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APREN: impugnação da maior central solar é “bizarra” e hidrogénio “não está a arrefecer”

Depois do projeto da Engie/Shell ter sido cancelado em Sines, Pedro Amaral Jorge diz que não há um “arrefecimento do interesse pelo hidrogénio verde”, mas sim um “arrefecimento” nos projetos focados na exportação. Impugnação da central com 1,2 gigas é “estranho”.
15 Abril 2024, 07h30

Estado português contra o Estado português. O Ministério Público pediu a impugnação da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente no projeto para a maior central solar do país.

Os licenciamentos são o calcanhar de Aquiles do sector energético em Portugal, com os promotores a queixarem-se da demora na aprovação de projetos e também do nível de exigência.

Em entrevista ao Jornal Económico, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), Pedro Amaral Jorge, estranha que tenha sido pedida a impugnação da decisão ambiental, que foi alvo de exigente autorização ambiental, que envolve a central Fernando Pessoa da Iberdrola e Prosolia com 1.200 megawatts, num investimento de 800 milhões de euros em Santiago do Cacém, distrito de Setúbal.

Como é público, o Ministério Público apresentou um requerimento a criticar a Declaração de Impacte Ambiental emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) na maior central solar do país, em Santiago do Cacém. O projeto continua e não há nenhuma decisão judicial, mas como é que olha para este tema, ou seja, de haver aqui uma judicialização das decisões ambientais emitidas por autoridades do Estado?

Não tenho sequer competência jurídica para fazer essa análise. Pareceu-me um pouco bizarro. O processo foi feito dentro do cumprimento da lei. Se alguma coisa não está correta e precisa de ser corrigida, corrija-se. Parece uma coisa bizarra.

Parece-me que estar a pôr em questão uma decisão que a APA tomou, num projeto que tem um conjunto de complexidades, um conjunto de sensibilidades e que elas têm que ser todas acauteladas. Parece-me um pouco estranho… é estranho que se esteja a impugnar a APA por uma decisão que tomou de atribuir um licenciamento ambiental. Sabendo nós que depois aquilo passa pela comissão de avaliação, tem não sei quantas entidades que se pronunciam. É um pouco imperceptível.

Os promotores queixam-se que os licenciamentos são difíceis e está a ser criada na opinião pública a ideia de que são fáceis…

…. e os licenciamentos são muito difíceis. Qualquer licenciamento neste momento, seja de uma central fotovoltaica, seja de um repowering, de uma central eólica, seja para a instalação de baterias… os licenciamentos são difíceis e no cumprimento da lei, têm que ser. A lei tem que ser cumprida, a lei tem que ser respeitada, a biodiversidade tem que ser preservada. Agora, quando as entidades competentes pela República fazem o seu trabalho e nós questionamos que elas não estão a fazer o seu trabalho, também parece um pouco estranho.

A ministra Maria de Graça Carvalho disse há alguns meses, ainda não era ministra, que não gostava muito de centrais solares muito grandes. Acha que esta tendência das giga-centrais irá continuar?

Vamos voltar ao PNEC 2030. Não é possível instalar 20 gigawatts de fotovoltaico em autoconsumo, nem descentralizado, portanto, e o equilíbrio do sistema elétrico tem uma quantidade de consumos que não podem e não vão ser supridos em autoconsumo… eu não vejo alternativa se quisermos ter uma matriz resiliente elétrica durante o dia… Agora, o que é que é uma mega central? É um conceito que temos que vir a discutir no futuro. Mas as que foram licenciadas em Espanha… não estamos a fazer as coisas muito diferentes daquilo que foi feito lá.

Olhando para o hidrogénio verde, houve um consórcio que desistiu do projecto em Sines recentemente, da Engie/Shell. Acredita que a ambição no hidrogénio vai recuar depois desta desistência? Isto pode marcar uma tendência?

