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Manipulação no crude? EUA e Reino Unido investigam

Informações privilegiadas sobre negociações entre Rússia e OPEP+ podem ter dado ganhos de centenas de milhões de dólares com apostas ilegais.
26 Abril 2020, 19h30

Houve manipulação no petróleo, utilizando informações privilegiadas sobre a estratégia que a Rússia seguiu para chegar a um acordo entre os países da OPEP+ no sentido de cortarem a produção em quase 10 milhões de barris de petróleo por dia? Refere a Bloomberg que há autoridades de supervisão e organismos de investigação judiciária a analisar o assunto.

O Jornal Económico colocou a questão ao presidente da petrolífera Partex, António Costa Silva, e ao advogado Agostinho Pereira de Miranda, especialista em petróleos. Costa Silva considera que “este é um assunto que deve ser investigado de forma a apurar se houve ganhos ilícitos obtidos com informações privilegiadas que possam ter sido utilizadas para especular no mercado petrolífero”.

Agostinho Pereira de Miranda, por seu turno, refere que “o assunto é particularmente importante nesta crise da Covid-19 afeta tantos países e tantas empresas e em que tantas pessoas estão a cair no desemprego, porque torna aberrante a possibilidade que o hiperliberalismo criou de negociar ‘barris de papel’ nos contratos de futuros, permitindo realizar ganhos estratosféricos, enquanto, infelizmente, muitas pessoas e muitos países perdem milhões em instantes, sem ter sequer havido transações físicas de petróleo”.

Costa Silva adianta que “os ganhos proporcionados a quem especula com informações privilegiadas, são amplificados pela volatilidade das cotações que envolvem os contratos de futuros”.

Pereira de Miranda recorda um artigo de 2012, do seu amigo Joe Kennedy, que referia que nesse ano “90% das operações financeiras envolvendo petróleo eram em ‘barris de papel’”.

Esta questão torna-se ainda mais relevante por terem sido identificadas volatilidades surpreendentes nas cotações de futuros do petróleo, com valorizações, pouco antes do acordo da OPEP+ se ter concretizado – numa semana em que as próprias negociações foram prolongadas além do tempo inicialmente previsto –, para, depois do acordo firmado, as cotações virem a cair até valores negativos que constituíram um marco no sector petrolífero.

As dúvidas sobre uma eventual manipulação de mercado cresceram, mesmo com a atenuante de se ter atingido uma situação excecional na capacidade mundial de armazenamento de petróleo, que estava perto do nível máximo de saturação, e de estarem a expirar os prazos para os contratos de futuros de maio, que obrigavam a que os operadores se desfizessem dos referidos contratos. Estas dúvidas instalaram-se entre os responsáveis de várias autoridades de supervisão e de organismos de investigação judiciária. Atualmente estas dúvidas continuam sem resposta no mercado petrolífero.

Segundo a agência Bloomberg, a Comissão de Trading de Futuros sobre Commodities dos EUA (a CFTC – Commodity Futures Trading Commission), a autoridade que supervisiona a conduta financeira no Reino Unido (a FCA -Financial Conduct Authority) e o FBI estão a efetuar investigações para saberem se houve comerciantes com informações privilegiadas – sobre as negociações efetuadas pela Rússia com outros países produtores de petróleo – que tivessem ganho centenas de milhões de dólares com apostas ilegais nas oscilações dos preços do petróleo.Refere a Bloomberg que a investigação da Commodity Futures Trading Commission (CFTC) está focada em saber se os aspetos da estratégia que o Governo russo adotou no mês passado com outros membros da OPEP + chegaram ao conhecimento de alguns participantes no mercado petrolífero antes do prazo.

Pelo mesmo motivo, a FCA do Reino Unido também está a investigar operações suspeitas em contratos futuros, segundo a Bloomberg. As investigações antecedem a grande volatilidade registada segunda-feira nos mercados de petróleo que remeteram as cotações do petróleo texano WTI para níveis negativos, sem precedentes.

Sem identificar as pessoas que estão a ser investigadas – mas esclarecendo que não são elementos do Governo russo – as informações da Bloomberg indicam que a CFTC está investigar principalmente as transações que envolvem os contratos de futuros do WTI negociados no mercado de derivados do CME Group.

A agência refere que contactou os porta-vozes da CFTC e da FCA, bem como o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, e ninguém fez comentários. A preocupação de que os traders tenham obtido informações não públicas sobre a posição da Rússia durante esse impasse está no centro das investigações dos órgãos reguladores, referem as fontes.

A CFTC está a ser apoiada nas investigações pelo FBI e pelo Departamento de Estado dos EUA, informaram as mesmas fontes. Nos EUA, a utilização de informações privilegiadas em negociações de mercado tem consequências previstas na Lei Dodd-Frank de 2010, que torna ilegal o lucro com informações provenientes de fontes governamentais.

Artigo publicado no Jornal Económico de 24-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor

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