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Offshores: Apagão do fisco permitiu à Venezuela retirar fortuna no BES em segredo

Receitas da venda de petróleo da PDVSA, depositadas no BES e enviadas para o Panamá, são parte significativa do dinheiro enviado para offshores. Financiamentos indiretos ao GES também pesam.
10 Março 2017, 07h41

As receitas provenientes da venda de petróleo e combustíveis da petrolífera venezuelana PDVSA representam uma parcela “significativa” dos 7,8 mil milhões de transferências ocultas que partiram do BES, entre 2012 e 2014, e que, apesar de terem sido comunicadas pela instituição financeira, não foram registadas no sistema central da Autoridade Tributária (AT). A outra “parcela de peso” é justificada por pagamentos de financiamentos indiretos do BES às empresas do Grupo Espírito Santo (GES), via Panamá, que foram liquidados e sucessivamente renovados junto do ES Bank Panamá.

A revelação foi feita ao Jornal Económico por fonte da administração fiscal, numa altura em que surgem mais dados sobre o envio de 10 mil milhões de euros para paraísos fiscais, entre 2011 e 2014, que escaparam ao controlo do fisco. Do BES partiram 80% das transferências ocultas.

Questionada sobre o peso deste tipo de operações nas transferências para offshores, fonte oficial do Ministério das Finanças diz que não se pode pronunciar. “O Banco de Portugal considera que a identidade dos bancos que submeteram declarações está sujeita a sigilo bancário”, afirma.

O valor total de 7,8 mil milhões de euros de transferências declaradas pelo BES tem na base, essencialmente, dois tipos de operações que estão na origem das comunicações declaradas pelo banco à AT: transferências de receitas das exportações da Petróleos de Venezuela (PDVSA) e financiamentos indirectos do BES às empresas do Grupo Espírito Santo (GES).

A mesma fonte da administração fiscal explica que o tipo de transferência de depósitos feita pela empresa estatal venezuelana não coloca qualquer tipo de problemas, pois “não é uma matéria de imposto”. Trata-se de operações que não são tributadas, mas que acabam por ter um peso “significativo” nos montantes enviados para paraísos fiscais, a partir do BES.

No caso da PDVSA – apontada pelo ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, como um cliente importante do banco e que chegou a ter depósitos no banco superiores a dois mil milhões – , o destino foi o Panamá, a praça offshore de que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, deu conta, no Parlamento, que 2014 foi o ano em que quase todas (97,7%) as transferências para este destino ficaram ocultas. Segundo as estatísticas da AT, nos três anos a que se referem as três declarações do BES de transferências para offshores (2012, 2013 e 2014), os montantes enviados por não residentes, a partir de Portugal para o Panamá, ascenderam a perto de 2,8 mil milhões de euros.

As ligações ao banco do GES nas Caraíbas
Mas não são apenas as transferências de receitas de petróleo, pela PDVSA, que explicam os valores enviados para offshores a partir do BES. Fonte da administração fiscal avança a existência de financiamentos indiretos do BES às empresas do GES através do ES Bank Panamá, detido pela Espírito Santo Financial Group (ESFG), “holding” do GES para a área financeira.
Em causa estão pagamentos de empréstimos por entidades não residentes e que eram sucessivamente renovados a partir do ES Bank Panamá. Recorde-se que a Rioforte, que controlava a área não financeira, e a ESI, holding de topo do grupo, tinham sede no Luxemburgo. Segundo a mesma fonte, trata-se de um esquema de substituição de empréstimos de curto prazo por outros de idêntica maturidade (roll over), tendo conseguido as empresas do GES, por esta via, aumentar o prazo da operação inicial.
Recorde-se que poucas semanas depois da resolução do BES, em agosto de 2014, data até à qual foram comunicadas por esta entidade as transferências para offshores, o Financial Times revelou que, pelo menos desde 2012, o ES Bank Panamá era usado para financiar as “holdings” de controlo do GES.

“O banco do Panamá ligado aos Espírito Santo existia quase exclusivamente para adquirir dívida emitida pela ESI e as suas subsidiárias Rioforte e Espírito Santo Irmãos, de acordo com um relatório dos administradores do ES Bank”, noticiava então o jornal britânico. Uma informação que o presidente da KPMG Portugal, Sikander Sattar, acabou por confirmar na comissão parlamentar de inquérito (CPI) à gestão do BES e do GES, em dezembro de 2014: o ES Panamá fazia parte do esquema de financiamento do grupo.

Mas as ligações financeiras ocultas com o banco do Panamá não passaram apenas pelas “holdings” de topo do GES. Também houve financiamentos do BES ao ES Bank Panamá. E em violação de determinações do Banco de Portugal, numa denúncia que consta do primeiro sumário executivo da auditoria forense que a Deloitte realizou à queda do BES, a pedido do Banco de Portugal.

Financiamentos indiretos para reduzir fatura fiscal
Estes financiamentos indiretos explicam “parte significativa” dos 7,8 mil milhões de euros transferidos para offshores a partir do BES entre 2012 e 2014. E, ao contrário das transferências de receitas da PDVSA, poderão ter relevância fiscal. Isto, porque, ao deslocalizar os empréstimos às empresas do GES, uma parcela dos juros ficou no Panamá, onde não são tributados, e o maior spread dos empréstimos concedidos pela entidade localizada no offshore acabou por funcionar como um maior custo fiscal para as empresas do GES. Estes dois efeitos podem, potencialmente, levar a uma redução de tributação na esfera do BES.
Segundo as conclusões da CPI à gestão do BES, o ES Bank Panamá tinha, num total de 12 operações de curto prazo (1 a 3 meses), uma exposição de 471 milhões de euros à ESI e cerca de 71 milhões de euros à ES Resources Ltd, com referência a 31 de dezembro de 2013.

Simultaneamente, a 31 de dezembro de 2013, o Grupo BES tinha uma exposição de 183 milhões de euros ao ES Bank Panamá. Contas feitas, o total de empréstimos acende a mais de 700 milhões de euros, só em 2013, ano em que as transferências para offshores, que partiram do BES, totalizaram o recorde de 3.000 milhões de euros. A exposição do GES aumentou para 211 milhões de euros em março de 2014 e para 342 milhões de euros em junho de 2014.

A CPI conclui que diversas empresas da área não financeira do GES, incluindo a Escom, encontravam-se fortemente dependentes de crédito concedido, principalmente pelo BES, mas igualmente através da ESFIL, ES Bank Panamá e BESA.

[Notícia atualizada para clarificar, no quinto parágrafo, que “trata-se de operações não tributadas”]

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