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Turquia: Erdogan desenha o futuro do país sem coligações

No primeiro discurso político depois de ter sido reeleito, o presidente assegurou que o presidencialismo do (novo) regime é para continuar. Os cem anos da revolução de Ataturk serão com certeza o momento certo.
  • Recep Tayyip Erdogan
31 Maio 2023, 18h30

Ao entrar na terceira década como figura de destaque na política turca, o presidente Recep Erdogan utilizou a sua presença num evento do Tribunal de Contas –órgão encarregado de inspecionar as instituições burocráticas – para assegurar que o país vai entrar (quando comera 100 anos sobre a revolução de Ataturk) num novo paradigma: “as eleições colocaram um fim ao debate sobre o antigo sistema” e, nesse contexto, “o tempo dos governos de coligação nunca mais voltará”.

Fica claro que Erdogan se sente politicamente sufragado para estender os braços do presidencialismo – o que pressupõe, dizem os analistas, que o parlamento passe a contar cada vez menos no quadro político nacional e que todos os ministros se subordinem ao programa e à agenda de quem estiver sentado na cadeira de presidente.

A Turquia foi várias vezes governada por executivos resultantes de coligações, mas quando Erdogan partiu, em 2002, para a sua meteórica ascensão, nunca teve de dividir o poder com nenhum parceiro. Mas isso é o passado, e a frase de Erdogan é virada para o futuro – ficando assim subentendido que o novo presidente pretende mexer na arquitetura do poder para alterar qualquer coisa.

Neste momento, é teoricamente possível que a um presidente eleito não corresponda um parlamento da mesma cor política ou que o partido que o apoiou não conte com uma maioria absoluta que lhe permita formar governo sem o recurso às coligações. Fica portanto sem se saber o que irá Erdogan fazer.

Mas o presidente turco pode recorrer às diversas soluções que as democracias ocidentais têm usado para atingir (de forma mais ou menos encapotada ou pelo menos tímida) o mesmo fim: impedir a ascensão de pequenos partidos aos parlamentos se não atingirem determinada percentagem nacional (como na Alemanha, por exemplo); atribuir lugares suplementares aos partidos conforme a votação conseguida (como na Grécia, que abandonou o método este ano mas pode vir a retomá-lo); fazer coincidir as eleições parlamentares com o momento imediatamente seguinte às presidenciais, induzindo a repetição do voto (como em França); ou optando constantemente por governos de iniciativa presidencial (como em Itália).

Perante estas soluções ‘democráticas’, aparentemente Erdogan só será acusado de autocracia se, pura e simplesmente, acabar com as eleições. ‘Autocrata’ é precisamente um dos adjetivos que o Ocidente costuma usar para caracterizar Erdogan. “Os ditadores são forçados a competir numa segunda volta?”, perguntou.

“Ao comemorarmos o centenário da República da Turquia, estamos a navegar em direção a novos horizontes. Temos o ‘Século da Turquia’ pela frente e é um sinal de determinação para alcançar objetivos maiores cumprindo metas centenárias”, disse, citado pela imprensa turca.

Erdogan recordou que a “rivalidade entre potências” frustrou o progresso da Turquia desde a década de 1950, mas que esse caminho está encerrado. Pode ser um otimismo excessivo, mas o cerro é que Erdogan conseguiu fazer ascender o país à condição de potência regional. E promete não ficar por ali.

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