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Fim da alta das taxas de juro está à vista mas sistema monetário pode ter momento difícil

Há sempre um ‘mas’. Os países desenvolvidos não estão todos alinhados no mesmo ponto do combate à inflação e isso pode colocar em causa uma saída controlada da crise e uma ‘aterragem suave’, destaca relatório da consultora Abrdn.
26 Abril 2024, 10h47

O fim do combate à inflação está à vista – pelo menos no que se refere à Reserva Federal norte-americana – mas isso pode ser apenas o começo de mais um momento difícil para o sistema monetário. Álvaro Antón, Country Head da consultora Abrdn, Península Ibérica, explica porquê. É que a inflação voltou a subir no início deste ano em muitas economias. “Este aumento reflete em parte distorções sazonais e questões metodológicas. Mas a força do crescimento salarial e a inflação dos serviços básicos, juntamente com um aumento acentuado nas taxas de frete marítimo, significam que muitos bancos centrais importantes ainda não estão preparados para cortar as taxas de juro”.

Contudo, as taxas de inflação homólogas deverão cair para perto da meta em meados do ano em muitas economias. “Embora a inflação dos serviços básicos seja forte, o crescimento dos preços deverá em breve moderar-se nos EUA, enquanto o crescimento dos salários está a diminuir gradualmente e as expectativas de inflação permanecem bem ancoradas em quase todos os mercados desenvolvidos”.

A desinflação também continua em geral nos mercados emergentes, ajudada pela política monetária restritiva. “Mas também aqui existem riscos claros” a curto prazo, incluindo o impacto climático do El Niño ou a volatilidade geopolítica que faz subir os preços dos alimentos.

“Pensamos que a economia dos EUA está a caminhar para uma ‘aterragem suave’ – isto é, a inflação pode ser controlada sem uma recessão. A solidez financeira das famílias e das empresas sugere que o impacto máximo das taxas de juro mais elevadas já passou. Entretanto, o progresso na redução da inflação significa que uma recessão não é necessária para arrefecer as pressões sobre os preços”, refere Antón.

No entanto, muitos dos fatores registados nos EUA – poupanças das famílias, apoio fiscal, aumento das taxas de participação no trabalho, recuperação da produtividade – deverão desaparecer em 2024. “Assim, esperamos que o ritmo de crescimento dos EUA diminua este ano”.

Por outro lado, o Reino Unido e a Zona Euro “deverão emergir lentamente de condições semelhantes às da recessão em 2024, ajudados pelo crescimento positivo dos salários reais. Mas a Alemanha continuará a lutar contra os obstáculos cíclicos e estruturais ao seu modelo de crescimento”.

Neste quadro, “esperamos que os principais bancos centrais dos mercados desenvolvidos comecem a reduzir as taxas de juro em meados deste ano. A Reserva Federal (Fed), o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco de Inglaterra poderão fazer, cada um, um corte inicial em junho”.

“Esperamos um cumulativo de 100 pontos base (bps), ou 1 ponto percentual, de cortes nas taxas dos fundos federais este ano e mais 125 pontos base em 2025. A nossa avaliação da trajetória das taxas de equilíbrio coloca o eventual ponto final dos ciclos de corte em cerca de 2 %-3%”.

O Banco do Japão (BoJ) será uma exceção – como aliás tem sido até aqui. “É certo que os dados pintam um quadro misto sobre a sustentabilidade da saída do Japão de uma inflação baixa. O Banco Central do Japão deverá abandonar as taxas de juro negativas e o controlo da curva de rendimentos este ano.

Nos mercados emergentes, “o arrefecimento da inflação e um ponto de partida elevado para as taxas reais abrem espaço para cortes nas taxas. A flexibilização da política monetária está bem encaminhada na América Latina, embora os cortes no México possam esperar até que a Fed tome medidas. Entretanto, os bancos centrais asiáticos não aumentaram de forma tão agressiva e o crescimento está a aguentar-se melhor em grande parte da região, mas as taxas ainda deverão ser reduzidas ainda este ano”.

A política chinesa continua a abrandar, com intervenções recentes destinadas a reforçar os mercados acionistas fracos. Contudo, a atividade imobiliária e os preços dos imóveis mostram uma descida contínua. O desejo de manter a linha de redução de risco significa que estes ventos contrários podem continuar a superar as medidas de estímulo.

“Prevemos que o crescimento do PIB em 2024 ficará abaixo da meta de 5%. Dito isto, as preocupações com a “japonificação” – medo de um período de estagnação económica que durará décadas – são exageradas, com a dinâmica da inflação subjacente menos preocupante do que os números deflacionistas”.

Por outro lado, embora o crescimento indiano desacelere em relação à taxa inebriante de 2023, ainda deverá apresentar um desempenho superior ao crescimento global, graças a ventos estruturais favoráveis. A dinâmica das reformas e evitar o proteccionismo após a quase certa reeleição do primeiro-ministro Narendra Modi este ano são fundamentais para impulsionar ainda mais a economia.

EUA: Eleições são fonte de incerteza

As eleições nos EUA são uma fonte de incerteza significativa. A tarifa generalizada de 10% proposta pelo ex-presidente Donald Trump e a tarifa de 60% sobre a China afetariam o comércio e o sentimento globais, impulsionariam a inflação nos EUA para cima e o crescimento para baixo. “A potencial flexibilização fiscal poderá apoiar o crescimento, mas também exercer pressão ascendente sobre as taxas de juro”, refere o analista.

Em termos de outros cenários macro importantes, a probabilidade de uma “aterragem brusca” nos EUA é ainda mais elevada do que num ano típico, especialmente à medida que os ventos favoráveis da poupança elevada e do forte crescimento do lado da oferta se desvanecem.

Por outro lado, a recente força da atividade nos EUA também pode apontar para uma ‘não aterragem’ global – o crescimento permanece bem acima da tendência e a inflação reacelera. “Neste cenário, a política teria de permanecer mais restritiva durante mais tempo e a próxima mudança nas taxas de juro poderia ser mais elevada. No curto prazo, o mercado avaliaria isto como uma ‘reflação’, mas poderia causar uma desaceleração mais pronunciada no futuro”.

Um cenário mais inequivocamente positivo seria uma melhoria na oferta global, em que a tendência de crescimento aumentasse. “Isto pode ser impulsionado por ganhos de produtividade mais cedo do que o esperado provenientes da inteligência artificial (IA), permitindo a continuação de um forte crescimento sem um aumento da inflação. Neste caso, a política monetária ainda seria mais flexível este ano, mas as taxas de juro de equilíbrio de longo prazo subiriam”, conclui Álvaro Antón.

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