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Almeida-Dias: “Influência [das ordens e associações profissionais] é no número de vagas e na acreditação dos cursos”

António Almeida-Dias, presidente da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP), denuncia a influência que as associações e ordens profissionais têm sobre o processo de acreditação e avaliação a cargo da A3ES e defende a alteração do modelo. Nesta entrevista ao JE, considera que juntar tudo num só Ministério é uma forma integrada de olhar para a Educação e adianta os principais problemas com que se confrontam os privados: vagas, modelo de avaliação dos centros de investigação, estatuto da carreira docente.
17 Abril 2024, 07h30

António Almeida-Dias, presidente da CESPU – Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário – toma dentro de semanas posse de um novo mandato na presidência da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP), que representa as instituições do ensino superior privado no Conselho Nacional de Educação, no Conselho Coordenador do Ensino Superior, na Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior e no Conselho Consultivo da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Nesta entrevista ao Jornal Económico reafirma as prioridades para os próximos dois anos, aquelas mesmo que apresentará ao ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, quando reunir com ele: necessidade de mudar a forma de acreditação dos cursos e de avaliar os centros de investigação, novas regras de contratação e reconhecimento de graus e diplomas estrangeiros.

 

O desaparecimento do nome Ensino Superior do Ministério e a inexistência de uma secretaria de Estado menoriza o sector no Governo como tem sido dito por  muitos comentadores? Qual é a sua opinião?

É um modelo. Este modelo de ter o Ministério da Educação que envolve todos os aspetos relacionados com a Educação, vai desde o Ensino primário Básico até ao Ensino Superior, não me parece que seja mau. É uma forma até de, provavelmente, se olhar para a Educação dos portugueses de uma forma integrada. Claro está que me preocupou, a mim e em particular os associados da APESP, é que não se percebia em relação à designação dos secretários de Estado onde é que iria parar a gestão do Ensino Superior, um assunto complexo, profundo e exigente (a ciência tinha já destino, havia uma secretaria de Estado), mas ficámos absolutamente sossegados quando o senhor ministro anunciou que seria ele a tomar conta diretamente desta questão. É um professor universitário com muita experiência, já tinha experiência governativa, é da área económica e portanto, alguém que percebe o que é a gestão. Neste caso um dos problemas que nós temos é a gestão do Ensino Superior, quer o estatal quer questões relacionadas com a regulação da parte privada. Acredito que pode correr bem.  

Conhece o ministro Fernando Alexandre?

Conheço o trabalho do ministro, pessoalmente não o conheço, apesar de  vivermos na mesma cidade, mas tenho as melhores referências em relação a ele.

Já lhe pediu uma reunião?

Não. Estamos a deixar que toda esta fase que passámos, com alguma complexidade política, que as pessoas assentem, que passemos à fase da governação. Vamos deixar passar este momento e obrigatoriamente vamos solicitar uma reunião ao senhor ministro, onde, obviamente, para além de apresentar os cumprimentos, vamos apresentar o nosso caderno de preocupações, o chamado ‘caderno encargos’, que tem um conjunto de situações que precisamos conversar. Esperamos, depois de lermos o programa deste Governo, que algumas das situações que se prendiam e se prendem até agora com questões ideológicas em que o sector privado não tem sido bem tratado…. que tudo vá ser tratado sem cegueiras ideológicas. É isso mesmo que nós queremos. Pensamos que temos aqui uma oportunidade para resolver os problemas. 

É pesado o caderno de encargos?

Quando passamos ao pormenor, o “caderno de encargos” tem alguma dimensão, mas  eu gostaria aqui de chamar a atenção para aquilo que nos preocupa mais.  Começaria logo por aquilo que tem sido até hoje a questão das vagas. Em dois sentidos: atribuição de vagas e  gestão, depois, das vagas.

Quando fala nas vagas refere-se ao número de alunos que as instituições podem admitir? 

Exatamente. Há dois aspetos: a questão do número e a gestão desse número. Quando submetem um curso à acreditação, as instituições solicitam que o curso tenha um determinado número de alunos e é com base nesse número que fazem o estudo de viabilidade económica. Deve haver um equilíbrio entre o custo e o proveito para que haja sucesso. Normalmente pedem-se X alunos e quando nos é atribuída a acreditação, muitas vezes esse número é mexido temporariamente ou alterado. O que quer dizer que logo à partida, alteram-se os pressupostos de viabilidade do ponto de vista económico.

Mexido como e por quem?

