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BE insiste e solicita relatório secreto sobre caso BES ao novo governador Mário Centeno

BE insiste em relatório secreto sobre atuação de BdP em relação ao banco da família Espírito Santo, após várias recusas na entrega ao Parlamento por parte de antigo governador. Carlos Costa não quis desclassificar “ficheiro secreto”. A deputada bloquista, Mariana Mortágua, pede agora ao seu sucessor que envie documento à Assembleia da República, pegando nas palavras de Centeno de que “o Banco de Portugal não pode viver numa torre de marfim”.
  • Cristina Bernardo
23 Julho 2020, 18h25

O Bloco de Esquerda voltou a requer as conclusões do documento, com cerca de 600 páginas, apontam para críticas à atuação do antigo governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, mas também do anterior, Vítor Constâncio, em relação ao banco da família Espírito Santo que veio a ser alvo de uma resolução em agosto de 2014. O pedido seguiu para o novo governador, Mário Centeno, através de um requerimento do BE que deu entrada no Paramento nesta quinta-feira, 23 de julho, no Parlamento. E surge depois do ex-ministro das Finanças ter sinalizado na sua tomada de posse como governador que “o Banco de Portugal não pode viver numa torre de marfim”.

“Na audição que antecedeu a sua nomeação, o atual governador do BdP, Mário Centeno, declarou que o Banco de Portugal não pode viver numa torre de marfim. Assim, tendo em conta a importância da divulgação deste relatório para o escrutínio da atividade do Banco de Portugal, em particular da sua intervenção no caso GES, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda vem, mais uma vez, requerer o seu envio à Assembleia da República”, lê-se no requerimento a que o JE teve acesso, onde Mariana Mortágua solicita o envio à Assembleia da República do relatório do trabalho de auditoria à intervenção do BdP no caso GES.

A deputada do BE recorda que, segundo declarações públicas do primeiro-ministro durante um debate quinzenal em março de 2019, também o governo tentou ter acesso ao documento, tendo o mesmo sido negado pelo BdP.

E realça: “não é claro, até hoje, que utilização foi dada ao relatório em causa ou quem a ele teve acesso. Segundo o ex-governador, o documento teria sido partilhado com a administração nesse processo de avaliação. Esse facto não foi confirmado por João Costa Pinto, coordenador da auditoria e ex-presidente da Comissão de Auditoria do Banco de Portugal, que afirmou, na segunda Comissão de Inquérito à CGD, que ‘o relatório pode ser de grande utilidade para tirar lições que evitem a repetição de erros passados’, entendendo, no entanto, que cabia ao então governador decidir pela sua divulgação”.

No requerimento, a deputada do BE salienta que, tendo em conta as conclusões da Comissão de Inquérito ao BES, que apontaram várias falhas à atuação do supervisor, o Grupo Parlamentar Bloco de Esquerda requereu por diversas vezes o envio dessa auditoria à Assembleia da República. “Considerámos, nessa altura como hoje, que o estatuto de independência do Banco de Portugal não pode ser abusivamente invocado para impedir o necessário escrutínio da sua ação junto do sistema bancário. Apesar das várias insistências e tentativas, o propósito do Bloco de Esquerda, corroborado por outros grupos parlamentares, nomeadamente o do PS, foi sempre travado pelo antigo Governador, Carlos Costa, que considerou tratar-se de ‘uma reflexão interna… Um documento interno, para uso interno, com várias peças. Foi pedido pelo governador [o próprio Carlos Costa] e para o governador e não tenho de dar mais explicações’”, conclui.

Este é um dos documentos que tanto os socialistas como os bloquistas pediram para ter acesso no âmbito da nova CPI à CGD, criada, no ano passado, após a divulgação do relatório de auditoria da EY à gestão da Caixa entre 2000 e 2015, que concluiu por perdas de 1.647 milhões de euros em 186 operações de crédito que acabaram por se revelar ruinosas. Este relatório também já foi pedido em tribunal pelo antigo líder do banco, Ricardo Salgado.

A missão da comissão

O relatório sobre a atuação do regulador no caso BES resulta da criação de uma comissão de avaliação determinada pelo governador do BdP na sequência do processo que conduziu à aplicação da medida de resolução ao BES, a 3 de agosto de 2014 e à injecção de 4,9 mil milhões de euros banco que resultou do colapso da instituição que foi liderada por Ricardo Salgado. Esta comissão foi incumbida de avaliar a atuação do BdP nos três anos que antecederam a aplicação da medida de resolução ao BES para “apurar eventuais deficiências e oportunidades de melhoria na organização e nos processos de supervisão”.

Sem nunca ter divulgado o relatório, o BdP apenas assumiu, após a sua conclusão, que deverá no futuro ter uma especial preocupação em tomar “decisões de supervisão de forma mais tempestiva e determinada, mesmo que tal implique um maior risco de litigância”. Uma lição tirada pelo supervisor no âmbito da sua atuação no caso BES, que consta entre as 19 recomendações que resultam da auditoria interna realizada após a queda do banco.

