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Queda abrupta do turismo penaliza Portugal: É o quarto país da zona euro com a maior contração do PIB este ano

Um desempenho mais fraco do que previsto e recuperação mais lenta do turismo levaram Bruxelas a cortar as projeções face a maio. Economistas consultados pelo Jornal Económico alertam que o impacto da pandemia no turismo continuará a ser profundo e realçam a incerteza associada às projeções devido à incógnita sobre uma segunda vaga da Covid-19.
7 Julho 2020, 18h00

O turismo é o principal responsável pela revisão em baixa das projeções de Bruxelas para o crescimento da economia portuguesa e que colocam Portugal entre os quatro países da zona euro com as maiores contrações do PIB este ano. As previsões de verão da Comissão Europeia, publicadas esta quarta-feira, estimam um tombo da economia portuguesa de 9,8% este ano, um agravamento severo face aos 6,8% do último relatório, e mais distantes das previsões do Governo.

Até aqui, a Bruxelas era a instituição mais otimista, o que a tornava argumento pelo Governo de que não estaria demasiado otimista para a estimativa de uma queda do PIB de 6,9% este ano, inscrita no cenário macroeconómico que sustenta o Orçamento Suplementar. No entanto, a atualização dos dados da instituição presidida por Ursula Von der Leyen colocam-na agora ligeiramente mais pessimista do que o Banco de Portugal, que prevê um recuo de 9,5% (ou 13,1% no cenário mais adverso). Mas também que o Conselho das Finanças Públicas que prevê no cenário base uma recessão de 7,5% este ano e no cenário severo de 11,8%, e do Fundo Monetário Internacional, que prevê uma queda de 8%.

A diferença deve-se, explicou o Comissário da Economia, Paolo Gentiloni, em conferência de imprensa, “a um desempenho pior do que o esperado no primeiro trimestre e a uma recuperação mais lenta do que o previsto no turismo estrangeiro, particularmente no número de voos” mas “também no atraso da reabertura da fronteira com Espanha, que só aconteceu há alguns dias”.

O responsável do executivo comunitário reforçou que o enorme impacto provocado pela turismo na crescimento da economia nacional é um espelho da “incerteza em torno de voos e do turismo global” e que “podem afetar particularmente economias muito dependentes” deste setor.

Isso mesmo é referido no relatório que acompanha as previsões e que aponta para as “dramáticas contrações na maioria dos indicadores económicos” que terão reflexo numa deterioração do desempenho da economia portuguesa “a um ritmo muito mais acentuado de cerca de 14%” no segundo trimestre, na comparação em cadeia.

“O turismo foi o dramaticamente o mais afetado, com as visitas a colapsarem quase 100% em abril face ao ano anterior”, realça, dando nota de que o indicador de sentimento económico da Comissão também caiu abruptamente de 105,7 pontos em fevereiro para 63 pontos em maio, antes de uma recuperação parcial para 74,1 pontos em junho.

Filipe Garcia, economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros, realça que “na economia não se liga o botão e não se desliga o botão, com muita facilidade”. “Quando olhamos para os países que têm as piores previsões, grande parte deles são aqueles que têm efectivamente mais ligação ao turismo. O caso de Portugal é paradigmático. Ainda agora tivemos esta questão do corredor com o Reino Unido, mas é apenas um dos vetores de tudo isto”, diz.

Entre os países da zona euro, com as maiores contrações do PIB estão Itália (-11,2%), Espanha (-10,9%) e França (-10,6%), ocupando Portugal o quarto lugar da tabela.

Filipe Garcia sustenta que “estes números não vão ser os números que vão bater certo no fim do ano” e adverte que mais do que as previsões sobre o crescimento, se deverá refletir sobre o impacto político e orçamental que terá. “Do ponto de vista de Portugal, há quase um aumento da predisposição para gastar. Isto abre completamente as portas a que do ponto de vista político se tomem iniciativas de estímulos fiscais”, considera.

