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Banqueiros mais preocupados com a elevada dívida pública do que com os testes de stress verdes do BCE

Os presidentes da CGD, BCP, Novobanco, Santander Totta e BPI falaram sobre os desafios da economia mais verde. Poderão os bancos continuar a financiar empresas que produzam bens que não são neutros para o ambiente? Vêm aí os testes de stress verdes do BCE.
19 Novembro 2021, 08h21

Os critérios ambientais, sociais e de governance (ESG) não estão ainda totalmente integrados nas estratégias dos bancos, mas no próximo ano os maiores bancos europeus vão ser submetidos, pela primeira vez, a um teste de stress climático para avaliar a exposição do setor às alterações ambientais.

O Banco Central Europeu (BCE) vai realizar entre março e julho de 2022 o primeiro teste de stress dos bancos para avaliar a exposição do setor financeiro da zona euro a catástrofes naturais e a uma transição ambiental (para uma economia verde) mais rápida. Os riscos climáticos assumirão uma maior importância na ponderação do capital e do risco de cada instituição bancária para efeitos de supervisão.

Há um movimento imparável de green finance que põe o sistema financeiro a promover investimentos “verdes” e sustentáveis a longo-prazo, no sentido de garantir um “futuro justo e resiliente para todos”. Isto pode significar que as empresas mais poluentes poderão ser afetadas no acesso a financiamento bancário. Os CEO dos bancos portugueses não subscrevem, no entanto, essa tese. E não acreditam que venham a ser impedidos pelo regulador de financiar clientes. Anteveem antes que serão chamados a apoiar a conversão de brown para green dos seus clientes.

Os bancos da zona euro que vão ser testados são chamados a indicar, em particular, “até que ponto dependem de rendimentos” provenientes de indústrias com elevadas emissões de CO2. O questionário do BCE também analisará a quantidade de emissões de gases com efeito estufa que os bancos “financiam”, por exemplo, através de empréstimos, ou de subscrição de dívida.

Está em marcha os reguladores incorporarem a sustentabilidade e o financiamento sustentável nos requisitos prudenciais da banca. Os riscos ESG passarão a ser considerados na avaliação da resiliência das instituições financeiras (e na estabilidade financeira).

Os maiores bancos do mundo como Citi vão desenvolver um plano de ação ambiental e social como condição de financiamento.

As agências de rating vão passar a incorporar a sustentabilidade e o financiamento sustentável nas classificações.

É neste contexto que os presidentes dos quatro maiores bancos portugueses falaram sobre os desafios da economia mais verde. O tema foi discutido num painel que reuniu António Ramalho, Presidente da Comissão Executiva, Novo Banco; João Pedro Oliveira e Costa, Presidente da Comissão Executiva, BPI; Miguel Maya, Presidente da Comissão Executiva, Millennium bcp; Paulo Macedo, Presidente da Comissão Executiva, Caixa Geral de Depósitos; Pedro Castro e Almeida, Presidente da Comissão Executiva, Santander Portugal na conferência banca do futuro do Jornal de Negócios.

“Esta transição tem de ser feita com muito bom senso”, defendeu o CEO do BPI.

“A banca irá ter um papel importante na transição para uma economia mais verde e mais digital, mas não vamos pôr em cima da banca todo o ónus dessa transformação”, disse João Pedro Oliveira e Costa.

O presidente do BPI lembrou que o que muda com a digitalização é o modelo de negócio da banca que reflete a mudança de comportamento dos clientes. O que leva os bancos a porem em causa o número de pessoas que precisam e a fazerem investimento em tecnologia. Portanto os novos desafios impostos pelos critério da ESG  (environmental, social and corporate governance) “trazem uma pressão acrescida sobre a banca”, disse ainda o CEO do BPI lembrando o testes de stress do próximo ano que não são inócuos, “vamos ter impactos, para nós, para a economia e para as empresas que financiamos”.

As empresas clientes, que são muitas vezes PME, não vão conseguir cumprir os requisitos internacionais de produção “verde” e os bancos correm o risco de serem penalizados no capital por financiarem empresas mais poluentes. O que as vai obrigar a subir os spreads do crédito das empresas mais carbónicas.

Por sua vez António Ramalho, referiu que “a banca serve para antecipar o futuro reduzir e mitigar as incertezas para os clientes”.

Miguel Maya, CEO do BCP, alertou para o facto de os incentivos, inerentes à avaliação dos requisitos ESG, poderem condicionar a correta alocação de recursos. “Inicialmente não podíamos financiar os setores mais poluentes, mas hoje já não é esse o tema do regulador”, lembrou o CEO que disse que é preciso tratar bem os riscos de transição e os riscos físicos. Os testes de stress avaliarão igualmente a vulnerabilidade em caso de inundações ou de episódios de seca ou de calor intensos.

