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BCP protegido de OPA hostil por blindagem de votos a 30% e por capital robusto

Analistas comentam venda das ações do BCP: “Esta decisão pode ter sido uma tentativa de aproveitar a oportunidade para realizar mais-valias, numa altura em que o banco registou uma valorização significativa de mais de 130% durante o ano de 2023″, defende o analista da XTB, lembrando que as perspetivas macroeconómicas para o banco podem já não ser tão favoráveis, “criando assim uma janela de oportunidade para a realização de lucros”.
  • Cristina Bernardo
24 Janeiro 2024, 07h30

A redução da participação do maior acionista do BCP para 20,03% foi analisada por vários analistas, a pedido do Jornal Económico. Do lado dos corretores de bolsa, o foco da análise centrou-se nos motivos da queda de 6,75% das ações do banco liderado por Miguel Maya. que fecharam a sessão de terça-feira nos 0,2681 euros. Durante a sessão, chegaram a estar a cair 8%.

Já os analistas mais sectoriais avaliam a possibilidade de o BCP ser mais “opável”, depois de os dois maiores acionistas terem deixado de ter 50% para passarem a ter 40%. A Fosun tem agora uma participação equiparada à da Sonangol (que tem 19,49%) e, com isto, o núcleo duro de acionistas do maior banco privado português cai de quase 50% para cerca de 40%.

A redução da participação da chinesa Fosun no BCP de 30% para 20% pode ser vista como uma porta aberta para Ofertas Públicas de Aquisição (OPA), o que numa altura em que o BCE parece fomentar a concentração dos bancos, pode ganhar força.  Mas o BCP tem um limite de voto estatutário de 30%. Os estatutos referem que “não são contados os votos emitidos por um acionista, diretamente ou por representante, que excedam 30 % dos votos correspondentes ao capital social”.

A blindagem de votos não é facilmente destronada, pois os estatutos também dizem que as deliberações sobre a alteração dos estatutos devem ser aprovadas por dois terços  (66%) dos votos emitidos, quer a Assembleia reúna em primeira ou em segunda convocação e independentemente do número de acionistas presentes ou representados em qualquer delas.

Também as deliberações sobre a fusão, a cisão ou a transformação do BCP devem ser aprovadas por três quartos (75%) dos votos emitidos.

Portanto, uma OPA sobre o BCP seria difícil. Por outro lado, o banco está hoje com forte capitalização e com ratings que permitem acesso a liquidez, o que retira pressão à especulação de o banco ser peão de uma operação de M&A (fusões e aquisições).

Isso mesmo defende o analista de mercados Marco Silva, da CIS Assessment. “É de realçar que este movimento da Fosun em nada implica um cenário menos positivo para o BCP, a empresa está hoje bem melhor que há uma década e isso foi demonstrado com a procura na venda acelerada do bloco superior a 5% do BCP, efectuado na segunda-feira”, salientou ao JE.

Marco Silva também deu conta que já era facto conhecido, desde 2023, que a Fosun tinha necessidade de aliviar os rácios de alavancagem financeira. “Algo que logo na entrada da empresa em força no mercado nacional era óbvio que ia ocorrer assim que os juros subissem”, disse o analista, pelo que “não foi de estranhar a redução da participação da empresa no BCP, que já não é uma estreia, uma vez que no ano passado também fez um desinvestimento similar, mantendo no entanto, segundo a empresa, um mínimo de 20%, sendo que tal só será validado dependendo dos desenvolvimentos do comportamento financeiro da Fosun nos próximos meses”.

Já Filipe Garcia, da IMF – Informação de Mercados Financeiros, preferiu sublinhar, também em declarações ao JE, que “desenvolvimentos interessantes no mercado evidenciam que os dois principais acionistas do BCP não estão muito empenhados em continuarem a ser os players mais importantes do futuro do banco”.

Entre estes desenvolvimentos, enumerou o analista, “está o facto de a Fosun ter vendido um terço da sua posição – ao mesmo tempo que não rejeitou a intenção de vender mais no futuro – e as declarações recentes da Sonangol em como se quer manter acionista do BCP, mas está disponível para fusões”. “Por isso mesmo, a minha conclusão é que o controlo do BCP a longo prazo continua a ser um tema em cima da mesa, e neste momento com mais free float no mercado”, considerou.

Sobre a posição do BCE nesta questão, Filipe Garcia recordou que “o supervisor europeu tem dado a entender que prefere não ter entidades não europeias a deter capital dos bancos da UE”. E, acrescentou, “seja por comentários, seja por legislação em marcha, tem deixado mais clara a ideia de que olha favoravelmente para operações de consolidação bancária”. Ou seja: “o tema da estrutura acionista do BCP a longo prazo não pode deixar de ser visto à luz desta posição”, concluiu.

Em termos de valor em bolsa, aí sim, o impacto da venda das ações do BCP pela Fosun pode fazer estragos. “É relevante destacar que os títulos já estavam num período de consolidação nos últimos três meses, mantendo-se dentro da faixa de negociação entre 0,27 euros e 0,31 euros” salienta o analista da XTB Vítor Madeira, que sublinha que a venda exerceu uma “pressão adicional sobre o título, levando o preço novamente aos níveis mínimos registados em outubro de 2023”, refere.