Quando fechámos o Repower EU, que a Comissão Europeia definiu com o apoio de todos os estados-membros, é que precisávamos de 20 milhões de toneladas de hidrogénio verde até 2030 e foram montadas estruturas foram criados procedimentos, foram definidas políticas por forma a que isto aconteça. A desistência deste projeto, que estava ligado à exportação, e tendo em conta que já temos mais conhecimento hoje do que tínhamos em 2019, percebemos que a componente de exportar hidrogénio pode tornar a utilização do hidrogénio anti-económica. E para Portugal também faz mais sentido utilizar o hidrogénio como matéria-prima e vender serviços de valor acrescentado ou produtos de valor acrescentado, beneficiando dos custos energia baixo. Estou convencido que aquilo que é a contribuição que Portugal tem que dar para o Repower EU quer na eletricidade, quer nos gases renováveis, quer nos combustíveis renováveis de origem não biológica, vai ter que ser mantido. Não vejo um arrefecimento do interesse na produção de hidrogénio, se mantivermos a política que mantivemos até agora em termos europeus: vamos restringir as licenças de emissão; vamos caminhar no sentido da descarbonização; vamos caminhar no sentido da resiliência do sector elétrico; vamos caminhar no sentido da dependência energética. Tudo o que vem de acordo com os pacotes Fit for 55 e Repower EU. Assim sendo, não vejo um arrefecimento do interesse pelo hidrogénio, vejo provavelmente o arrefecimento em projetos específicos cujo grande objetivo e único do hidrogénio era para exportação.

O licenciamento é uma das questões do sector. O Governo anunciou o portal único. Acredita que a situação pode vir a melhorar?

A lógica que temos desde o início, e que está prevista no decreto-Lei 15/22, é a plataforma eletrónica. A plataforma eletrónica é a interface com que isto tem que ser feito, porque é muito mais fácil os promotores terem um ponto único de entrega. E, do balcão de entrega para trás, o Estado reunir com todas as suas entidades competentes e entre elas chegar a uma solução e ter um canal único, do que ter o próprio promotor a interagir com uma quantidade de entidades. Do ponto de vista da otimização de processos e de procedimentos, isso parece-me lógico. Agora precisamos ver a efetividade, porque para isso acontecer temos que reforçar as capacidades dessas entidades afetas a esse licenciamento. Temos que reforçar a APA, a DGEG, as CCDR, as câmaras municipais para efetivamente conseguirmos tratar de todos estes procedimentos em curso porque a transição energética não acaba em 2030, que é só a primeira meta. Depois faltam os outros 20 anos em que temos coisas para fazer. Temos as metas em termos europeias do Net Zero em 50, Portugal desceu para 2045. Portanto, não é que esta capacidade se vai instalar e depois não vai ser necessária, vai continuar a ser necessária. Digitalização, algoritmos de Inteligência Artificia, otimização de processos, organizações desenhadas: isto terá que estar tudo alinhado com os desígnios da transição energética.

Quem licencia projetos queixa-se muito dos atrasos nas câmaras municipais…

Eu acho que as câmaras são a entidade do poder local que mais dificuldade tem em adequar os seus recursos à quantidade de licenças de construção que tem que atribuir. Aminha modesta opinião é que não é um problema que possa ser resolvido por município a município, porque há uma assimetria de capacidade entre os municípios. Dentro dessa lógica do balcão único, tem que se criar uma capacidade municipal que tente homogeneizar dentro de quanto for possível o tratamento destes processos e conseguir utilizar as competências que sejam disponíveis a nível nacional. Não há diferença nenhuma entre ter um parque fotovoltaico ou uma central fotovoltaica em Évora, ou em Beja ou em Estremoz. Quer dizer, é o mesmo enquadramento ou um parque eólico, ou no Minho ou na Beira. Temos efetivamente que enquadrar aqui uma solução para que estas coisas se consigam efetivamente empurrar no sentido certo de conseguirmos chegar a transição energética. Basicamente é essa a nossa grande preocupação. O problema da Ucrânia não passou. Arranjámos substituições ao problema energético. Mas tivemos um verão, um inverno e um outono com um índice hídrico anormal, no bom sentido. Se fossem em 2022, não teríamos esta abundância hídrica e estaríamos a discutir outra vez a subida dos preços do gás. O inverno não foi rigoroso e houve muita chuva.

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