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Botafogo já foi o mais poderoso navio de guerra português. Agora é um mega-projeto offshore na Figueira da Foz

Consórcio hispano-celta quer investir 2,5 mil milhões de euros para construir uma central eólica com um gigawatt ao largo da Figueira da Foz. Botafogo acabou por dar origem a um bairro do Rio de Janeiro e ao famoso clube de futebol carioca.
17 Fevereiro 2023, 15h30

O galeão São João Baptista cruzou os mares nos século XVI. À época, o navio de guerra português era considerado o mais poderoso do mundo, com mil toneladas e 200 peças de artilharia pesada. Devido ao seu poder ofensivo, o navio ficou conhecido como botafogo. O navio foi construído nos estaleiros de Lisboa e ficou famoso pelo ataque a Tunes em 1535 e pela batalha de Alcântara em 1580, apoiando a partir do mar as forças de António Prior do Crato.

O responsável de artilharia era um fidalgo de Elvas, João Pereira de Souza (também surge identificado como João de Souza Pereira), que acabou por ganhar a alcunha do navio.

Mais tarde, foi para o Brasil. “João Pereira de Souza Botafogo, capitão-mor de São Vicente entre 1595 e 1597, um pequeno nobre originário de Portugal. Migrou para o Brasil fugindo da perseguição que vinha sofrendo no reino após ele e sua família terem participado de “crimes e resistências” por conta da ordem da rainha regente d. Catarina de permitir passar a América os criminosos para a conquista dos índios bárbaros”, segundo uma tese de dissertação do mestrado em história da Universidade Fluminense.

No outro lado do Atlântico lutou contra os franceses e os índios tamoios, como lugar-tenente do governador-geral António Salema, e depois promovido a capitão-mor da Capitania de São Vicente.  A coroa portuguesa “recompensou-o com duas sesmarias, a de Francisco Velho e a de Inhaúma, terras que partiam do Rio Carioca, contornavam o morro da Viúva e estendiam-se praia adiante, cuja beleza inserida na enseada [na Baía de Guanabara] a fez ser conhecida como a praia ‘do Botafogo'”, segundo um paper da Universidade Aberta.

O tempo passou, o Rio de Janeiro cresceu e desenvolveu-se, e a zona ficou conhecida como Botafogo (urbanizada a partir do séc. XIX) e acabou por dar origem ao clube de futebol carioca Botafogo de Futebol e Regatas.

O nome Botafogo ganha agora nova vida: é um projeto para uma central eólica offshore (marítima) ao largo da Figueira da Foz, precisamente em homenagem ao temido navio.

A central ocupará uma área de 359 km2 e terá 55 turbinas eólicas, cada uma com uma capacidade de 18MW, o que perfaz um total de 990 MW de capacidade instalada. O investimento total do consórcio espanhol-irlandês da Iberblue Wind atinge os 2,5 mil milhões de euros.

“A Figueira da Foz é uma das cinco áreas propostas pelo Governo português para a exploração de energias renováveis no mar e a escolha da IberBlue Wind nesta área justifica-se pela combinação entre o seu elevado potencial eólico, infraestrutura portuária e baixo impacto sobre outras atividades que decorrem na área envolvente”, segundo o comunicado hoje divulgado.

“A implementação deste projeto exigirá uma grande colaboração com diferentes stakeholders e, nesse sentido, a IberBlue Wind já iniciou os contactos com os portos, bem como com outras instituições regionais e locais, a fim de reunir todas as contribuições e proporcionar ao projeto a máxima transparência e integração no território. O desenvolvimento deste projeto permitirá a criação de milhares de postos de trabalho, sendo que a grande maioria estará alocada à fase de desenvolvimento e construção do parque eólico, e o resto para a operação e manutenção das turbinas eólicas durante os anos de funcionamento”, pode-se ler no documento.

A central offshore será apoiada por “plataformas flutuantes ancoradas no fundo do mar, o que permite a sua localização a 30-50 km da costa e reduz consideravelmente o seu impacto visual. Esta tecnologia permite que as turbinas eólicas se situem em águas mais profundas, afastadas da costa, o que supera a dificuldade colocadas pela estreiteza da plataforma continental ao largo da Península Ibérica”.

