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Após o ano ‘zen’, a turbulência pode estar de regresso

Os analistas estão de acordo: este ano vai trazer a volatilidade de volta aos mercados, embora ligeira. É preciso estar atento aos focos de instabilidade e adotar estratégias de defesa e oportunidade.
  • Simon Dawson/Reuters
10 Janeiro 2018, 07h35

Subidas fulgurantes, recordes sucessivos e ganhos em crescendo foram as principais tendências salientadas nas análises ao comportamento dos mercados financeiros em 2017. No entanto, outro fator passou, por ser menos visível, algo despercebido: a baixa volatilidade. Com a economia global a crescer de forma sustentada, a inflação moderada, os bancos centrais a demonstrarem cautela e os principais riscos geopolíticos a não passarem disso mesmo, os investidores não tiveram de navegar mares conturbados por flutuações rápidas nas cotações.

Para 2018, as previsões são de uma continuação dos ganhos, mas menos acentuados. Não há espaço, no entanto, para baixar a guarda. “Os mercados podem estar estranhamente calmos, mas não há falta de riscos”, avisam os analistas da gestora de ativos BlackRock, explicando que algumas dessas incertezas poderão levar a uma subida da volatilidade, após os recordes mínimos tocados em 2017 pelo VIX.

Muitas vezes referido como “o barómetro do medo dos investidores” este índice é o principal indicador de risco nos mercados. O Chicago Board Options Exchange calcula o índice, utilizando um espectro alargado de options (direitos de compra) sobre o índice acionista S&P 500, para calcular a volatilidade esperada pelo mercado para os 30 dias seguintes. Em julho do ano passado, o VIX tocou nos 8,84, longe pico de 89,53 registado no auge da crise financeira em outubro de 2008, e iniciou 2018 em 10,95.

“A volatilidade nos mercados de ações pode registar um acréscimo depois de 2017 ter sido um ano que confirmou mínimos históricos”, refere João Queiroz, diretor da banca online do Banco Carregosa. “A média da volatilidade poderia regressar aos 13/14 pontos se o cenário de aumentos da taxa de juro e ‘normalização’ do balanço da Reserva Federal se mantiver com o novo presidente”.

“O cenário central é que continue a pontilhar com picos rápidos aos 15/17 pontos e regresso aos 9/10 pontos, como aconteceu em 2017”, adianta.

Numa época de viragem em várias regiões – além da Reserva Federal, o Banco Central Europeu já iniciou o processo ao reduzir o programa de compras e o Banco de Inglaterra reage `às incertezas sobre o Brexit – é precisamente a política monetária que poderá fomentar a volatilidade.

A European Securities Network, rede que inclui o Caixa Banco de Investimento, salienta que “o mercado de ações tende a ser especialmente vulnerável à turbulência e às correcções no início de um ciclo mais restritivo antes de se aperceber que uma ‘renormalização’ da política monetária reflete uma saudável ‘renormalização do crescimento económico”.

Os analistas da ESN recordam que o último escalar da volatilidade no mercado ocorreu após a Fed começar a reduzir o programa de Quantitative Easing em 2014 e durou até ao aumento da taxa de juro no final de 2015.

Bolha de liquidez

Miguel Gomes Silva, head of Treasury and Trading do Montepio Geral, refere que “o raciocínio mais imediato levará a concluir que, ao longo de 2018, o VIX deverá fazer o seu caminho de reversão para a média, mais perto dos 20 pontos”.

Explica que “no entanto, o mercado já percebeu que os bancos centrais não pretendem causar grandes abalos nos mercados acionistas, pelo que a redução dos estímulos monetários deverá ser feita com ponderação, causando a mínima perturbação, logo, atenuando a volatilidade das bolsas de valores”.

Os analistas da Allianz Global Investors (GI) concordam que os bancos centrais deverão continuar a pender para o lado da cautela, mas isso não quer dizer que não existam riscos.

“Por mais cuidado que os bancos centrais possam ter ao ajustar as políticas monetárias, os efeitos são incertos”, alertam. Em certas classes de ativos, a escassez severa de liquidez poderá ocorrer sem grande aviso, pois os programas de compra de obrigações pelos bancos centrais criaram uma bolha de liquidez.

A ESN explica que “as correções significativas, e a volatilidade acentuada, costumam ser conduzidas por preocupações deflacionárias ou inflacionárias”. O facto de os investidores se terem mostrado pouco preocupados com qualquer um destes fenómenos contribui para a baixa volatilade em 2017.

“Os receios deflacionários diminuíram à medida que a economia global melhorou, mas os medos inflacionários ainda não apareceram”. Com os bancos centrais a lutarem para atingir as metas da inflação, vivemos num período interino “não-inflacionário”, algo que ajuda a limitar a volatilidade, segundo a ESN.

Sem sobressaltos?

Tal como aconteceu em 2017, os fatores geopolíticos não deverão perturbar a paz nos mercados.

“A não ser que aconteça algum evento extremo, como o agudizar da tensão entre os EUA e a Coreia do Norte, não se perspectiva que os mercados possam ter grandes sobressaltos inesperados”, refere Miguel Gomes Silva.

O gestor do Montepio explica que “apesar de 2018 ser importante para clarificar questões como a autonomia da Catalunha, as eleições em Itália e o Brexit, não são esperados acontecimentos passíveis de gerar altos e baixos na volatilidade, devendo ser uma subida gradual”.

Nesse contexto de escassez de riscos geopolíticos, são os activos tendo como subjacente as taxas de juro fixas que tenderão sofrer mais com a redução dos estímulos de política monetária e com um eventual cenário de anúncio de subida das taxas directoras por parte do BCE, sublinha.

“Neste âmbito, as obrigações de taxa fixa poderão ser as mais atingidas. Com a subida dos juros, também as ações poderão acusar algum aquecimento mas o bom desempenho das economias poderá atenuar algum efeito negativo”, adianta Gomes da Silva.

Além de perigo, a volatilidade oferece também oportunidade.

Os analistas da Allianz GI frisam que apesar da cautela dos bancos centrais, a mudança de políticas monetárias e subsequente quebras de liquidez (reais ou previstas) podem desencadear picos de volatilidade.

“Isto apresenta tanto risco como oportunidade para começar ou iniciar posições no mercado”.

“Um mercado que está com avaliações altas e em fim de ciclo como o dos EUA poderá ser motivo de preocupação. Por outro lado, o tapering do BCE e eventuais novos aumentos nas taxas de juro pelo Banco de Inglaterra podem criar oportunidades de compra”.

A gestora de ativos BlackRock recorda que os períodos longos de baixa volatilidade nos mercados acionistas são a regra e não a excepção e que o cenário atual de estabilidade em termos macroeconómicos sugere que há pouco risco de um regresso a um regime de volatilidade acentuada.

“O que é que está diferente agora? É que a volatilidade nas ações não está somente baixa, está mesmo muito baixa”, vinca.

“Isso quer dizer que estratégias populares baseadas em volatilidade ou em busca de yields em cantos ilíquidos do mercado de crédito estão vulneráveis mesmo a pico moderados na volatilidade”.

Por outro lado, a calma que dominou os mercados em 2017 poderá ter criado uma dependência´ arriscada.

Nos EUA, em outubro, mais de 2 biliões de dólares estavam investidos em estratégias que dependem da estabilidade no mercado para obter retornos, segundo estimativas da Artemis Capital, citadas pela agência Bloomberg.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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