunidade para reforçar a indústria nacional: “existirá um pacote financeiro Europeu e é possível que esta crise traga algumas alterações estruturais nas cadeias de valor a nível global. Se isso suceder, temos de saber captar algumas oportunidades. Principalmente se a nova realidade for uma maior integração Europa-América do Norte, a nossa localização torna-se privilegiada”.
Recorde-se que Portugal poderá recorrer até 26,36 mil milhões de euros do Fundo de Recuperação proposto por Bruxelas, que terá um envelope de 750 mil milhões em subvenções e empréstimos.

A ‘fatia’ portuguesa desdobra-se em 15,53 mil milhões de euros a fundo perdido e 10,84 mil milhões de euros através de empréstimos. O montante total equivale a 12% do PIB de 2019.

 

Estado não deve definir setores de aposta
Segundo o porta-voz do Conselho Estratégico Nacional do PSD para a área das Finanças Públicas, existem áreas com potencial para esta diversificação, que passa, em sua opinião, por aproveitar os nossos recursos endógenos (floresta, mar, agricultura, energias renováveis) e atrair IDE industrial.

“Temos capital humano para captar projetos industriais”, frisa. Mas alerta que “o mais importante é ter políticas públicas que melhorem o ambiente competitivo, atraiam investimento, promovam as exportações e a subida na cadeia de valor. Políticas públicas de simplificação fiscal, empresarial e legislativa”. Para Joaquim Sarmento, o Estado não deve definir os setores em que se aposta. “Isso compete aos empresários e investidores. Ao Estado compete criar políticas do lado da oferta”, conclui.

João Duque considera também que a geração de novas ideias cabe à iniciativa privada e está confiante que “elas vão aparecer”. “O que é fundamental é o Estado aplicar-se nas infraestruturas e nos estímulos à educação e ao rendimento das pessoas, concentrando-se em fazer bem e de modo eficiente o que tem a fazer”, afirmou ao JE o economista para quem este caminho contribuirá para sair da crise melhor do que entrámos.

 

Ganhar escala é a palavra de ordem
João Duque defende que Portugal tem de “procurar setores de elevado valor acrescentado e com valor de marca. E, para isso, é fundamental o associativismo de setor e o estímulo a esse associativismo. Ganhar escala para sermos visíveis, como tão bem fizeram os industriais do calçado, por exemplo. Imitem-nos noutros setores porque só têm a ganhar”.

Ganhar escala é também a palavra de ordem de Pedro Ferraz da Costa: “o nosso principal problema é mais o da falta de escala nos setores onde já temos sucesso, do que a falta de diversificação”.

Sobre as áreas com potencial de diversificação da economia num mundo pós-Covid, este economista considera que “são aquelas que, entre outros fatores, têm profissionais bem preparados”, realçando que é preciso “mais cooperação autêntica entre as universidades e as empresas. E o papel do ensino profissional tem de ser valorizado”.

 

Diversificação ou reindustrialização?
Para Rui Leão Martinho, o pós-Covid pode proporcionar aos países, nomeadamente aos da União Europeia, oportunidades para o crescimento, para um desenvolvimento mais sustentável e para a diversificação das suas indústrias. “Portugal, em particular, deve saber aproveitar a retoma para entrar definitivamente na transformação digital, com as novas tecnologias de que hoje dispõe, bem como no desenvolvimento da economia circular e da economia do conhecimento”, defende.

O economista realça que os auxílios da UE de que iremos dispor devem “ser aplicados com rigor, transparência e de maneira a proporcionar novas vias para o desenvolvimento sustentado da economia”.

João Duque alerta, por sua vez, que não se diversifica de um dia para o outro. “Investimos muito no turismo porque pensámos que esse seria o nosso petróleo. Poderá ser, mas já vimos que qualquer vírus nos deita abaixo”. Entre marés muito altas seguidas de profundas crises, o economista sugere que que se comece por ir à lista de importações para, diz, começarmos a fazer o que importamos.

 

Os setores de aposta
“Se conseguimos passar a fazer ventiladores, porque não outras coisas? E os principais setores em que o saldo da balança comercial é negativa são: agroalimentar, produtos energéticos, produtos químicos, máquinas e aparelhos e minérios e metais”, afirmou. João Duque lança a questão: “não teremos capacidade para fazer cá e reindustrializar o país?”, acrescentando que o problema é quem quer ficar com as fábricas e as minas, pois, sustenta, “querer o rendimento é uma coisa e com o trabalho e as instalações é outra…”.

O economista e professor catedrático do ISEG não tem dúvidas que esta crise é uma oportunidade para reforçar a indústria nacional, sinalizando a produção de máquinas e aparelhos ou a indústria agroalimentar, dado que são setores em que a balança comercial nos é desfavorável. “Porque não começar por aí? E se temos as infraestruturas montadas, porque não usá-las mais produtivamente?”, questiona.

Já Rui Leão Martinho recorda que as empresas portuguesas já desde há alguns anos demonstraram saber aproveitar os seus recursos, recrutar e reter os talentos de que necessitavam e internacionalizar-se. “Este processo, que levou também a um aumento das nossas exportações, poderá agora ser incrementado com os fundos europeus de que disporemos se forem aplicados devidamente, com rigor e com exigência”, afirma, realçando que “as transformações digitais, a economia circular ou a economia do conhecimento poderão ser caminhos a trilhar pelos nossos empreendedores e poderão responder à procura diversificada dos mercados”.

 

65% das empresas diversificaram produtos e serviços
Certo é que cerca de dois terços das empresas (65%) que diversificaram produtos e serviços, em resposta à pandemia de Covid-19, vão manter as alterações feitas no futuro. A conclusão é do inquérito promovido pela CIP – Confederação Empresarial de Portugal e pelo Marketing FutureCast Lab do ISCTE, divulgado a 15 de junho. O inquérito indica que 19% das empresas diversificaram a sua oferta, especialmente no setor da indústria, e fizeram-no, em 87% dos casos, sem recurso ao financiamento público.

Uma modificação que ocorreu mesmo quando 62% das empresas inquiridas referiram não ter experiência prévia com este tipo de organização do trabalho. “Quando nos encontramos na última fase de reabertura das atividades económicas, 63% das empresas inquiridas estão a utilizar os canais digitais para vendas e três em cada quatro referem que vão manter esta decisão”, indica a CIP.

“A situação de exceção obrigou as empresas a encontrarem soluções para a sua atividade e estes três meses mostram a capacidade de iniciativa dos empresários”, afirmou o vice-presidente da CIP, Óscar Gaspar, na apresentação dos resultados do inquérito.

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