Paulo Macedo, CEO da CGD, optou por lembrar que os bancos têm o dobro de capital que tinham há 10 anos mas dão menos crédito, porque empresas e famílias desalavancaram, ao contrário do Estado que aumentou a dívida pública. Para o presidente da Caixa a dívida pública é o grande desafio do futuro.

O custo do dinheiro é baixo (quatro vezes menor do que na anterior crise), referiu ainda o presidente da Caixa. Para a banca, “uma prespetiva de subida de taxas, significa esperar que a Euribor chegue a zero”, referiu o banqueiro que lembrou que os bancos só podem gerir as variáveis que estão ao seu alcance, ou seja, os custos de estrutura.

“A banca pagar juros do lado do ativo e do passivo é contranatura, e ter rentabilidades que não conseguem justificar a atração de capital, é contranatura”, diz Paulo Macedo.

Pedro Castro e Almeida, CEO do Santander, o mais novo dos banqueiros, falou da “banca verde”, dizendo que “o tempo é superior ao espaço”. O CEO do Santander Totta prefere olhar para metas no horizonte “em que estamos vivos”, desvalorizando os grandes objetivos para 2050 (neutralidade carbónica). Tudo é feito de “milhares de pequenos passos”.

“O que é que é brown e o que é que é green? Se calhar o que é hoje brown vale a pena apoiar para se tornar green e o que é hoje green amanhã pode ser brown“, disse Pedro Castro e Almeida, que desvalorizou assim as dificuldades de financiamento do tecido produtivo com as imposições regulatórias para limitar o financiamento a empresas poluentes. “O foco tem de estar no cliente”, disse que admitiu ajudar os clientes na transição climática e transição digital.

A ideia de que há a imposição do regulador para forçar os bancos a financiarem os setores green e a fechar a torneira aos setores brown, não convence também o CEO do Novobanco. António Ramalho defende que “longo prazo é uma sucessão de curtos prazos”.

“Há um trabalho que está a ser feito de forma consistente pelas diversas instituições, de definição de prioridades na transição ESG dos bancos”, disse Ramalho defendendo que o seu objetivo é que a marca seja reposicionada para ser compliance com os princípios ESG.

António Ramalho diz que o preocupa mais o Greenwashing, nome dado ao uso publicitário, numa técnica de vendas, em que o consumidor é induzido a acreditar que a sustentabilidade é o pilar principal de determinado produto, empresa ou projeto, sem qualquer fundamento cientificamente comprovado.

Miguel Maya é apologista “dos incentivos fiscais para incentivar a transição” das empresas para a economia verde.

“Há quantas décadas estamos a falar de uma contragarantia do Estado para um seguro que proteja os riscos sísmicos? Segurar os riscos físicos é ainda mais importante. Criar fundos para cobrir os riscos físicos a nível europeu”, defendeu o CEO do BCP. “Temos de ser mais rápidos a decidir”, concluiu o banqueiro.

Paulo Macedo, por sua vez, disse que o levantamento dos riscos físicos, deve ser feito, mas é um trabalho gradual, até porque nem todas as empresas, sobretudo as PME ou empresários em nome individual, terão capacidade para os dar [aos bancos]. “Já é possível mapear o risco sísmico, o risco costeiro, o risco de cheias, o risco de incêndios”, lembrou o presidente da CGD.

“O que é importante agora é executar o PRR, que tem a dimensão de vários Planos de Marshall”, frisou Paulo Macedo.

“O sistema financeiro e o mercado de capitais vão ser muito importantes na transição climática”, defendeu por sua vez o presidente do Santander Totta que acredita no papel dos incentivos para acelerar essa transição, “quer seja através da ponderação do capital para os bancos através da perda esperada, quer através de fiscalidade”. O CEO lembrou o apoio à eficiência energética das casas no crédito à habitação.

“Mas não são os bancos, no âmbito do green finance, que vão dizer a uma grande petrolífera que tem de passar de brown para green, e dizer qual é o plano estratégico que tem de seguir. O que vamos poder fazer é olhar para o plano estratégico e ver como é que o podemos ajudar”, disse Pedro Castro e Almeida.

“O sistema financeiro pode também apoiar a escala, e permitir aos nossos clientes que possam beneficiar do efeito escala nesta transição”, disse ainda o CEO do Santander Totta.

Por fim, Miguel Maya, CEO do BCP, alertou para a necessidade de um equilíbrio das finanças públicas. “Este nível de dívida não é sustentável com um aumento de juros, pelo que deve ser uma prioridade”, alertou o presidente do Millennium BCP.

Já o presidente da Caixa Geral de Depósitos considera que são “as pessoas, em última análise, que fazem toda a diferença”, disse Paulo Macedo que considera que  o G (Governance) do ESG (environmental, social and corporate governance) é o mais importante nas instituições.

“A qualidade das instituições faz a diferença a que também não é indiferente a dimensão”, concluiu o CEO da CGD.

 

 

 

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