“A Figueira da Foz é uma região com grande potencial. Além do elevado potencial eólico e a infraestrutura portuária existente, situa-se na zona centro do país, que tem uma procura significativa de energia através de clientes industriais e privados”, disse em comunicado Adrián de Andrés, vice-presidente da empresa.

A IberBlue Wind conta com outro projeto: o Nao Victoria, localizado no Mar de Alborão, ao largo das costas de Cádis e Málaga, com uma área de 310 km2 e uma capacidade instalada de, também, 990 MW. O seu objetivo é instalar dis gigawatts na Península Ibérica.

Vikings regressam ao mar português mais de mil anos depois

Há quase 1.200 anos os vikings atacaram a cidade de Lisboa. Estavam em fuga do que é agora o norte de Espanha depois de terem sido derrotados por tropas locais e de terem sido fustigados por uma forte tempestade. Corria o ano de 844.

Mais tarde, 172 anos depois em 1016, os vikings regressaram ao que são agora terras lusitanas: subiram o rio Ave e atacaram o castelo de Vermoim, em Famalicão, tendo o ataque culminado na morte do conde Alvito Nunes, como recordou o jornal “Público” em setembro de 2016.

Agora, mais de mil anos depois, uma nova ofensiva viking ruma a sul com o objetivo de conquistar o mar português e instalar projetos de energia eólica marítima (offshore).

“Estamos a olhar para Portugal como um mercado interessante”, disse ao JE Einar Tollaksvik, diretor da empresa Saga Subsea e membro do cluster industrial Norwegian Offshore Wind.

“É muito interessante o que está a acontecer agora em Portugal, muito interessante para os investimentos noruegueses. Temos de estabelecer colaborações entre empresas norueguesas e portuguesas, e associações dos dois países”, defendeu em videochamada.

O responsável integrou uma comitiva de industriais noruegueses – que contou com a agência de promoção de investimentos do país, a Invest in Norway – que visitou Portugal na semana passada com o objetivo de avaliar parcerias para investimentos no offshore por cá, na Noruega, e noutros países.

“Isto não se trata apenas de empresas norueguesas que vêm para Portugal e querem investir cá: é também uma oportunidade para empresas portuguesas virem investir no mercado de vento offshore na Noruega”, acrescenta.

A comitiva esteve reunida com o secretário de Estado do Mar, José Maria Costa, e a secretária de Estado da Energia, Ana Fontoura Gouveia.

Einar Tollaksvik cita uma análise feita pela Norwegian Offshore Wind que concluiu que a “cadeia de abastecimento norueguesa tem a capacidade de fornecer 13% do mercado global offshore. Se houver colaboração entre empresas portuguesas e norueguesas isso também abre portas a encontrar novos projetos além dos dois países”.

A ponte ficou estabelecida entre os dois países e ficou em aberto a possibilidade de novos contactos para forjar parcerias.

Uns dias depois da visita da  indústria offshore norueguesa, os dinamarqueses da Copenhagen Infrastructure Partners (CIP) anunciaram a intenção de instalar um projeto de energia eólica offshore ao largo da Figueira da Foz.

O projeto Nortada conta com uma potência total de dois gigawatts (GW) num valor total de oito mil milhões de euros.

A Copenhagen gere um total de dez fundos com um poder de fogo de 19 mil milhões de euros, com o projeto Nortada a ser desenvolvido pela Copenhagen Offshore Partners (COP) “empresa líder no desenvolvimento, construção e operação de projetos de energia eólica offshore, e parceiro exclusivo para o desenvolvimento, construção e operação de parques eólicos offshore da gestora de fundos CIP”.

“O projeto Nortada será o primeiro parque eólico offshore de grande escala em Portugal. Queremos que represente a aceleração da transição energética portuguesa, que seja um exemplo na produção de energia limpa, pensado de forma holística em todas as suas componentes, e que simbolize uma aposta na reindustrialização e no crescimento económico do país”, afirma Afonso César Machado, responsável da COP pelo mercado português.