O PSI foi esta terça-feira o índice europeu mais castigado, devido à queda das ações do BCP, depois de a Fosun ter comunicado uma colocação acelerada de títulos do banco, reduzindo a sua participação para cerca de 20%. Isto é, depois de a Fosun ter vendido 860 milhões de ações do BCP fora de bolsa a 0,278 euros, o que traduz um desconto de 3,3% face ao fecho de cotação do dia anterior.

As ações do banco liderado por Miguel Maya fecharam esta terça-feira nos 0,2681 euros, abaixo do valor de venda da Fosun, e a traduzirem uma queda de 6,75% face ao fecho do dia anterior.

Sobre a queda das ações do BCP, Vítor Madeira, analista da XTB, disse ao Jornal Económico que a decisão estratégica da Fosun de realizar uma “venda rápida” para investidores privados teve um impacto significativo na cotação das ações, resultando numa queda de mais de 7% na cotação dos títulos que foram vendidas a “desconto”.

“Nesta altura, o preço encontra-se muito próximo de um suporte técnico importante e, caso ocorra uma quebra em baixa, poderá levar as ações do BCP a cair ainda mais”, alerta Vítor Madeira.

Por outro lado, refere, “a incapacidade do preço em quebrar para novos máximos relativos sugere a possibilidade de existirem razões estruturais subjacentes”. No entanto, acrescenta, “é importante notar que é prematuro confirmar este cenário”.

O analista da XTB diz que “é digno de nota que, mesmo considerando o contexto atual, a Fosun continua a ser um dos principais acionistas, juntamente com a Sonangol”.

“Esta decisão pode ter sido uma tentativa de aproveitar a oportunidade para realizar mais-valias, numa altura em que o banco registou uma valorização significativa de mais de 130% durante o ano de 2023”, acrescenta.

“Além disso, as perspetivas macroeconómicas para o banco podem já não ser tão favoráveis, criando assim uma janela de oportunidade para a realização de lucros”, analisa Vítor Madeira.

Por sua vez Mário Martins, analista da ActivTrades, diz que a venda de ações do BCP pelo acionista chinês já não é a primeira do ciclo de desinvestimento, referindo-se ao facto de a Fosun, acionista maioritário, ter agora avançado com a venda de 5,6% do BCP, mas de antes, no segundo semestre do ano passado, já ter alienado 4,31% do capital. “Contudo a Fosun pretende para já manter uma posição superior a 20% no banco nacional, não sendo claro se terá ou não necessidade de reduzir mais os seus investimentos, dependerá de como a situação financeira da empresa evoluir nos próximos meses”, refere o analista da ActivTrades.

Questionado sobre qual a razão desta queda, Mário Martins diz mesmo que “era expectável que a Fosun tivesse a necessidade de reduzir posições no seu portfólio, tendo em conta a enorme alavancagem financeira que tem e o período mais difícil que o mercado na China atravessa, para além dos custos financeiros atuais bem mais elevados do serviço da dívida, fruto da subida dos juros a nível global”.

“A venda de um bloco importante de ações de qualquer empresa, por parte de um acionista de referência é sempre, no curto-prazo, um catalisador negativo para os títulos dessa empresa, contudo não há de momento qualquer sinal de alarme, até porque o BCP está hoje muito mais bem posicionado financeiramente do que há uma década, sendo uma operação rentável e interessante para o mercado de capitais, daí que a operação de venda agora efetuada pela Fosun tenha tido sucesso, não obstante a rapidez com que foi efetuada”, defende o analista da ActivTrades.

Até onde poderá ir esta queda? Para a corretora ActivTrades, a queda das ações do BCP “deverá ter uma expressão limitada, o mais importante no médio longo prazo é a qualidade do negócio do banco e não a redução parcial de uma posição por parte de um investidor”.

É de salientar que uma casa de investimento citada pelo Jornal de Negócios, o Bestinver, emitiu uma nota onde revela estar menos otimista quanto ao desempenho das ações do BCP ao longo dos próximos 12 meses. O banco espanhol desceu o preço-alvo do BCP de 0,42 para 0,40 euros, segundo uma nota de “research” noticiada pela Bloomberg, sendo que esta revisão em baixa dá-se um dia depois de o BCP ter comunicado que a Fosun, acionista maioritário, avançou com a venda de 5,6% do capital.

Julien Grandjean, diretor do grupo de Instituições Financeiras da Fitch Ratings, questionado pelo Jornal Económico após o anúncio da operação, disse que não vê que a redução da participação estratégica da Fosun enfraqueça a estrutura acionista do BCP. “Em primeiro lugar, porque a Fosun só está a vender 5,6% e continuará a ser um acionista de referência, pelo que não me parece que esta venda indique uma redução da confiança da Fosun no modelo de negócio do BCP”, referiu.

“Em segundo lugar, na nossa opinião, a participação da Fosun sempre foi neutra em relação ao perfil de crédito do BCP. Mesmo que consideremos que a Fosun apoiou a gestão do banco na execução da estratégia, nunca incluímos qualquer apoio da Fosun nas nossas notações”, acrescentou o responsável da Fitch.

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