As vagas são mexidas não por critérios objetivos, que são o que nós queremos que passe a existir. Este para nós é um dos grandes problemas. Somos instituições do sector privado, social e cooperativo, diria até que a maior parte das nossas instituições são cooperativas de ensino, instituições sem fins lucrativos e, nesse sentido, queremos que se conheçam de forma clara as regras para atribuição das vagas para cada curso. E que isso não possa ser beliscado a posteriori com opiniões, com pressões de grupos profissionais e outros que alterem a seguir aquilo que é o interesse das instituições. Não podemos ficar no limbo à espera que alguém introduza fatores de ordem emocional, política, profissional…

Permita-me esclarecer as coisas. Um curso é submetido a acreditação no pressuposto de que vai ter, por hipótese, 50 alunos e a A3ES, agência que tem a responsabilidade de autorizar o curso, pode diminuir esse número?

Pode. Pode e até diz no início, ‘só damos X vagas e mais à frente veremos’. E ainda faz mais. Pode, hoje, o curso ter X número de alunos e eventualmente decidir por uma avaliação, sob critérios que não são objetivos, reduzir o número de vagas. Precisamos tornar esse aspeto absolutamente objetivo. Antes de pedir, eu, instituição, tenho que saber qual é o resultado que vou ter, desde que cumpra determinados critérios. Queremos que o processo de acreditação e aprovação de vagas seja feito de uma forma absolutamente clara, sem interferência de ideologias e de pressões profissionais.

Mas como é que isso acontece?

A A3ES normalmente pede às associações profissionais que são dominantes em determinadas áreas científicas para se pronunciarem sobre o projeto que é apresentado e aquilo que nós temos observado é que acabam de facto por influenciar a decisão final da agência. Temos ainda uma forma mais perversa de isto acabar por acontecer, que é nas Comissões externas de avaliação,  constituídas por individualidades ligadas às áreas em questão, que avaliam a proposta de cada instituição. Essas comissões externas também têm opiniões muito particulares e pessoais sobre a valia ou não valia dos projetos apresentados.

Então quando se ouve dizer que os médicos e os enfermeiros têm a última palavra na decisão de manter o staus quo no que respeita ao número de entradas nos cursos de Medicina de Enfermagem – isto é verdade?

Claramente. Escolheu dois exemplos que são muito claros, onde a influência das duas Ordens nas decisões da agência é significativa. Nem sempre, reconheço. Existirá uma ou outra situação onde a agência não segue à risca, mas são exceções. A influência é enorme e não é só no número de vagas, é mesmo na acreditação dos cursos. O exemplo da Medicina é daquelas situações mais evidentes e cujo resultado estamos todos, hoje, a sofrer com o problema relacionado com o acesso e a prestação de serviços de saúde no nosso país. 

Falou na gestão das vagas. Pode explicar?

Há outro aspeto relacionado com as vagas: a gestão. Já houve uma melhoria, mas mesmo assim ainda existem quotas que se atribuem para grupos. No nosso sector privado não tem sentido imporem-nos qualquer tipo de quota. Se estamos autorizados para ter 100 alunos num determinado curso, são 100 alunos, não interessam outras características. Essas pessoas têm que ter aquilo que legalmente é exigido para aceder ao Ensino Superior português que é cumprir as regras de acesso, ou seja, ter o equivalente ao 12.º ano, a provas de acesso, etc., mais nada.  

Dentro das condicionantes, o que considera mais grave?

Diria que do ponto de vista de gestão de uma atividade económica, é mexer-se na produção e produção, para nós, é o número de alunos. O número de estudantes. O número de vagas. Isso é o mais grave. Eu posso dizer-lhe que temos exemplos claríssimos em que os cursos são submetidos com o pressuposto de que podem ter X alunos e no início só lhes são concedidas metade até que se cumpram determinado tipo de pressupostos….

Como eu digo, este é um assunto de fundo que tem que ser muito claro e transparente. Não pode haver questões emocionais, ideológicas, influências de grupos. Não pode. As instituições fazem investimentos profundos, alguns investimentos exigidos para ter alguma das áreas que o sector privado ensina, são de milhões de euros. Não se podem alterar os pressupostos, nem influenciar negativamente o desenvolvimento dessa atividade económica. 

 

Entra aqui a limitação ao número de alunos estrangeiros que podem ter?

Por exemplo. Eu acho que nós não devemos estar sujeitos a qualquer limitação por quotas. Como instituições privadas que somos, temos a liberdade, uma coisa que eu apreciei também no programa deste Governo é o respeito pela pluralidade e pela diversidade. Devemos ter o direito de gerir os alunos que entendemos que devemos ter independentemente da sua nacionalidade. Temos é que garantir o cumprimento das regras de acesso, como referi antes.

Quando se reunir com o ministro essa questão das quotas está no topo da lista?