“A energia eólica offshore tem um enorme potencial de crescimento e evolução e, como tal, representa uma colossal oportunidade para o país. Com a materialização deste projeto, pretendemos colocar Portugal na linha da frente da transição energética a nível mundial”, acrescenta a responsável.

Numa fase já mais avançada, uma empresa alemã submeteu em outubro um pedido junto das autoridades portuguesas para construir uma central eólica marítima (offshore), mas fora deste leilão. O projeto fica localizado ao largo de Viana do Castelo e não vai contar com tarifas bonificadas. O projeto prevê um investimento de 2,5 mil milhões de euros. A companhia pretende iniciar a construção em 2025 para o projeto arrancar em 2028.

A BayWa Re “candidatou-se oficialmente para garantir os direitos de utilização exclusiva do espaço marítimo, de forma a desenvolver um parque eólico flutuante com 30 turbinas e até 600 MW no total, numa zona especificamente designada para o efeito ao largo de Viana do Castelo”. Atualmente, continua à espera de decisão por parte das autoridades.

Viana, Sines, Ericeira ou Sintra/Cascais. Estas são as oito áreas da eólica offshore

São 3.400 quilómetros quadrados no mar português para instalar 11 gigawatts de energia eólica marítima (offshore) divididos por oito áreas. Esta é a proposta do Governo que entrou em consulta pública a 30 de janeiro durante 30 dias úteis.

Destas oito áreas, seis destinam-se a instalar tecnologia fixa: as bases dos aerogeradores são fixados ao fim do mar, em zonas onde a profundidade máxima atinge os 50 metros: Matosinhos (181 km2 para instalar 995 megawatts) e a área de jurisdição portuária do porto de Sines (10 km2 para instalar 53 megawatts). Estas duas áreas contam com um total de 191 km2 para instalar mais de mil megawatts.

Seguem-se as seis áreas para instalar centrais flutuantes em locais onde as profundidas variam entre os 75 metros e os 200 metros) que vão de Viana do Castelo até Sines num total de 3.200 km2, numa potência de 10 gigawatts. A saber: Viana do Castelo (663 km2 para dois gigawatts), Leixões (463 km2 para 1,5 gigas), Figueira da Foz (1.238 para 4 gigas), Ericeira (256 km2) e Sintra/Cascais (84 km2) para 1 gigawatt, e Sines (499 km2 para 1,5 gigas).

E qual a distância mínima que estas áreas ficam de terra? Viana do Castelo (18,9 kms), Leixões (37,5 kms), Figueira da Foz (35 kms), Ericeira (10,5 kms), Sintra/Cascais (10,6 kms), Sines área norte (16,5), Sines área sul (15,5 kms), Matosinhos (3,5 kms), Sines (área de jurisdição portuária (1,8 kms).

“A seleção das áreas propostas procurou-se reduzir ao mínimo a interferência com os usos comuns do espaço marítimo, nomeadamente a pesca local e a navegação das embarcações de recreio”, pode-se ler no documento. Neste enquadramento, excetuando a área de Matosinhos (a 1,86 mn) e a área sob jurisdição portuária do Porto de Sines, todas as restantes situam-se a uma distância da linha de costa entre 5,65 milhas náuticas (mn) e as 30,03 mn”.

“O maior afastamento das áreas espacializadas à linha de costa tem impacto relevante no modelo da rede elétrica a desenvolver, quer offshore, quer onshore, nomeadamente em virtude dos elevados montantes de potência em cada uma das áreas espacializadas e da distância destas à infraestrutura da rede nacional de transporte (RNT)  existente em terra, não sendo possível determinar, nesta fase, entre  outros aspetos, a topologia das infraestruturas da RNT a estabelecer no espaço marítimo nacional (EMN), a sua tecnologia e se as mesmas serão operadas em corrente alternada ou em corrente contínua”.

O primeiro-ministro disse recentemente que o leilão deverá ser lançado até setembro.

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