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CPI ao Novo Banco: Garantia soberana de Angola não foi considerada por não sido “feita prova da sua elegibilidade”, diz Carlos Costa

O antigo governador do Banco e Portugal (BdP) assegurou hoje no Parlamento que não foi feita prova dos pressupostos da elegibilidade garantia soberana que Angola deu ao Banco Espírito Santo Angola (BESA) no final de 2013, no valor de 5,7 mil milhões de dólares. O objetivo desta garantia, diz Carlos Costa, era reduzir as exigências de capitais próprios do BES.
17 Maio 2021, 17h38

O antigo governador do Banco e Portugal (BdP) assegurou nesta segunda-feira, 17 de maio, no Parlamento que reduzir a necessidade de capitais próprios do BES era o objetivo da garantia soberana que Angola deu ao Banco Espírito Santo Angola (BESA) no final de 2013, no valor de 5,7 mil milhões de dólares, e que Ricardo Salgado tem vindo a acusar as autoridades portuguesas de terem deitado fora, penalizando o banco de que era presidente. Mas, segundo Carlos Costa, garantia acabou por não ser considerada por não ter sido feita prova da sua elegibilidade.

“A garantia soberana se fosse aceite pelo Banco de Portugal reduzia as exigências de capitais próprios do BES. Não foi considerada para efeitos prudenciais, enquanto não fosse feita prova da sua elegibilidade”, afirmou hoje no Parlamento o antigo governador do BdP, Carlos Costa, onde está a ser ouvido na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução. Na sua intervenção inicial, o antigo governador fez questão de salientar que já depôs sobre o BES e Novo Banco 12 vezes da Assembleia da República – mais de 70 horas, acrescentando ao presidente da CPI, Fernando Negrão, antes desta sessão, que já foi ouvido sobre os mais variados temas cerca de 50 vezes.

Em resposta ao deputado do PS, João Paulo Correia, quanto à razão por que não foi considerada a garantia soberana, Carlos Costa atira: “o objetivo dessa garantia podia ser reduzir a necessidade de capitais próprios do BES. Não foi considerada porque não teve a verificação dos princípios dos pressupostos da elegibilidade da garantia”.

Sobre a garantia angolana, João Paulo Correia recordou que algumas entidades asseguraram na CPI que era uma garantia “política”, dado que garantias de Estado são negociadas no plano político, questionando Carlos Costa: “Confirma?”. Em resposta, o antigo governador assegurou que “o Banco de Portugal não tinha de validar a garantia ou não, o que tinha de verificar era se do ponto de vista prudencial era se dispunha de informação para saber se aquela garantia podia ser tida em conta para uma equivalência de tratamento em termos de risco”. Explica aqui que como não foram entregues ao Banco de Portugal os elementos que eram necessários para o efeito, “o Banco de Portugal não pôde, não poderia, não deu essa equivalência”.

Já o presidente da CPI, Fernando Negrão, questionou Carlos Costa sobre se alguma vez disse no Parlamento que a garantia soberana cobria a carteira de créditos, tendo, em resposta, o ex-governador afirmado que esta garantia ”por definição cobria a carteira de créditos que constavam dos anexos que nós nunca vimos. Há uma grande contradição entre o texto principal que refere os anexos, que nunca vimos”.

Ao deputado social-democrata explicou ainda que no final de junho de 2014 (poucos dias antes da resolução), “o Banco Nacional de Angola decidiu expurgar alguns créditos porque não eram elegíveis”.

Recorde-se que uma carta do Ministério das Finanças angolano enviada ao BdP informava claramente que a garantia servia para cobrir um “conjunto de créditos em dívida”. Ou seja, e aqueles créditos não tivessem problemas não seria preciso acionar uma garantia (de 5,7 mil milhões de dólares). Também Sikander Sattar, presidente da KPMG, esclareceu, apos a resolução do BES, que nas contas anuais de 2013 a garantia de Angola servira precisamente para que não fosse necessário constituir uma provisão sobre os créditos de cobrança duvidosa.

No início de 2014, o Banco de Portugal mostrou estar reticente em aceitar a validade da garantia, conforme cartas publicadas após a resolução do banco que comprovam. Luanda acabou por esclarecer que a garantia não estava sujeita a condições e era acionável diretamente. Com essas informações, a auditora do BES, a KPMG, passou a não considerar o problema de Angola nas contas do BES. E o Banco de Portugal considerou que o isolamento (“ring fencing”) do BES a Angola estava conseguido.

Carlos Costa está a ser ouvido nesta segunda-feira à tarde. Liderava o Banco de Portugal quando este descobriu as contas falsas da Espírito Santo International (ESI). Impôs o ring-fencing do banco então liderado por Ricardo Salgado numa tentativa de salvar o Banco Espírito Santo da falência em cadeia das holdings que o detinham, sem sucesso. Carlos Costa é o protagonista da resolução do BES, da criação do Novo Banco, é o protagonista da retransmissão das obrigações séniores que estavam nas mãos de grandes fundos institucionais, do NB para o BES, no fim de 2015 e é no seu mandato como Governador que o Novo Banco é vendido à Lone Star.

O antigo governador do Banco de Portugal devia ter sido ouvido no início da comissão de inquérito ao Novo Banco, mas acabou por pedir um adiamento devido à situação pandémica. O chamado relatório “Costa Pinto” é um dos temas que estará na mira dos deputados, num documento que deixou várias críticas à supervisão do regulador ao BES e que o ex-governador sempre recusou entregar ao Parlamento. O relatório acabou por ser enviado ao Parlamento pelo seu sucessor, Mário Centeno.

Nessa auditoria — cujo acesso ao público vinha sendo negado há quase seis anos e o conteúdo acabou por ser divulgado recentemente pelo jornal Observador –, há críticas à ação do supervisor bancário: o Banco de Portugal tinha conhecimento dos problemas do Banco Espírito Santo e até tinha poderes para fazer mais e mais cedo com a auditoria a identificar a “tolerância do Banco de Portugal” em relação a problemas com acumulação de funções nos órgãos de gestão do grupo financeiro, em outras sociedades do grupo financeiro e em outras sociedades não-financeiras, que se foram “agravando consideravelmente” a partir de 2002. Havia um “claro conflito de interesses” que “era do conhecimento do Banco de Portugal”, conclui o relatório, citado pelo Observador.

Também em março a audição a João Costa Pinto, que foi escolhido pelo ex-Governador Carlos Costa para fazer a autópsia à atuação do Banco de Portugal no BES desvendou o conteúdo de um relatório que está sob sigilo profissional por decisão judicial.

“Estava perfeitamente ao alcance do Banco de Portugal a limitação ou proibição de forma estrita do financiamento do BES à Espírito Santo Financial Group (ESFG) e às filiais para as quais havia dificuldade de acesso a informação”, diz o relatório citado pelos deputados na CPI ao Novo Banco.

O antigo presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal concorda que uma atuação atempada da supervisão “podia ter travado este processo. Porque não o fez? É a grande questão”.

As audições da Comissão Parlamentar de Inquérito estão previstas concluir em junho.

 

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