Claramente, a questão do número de vagas, dos estudantes possíveis para cada ciclo de estudos e as quotas aplicadas será um assunto de primeira linha, porque isto tem a ver com a nossa atividade, com questões económicas. A economia é composta por muitos aspetos e este é fundamental para nós. 

Olhemos agora para o outro vetor do ensino: os professores. O que é hoje ser professor e investigador no Ensino Superior privado? 

As carreiras têm sido um assunto, diria, crónico, que tem passado de Governo para Governo. Tivemos quase um documento que respondia aquilo que nós entendemos como necessário para o nosso sector no XXII Governo…

Quem era o ministro?

O Professor Manuel Heitor. Depois com a mudança para o XXIII Governo, houve uma fase de silêncio. Não se discutiu. Quando voltámos a pegar no assunto, já no fim do exercício desse Governo, estamos a falar do fim de 2023, percebemos que havia um retrocesso em relação a aspetos que nós consideramos fundamentais, nomeadamente a liberdade das instituições privadas poderem convidar pessoas, cujo curriculum científico e qualidade são indiscutíveis, até porque obviamente todos os docentes são contratados após um parecer ou por solicitação do conselho científico. Ao retirarem-nos essa capacidade fazendo com que as contratações passem a ser feitas por concurso público, consideramos que isto é um perfeito disparate quando falamos de instituições do sector privado. Admito que tenha sido um assunto que tenha passado para o atual Governo. Admito que mais dia menos dia tenhamos que ter uma conversa com a tutela sobre a discussão daquilo que deve ser.

Estamos a falar do Estatuto de contratação e carreira docente e de investigação para o Ensino Superior privado que se arrasta desde 1989?

O Estatuto de contratação e de carreira docente e do investigador do sector privado, sim. Queremos, obviamente, em primeiro lugar  que se respeite tudo quanto são denominadores comuns dentro do Ensino Superior, nomeadamente nas categorias profissionais. Isso não há dúvida nenhuma. Temos que ter professores catedráticos, professores associados, com agregação, sem agregação, professores auxiliares. Há um conjunto de coisas que têm que ser transversais a todo o Ensino Superior público ou privado. A partir daí, entendemos que tem que se respeitar a natureza privada das instituições. Até agora tínhamos que aplicar a Lei Geral do Trabalho que não é compatível com alguns aspetos da evolução das carreiras, nomeadamente os períodos experimentais, etc., não é compatível aplicar a Lei de uma forma simples. Nós entendemos que deve haver um Estatuto próprio, mas não tem sentido ser um decalque daquilo que é o Estatuto dos docentes do sector público, até pela simples razão de que as pessoas não são funcionários públicos. 

O sector público assenta fundamentalmente no princípio de que as pessoas de carreira estão em regime de exclusividade. No privado, as pessoas têm que estar, obviamente, com os tempos integrais, mas os regimes de exclusividade tal e qual são aplicados no público, não fazem sentido. Para nós, é importante que logo que possível isto volte para cima da mesa das conversas e das negociações para que consigamos ter um documento que seja útil para o nosso sector privado e cooperativo e fundamentalmente para que os nossos professores e os nossos investigadores saibam de forma clara quais são as regras e como é que as coisas funcionam.

 

 

Quantos empregos representa o sector particular e cooperativo do qual excluímos a Universidade Católica que funciona no âmbito do regime da Concordata?

No sector privado temos cerca de nove mil docentes, que estão distribuídos por 62 estabelecimentos de ensino, 20 de cariz universitário e 42 de cariz politécnico. No ano letivo de 2022/23 tínhamos quase 90 mil alunos, nos ciclos de estudo conferentes de grau, na sua maior parte cursos do primeiro ciclo, licenciaturas. Também temos um conjunto vasto de pós- graduações, que são importantes como atividade para as instituições, mas não constam destes números.

Onde é que o sector tem maior peso?

Está distribuído pelo país. Fundamentalmente na região do Grande Porto, que se estende até às áreas de influência de Braga e Guimarães, temos um grupo significativo de instituições, em Coimbra, menos, e em Lisboa, muitas. Eu diria que as maiores distribuem-se no Litoral, ao longo do eixo Porto-Lisboa, mas no Interior há instituições que são relevantes para o desenvolvimento dessas regiões, como Trás-os-Montes. 

A demografia é o grande definidor?

Eu diria que o assunto está cada vez mais entregue às grandes cidades e a tendência será essa no futuro, até, porque a oferta do sector estatal no interior cresceu imenso. O Estado ocupou esse espaço, com politécnicos e universidades. Parece-me que é importante que assim se faça para tentar potenciar o desenvolvimento dessas regiões. Portanto, é normal que o sector privado fique no Litoral, que é onde existe maior procura e eventualmente procura de formações mais especializadas. O sector privado tem acompanhado de forma mais ágil, eu diria, as novas “modas” do Ensino Superior. Tem-se adaptado à inovação pedagógica e adaptado à inovação de oferta formativa. 