Susana Peralta, economista e professora da Nova SBE, reforça que “a questão das fronteiras levam a disfunções nas cadeias de valor globais, no comércio internacional, que no fundo acaba por criar problemas vários de constrangimentos às empresas”, realçando que este cenário é agravado para “Portugal e para outros países afetados pela economia do turismo com algo catastrófico que é o turismo não ir recuperar tão cedo”.

Ainda assim, Bruxelas destaca que a taxa de desemprego manteve-se “amplamente estável” – entre os 6,2% a 6,3% em março e abril -, uma vez que “as demissões temporárias não tiveram um impacto estatístico imediato e os regimes de trabalho de curto prazo também ajudaram a compensar o choque”. Apesar de realçar que o atividade económica está a começar a recuperar lentamente, na sequência do desconfinamento gradual a partir de maio, adverte que os efeitos irão perdurar para muitas empresas, nomeadamente no setor da aviação e hotéis, as quais deverão “permanecer abaixo do nível pré-pandémico por um período mais longo”.

Porém, se está mais pessimista sobre a dimensão do tombo este ano, Bruxelas está ligeiramente mais otimista para a recuperação no próximo ano. Se nas previsões de primavera projectava uma recuperação de 5,8% em 2021, agora prevê que o crescimento seja de 6%, ainda que alerte que “os riscos ainda são descendentes devido ao grande impacto do turismo estrangeiro, onde as incertezas no médio prazo permanecem significativas”.

Porém, Susana Peralta adverte ainda que “até agora a única previsão que olha para uma segunda onda de infeções que levasse a um novo lockdown foi da OCDE, este da Comissão Europeia, ainda não prevê isso”, o que poderá levar a um novo agravamento destas previsões.

Bruxelas vê economia da zona euro a cair 8,7% este ano

Apesar das previsões colocarem Portugal a encolher mais do que a média da zona euro e da União Europeia este ano, o executivo comunitário também reviu em baixa as projeções para o bloco. Segundo Filipe Garcia, tal irá beneficiar as negociações em curso para o plano de recuperação europeu, nomeadamente o Fundo de Recuperação, que continua a colher resistência dos países frugais.

Bruxelas projecta uma contração do PIB dos países da moeda única de 8,7% este ano e do conjunto dos países da instituição de 8,3%, um cenário mais adverso do que os 7,7% e 7,4%, respetivamente, estimados em maio e que apontavam já para uma “recessão recorde”. Ainda assim, a recuperação continua no horizonte e para 2021 vê a economia da zona euro a crescer 6,1% e 5,8% na União Europeia, ainda que seja “um crescimento ligeiramente menos vigoroso do que o projetado na primavera”.

“Não podemos dissociar estas previsões e o momento em que são publicadas do processo negocial que está em curso neste momento, relativamente ao pacote de estímulos da União Europeia. Vamos ter esta quarta-feira uma reunião, em Bruxelas, em que a chanceler Merkel vai discutir pormenores do Fundo de Recuperação. Há quem diga que vai haver uma nova versão, que irá ser apresentada, e que pode de alguma forma ter o acordo mais alargado quanto pior for o cenário económico que tenhamos em cima da mesa”, realça Filipe Garcia.

O economista sustenta que “se tivéssemos uma revisão simétrica do que tivemos relativamente a estas projeções seria ainda mais difícil atingir o tal consenso que é necessário para esse programa de estímulos”, pelo que considera que “esta revisão em baixa é um agente facilitador do consenso em torno desse programa”.

Susana Peralta sublinha que “quando entrámos em mega lockdown havia uma expectativa de que quando fosse levantado, iria voltar tudo mais depressa ao normal”, mas que o ritmo tem sido mais lento. Neste sentido, alerta ainda que “é preciso perceber que estamos perante uma ameaça para a economia que é algo muito novo, que conhecemos mal, que tem muita incerteza”.

“Mais do que estarmos focados em números que vão sendo atualizados para baixo, é estarmos focados numa situação de uma incerteza fundamental, o que exige muitíssimo cuidado na forma como fazemos política económica”, assinala.

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