Esta comissão de avaliação foi presidida pelo presidente do conselho de auditoria do BdP, João Costa Pinto, e integrou os consultores do supervisor Maximiano Pinheiro e Norberto Rosa. Recorde-se que este último antigo consultor do BdP foi também administrador da CGD (entre 2005 e 2010) e protagonizou o caso mais recente de um ex-gestor da Caixa que precisava do aval do BCE para desempenhar funções bancárias. Este ex-gestor da Caixa chegou a estar seis meses à espera de luz verde do BCE para integrar a equipa do BCP, na qual estava apontado para o cargo de presidente da Comissão de Auditoria do BCP, e acabou por desistir.

Relatório tem “grande utilidade”, disse autor do relatório

O governador, Carlos Costa, pediu que se fizesse uma avaliação à atuação do supervisor no processo de resolução do BES. Essa tarefa foi entregue a uma comissão liderada por João Costa Pinto e concluída em 2016 com o apoio da Boston Consulting Group. O antigo presidente da comissão de auditoria do Banco de Portugal, João Costa Pinto, considerou no ano passado, no Parlamento, que o relatório tem “grande utilidade” mas não quis afirmar diretamente sobre se entendia que esse documento deveria ser revelado no âmbito da II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco.

João Costa Pinto considerou: “não penso que por ter presidido à comissão que elaborou o relatório deva ser eu a publicitar o seu conteúdo. Sinto que não devo nem posso fazer e isso depende da decisão de quem tem o relatório”, dando conta de que o documento não passou pelo conselho de administração do BdP.

O antigo governador, Carlos Costa, disse no Parlamento, a 27 de março de 2019, que o documento “é uma reflexão que tem documentos de uso interno”. Detalhou que essa reflexão foi pedida “pelo governador para o governador e não tenha que dar outra explicação”. Carlos Costa defende-se dos requerimentos de acesso ao documento com as “regras do sistema dos bancos centrais”. E afirmou que o “governador é órgão em si próprio e cabe-lhe a ele defender a instituição”.

O Banco de Portugal pagou, em 2015, 910 mil euros a esta entidade para prestar serviços de consultoria para avaliação, segundo informação constante no portal BASE.

Vários pedidos, várias recusas

No início de março do ano passado, o JE noticiou que o PS juntou-se ao BE e no pedido do relatório interno que avaliou a actuação do Banco de Portugal no caso BES. Enquanto bloquistas pretendiam analisar falhas do supervisor que poderão ser extensíveis à CGD, os socialistas exigem auditoria secreta para avaliar exposição da CGD ao BES.

Os partidos, tal como o CDS, queriam ter acesso ao relatório interno que avaliou a actuação do supervisor no caso BES, para confrontarem o governador do BdP na nova CPI à gestão da Caixa que pretendia ir mais longe do que a anterior no apuramento dos factos que provocaram perdas de milhões de euros no banco público.

O relatório secreto foi solicitado pela comissão parlamentar de inquérito ao BES que o supervisor não quis entregar em 2015. E foi novamente pedido, no ano seguinte, pelos deputados de esquerda na comissão de inquérito ao caso Banif. O documento foi elaborado pela Comissão de avaliação às decisões e à actuação do Banco de Portugal na supervisão do BES, com o apoio técnico da consultora BCG. E que nunca chegou a ver a luz do dia

O BdP defendeu, na altura, que não tem de disponibilizar “informações ou documentos cujo conteúdo não tenham conexão com a medida de resolução”, pelo que os considerou sujeitos a “segredo profissional”. Um argumento que será agora mais difícil de utilizar face à nova lei de transparência bancária que vai obrigar os bancos a enviarem informação sob sigilo bancário e profissional para as comissões de inquérito e deverá ser útil à nova comissão de inquérito à gestão da CGD.

A lei que determina a divulgação de grandes devedores da banca e reforço do controlo parlamentar no acesso a informação bancária e de supervisão prevê o “acesso a informação por comissão parlamentar de inquérito”, sobre “transparência sobre operações de capitalização de instituições de crédito com recurso a fundos públicos” e “recolha e comunicação à Assembleia da República da informação relevante”.

Ou seja, a nova lei passou a prever especificamente que o Banco de Portugal troque informações no âmbito de inquéritos parlamentares cujo objeto inclua especificamente a investigação ou exame das ações das autoridades responsáveis pela supervisão das instituições de crédito.

A auto-avaliação feita pelo BdP no caso BES deixa críticas à actuação do supervisor e aponta falhas no acompanhamento feito ao banco, revelou ao Jornal Económico fonte próxima ao processo, confirmando as dúvidas deixadas pela comissão de avaliação interna, noticiadas pelo Jornal de Negócios a 23 de março de 2016, data em que deu conta que o relatório conhecido como Costa Pinto, herdando o nome do presidente do conselho de auditoria do regulador que o liderou, vão até ao início da década passada.

 

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