Os vossos estabelecimentos são afetados pelo envelhecimento da classe doente? Qual a média etária no particular e cooperativo?

Depende muito das instituições. Uma instituição que iniciou a sua atividade há 30 anos tem um perfil, uma que iniciou há 10 anos tem outro, mas, diria, que o crescimento do ensino privado tem levado à contratação de jovens doutorados. Houve uma fase inicial, em que o corpo docente era menos jovem, professores que tinham estado no sector estatal que decidiram por algum motivo sair, mas hoje temos uma enorme renovação do nosso corpo docente até porque o conhecimento e a ciência têm evoluído… temos muitos que fizeram formação no estrangeiro e que voltaram.

No ensino privado, esse aspeto está normalizado. Saem pessoas que se aposentam, são contratadas pessoas novas. A idade não é um problema para o sector privado, neste momento.  

Regressamos às vossas preocupações, ao caderno de encargos. A APESP e o professor têm sido muito críticos do modelo de avaliação dos centros de investigação por estar dependente do concurso de financiamento da FCT. Qual é a alternativa a este modelo? Qual a vossa proposta?

O atual modelo tem, no nosso entender, duas enormes  fragilidades: uma delas é o ciclo temporal desse processo de avaliação. Como temos assistido, temos ciclos que podem ser de cinco, seis, sete, anos. São  intervalos de tempo muito grandes. Se as instituições quiserem ser avaliadas porque querem propor projetos, nomeadamente de doutoramento em que é preciso ser reconhecida qualidade científica, as pessoas ficam imenso tempo à espera de ter oportunidade para serem avaliadas. Não tem sentido nenhum. O processo de avaliação tem que poder acontecer com intervalos mais curtos, de uma forma mais simples.

A outra questão é?

Em que é que estas instituições são avaliadas, como são avaliadas e para que fim? A FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), que tem que avaliar as instituições que estão nos seus programas plurianuais de financiamento (que são financiadas pela Fundação) avalia e é dado como bom esse processo. Então, toda a investigação é avaliada por esse processo, com o qual nós não concordamos. Sendo o processo de avaliação da investigação científica feito através da avaliação de um programa plurianual de financiamento acaba por estar influenciado pela própria natureza do concurso. Estamos a falar do concurso para financiamento e como é fácil de perceber pode levar aqui a alguns enviesamentos em relação àquilo que é a avaliação pura e clara daquilo que é a produção científica. Repare, eu posso ter um grupo de 10 investigadores que são muito bons e que produzem e eu demonstro que são capazes de fazer bem uma coisa, mas para ter capacidade para concorrer a um financiamento, tenho que ter grupos muito maiores, tenho que me associar.

Acho que tem que haver uma alternativa a esta avaliação.

Acabar?

Nós não estamos contra que aqueles que querem concorrer ao financiamento sejam avaliados por este processo e a Fundação fá-lo seguramente bem. Temos é que ter uma alternativa para aqueles que não querem ser financiados, pelo menos, por esta via (porque podem ter contratos com a indústria, ou ter o seu problema económico resolvido de outra forma que não através do financiamento público), mas querem solicitar uma avaliação independente sem ter de estar à espera quatro, cinco, seis, sete anos para isso acontecer. A nossa proposta é que existam dois modelos. Não é acabar com o atual, mas sim que haja a hipótese também de as instituições solicitarem uma avaliação quando entenderem. Uma avaliação independente fora do programa de financiamento plurianual da FCT.

O quarto ponto que se destaca na vossa lista de preocupações tem a ver com o reconhecimento de graus e diplomas estrangeiros. O que vão dizer ao ministro sobre este assunto?

Vamos continuar nesta luta. É uma luta que pode parecer somenos, mas para nós é de uma enorme importância. A Lei de Reconhecimento de Graus e Diplomas Estrangeiros continua a dizer que só pode ser feita por universidades estatais ou nos casos particulares em que não existam universidades estatais com essa capacidade é feita através da Direção Geral de Ensino Superior. Não aceitamos. Consideramos isto uma discriminação negativa que introduz um desequilíbrio entre aquilo que devia ser  absolutamente normal.

Escolha uma palavra para definir o que espera que venha a ser a relação da APESP com o ministro da Educação, Ciência e Inovação.

Eu sinceramente tenho uma grande expectativa de que vai funcionar. A palavra é expectativa de que vai correr bem.

 

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