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Coronavírus e queda do petróleo amplificam fraquezas perspetivadas para 2020, alerta Moody’s

A Covid-19 e a queda de cotações internacionais do petróleo criaram choques gémeos que estão a abalar o mundo e exigem a revisão, em 2020, da notação financeira atribuída aos emissores soberanos, refere a agência Moody’s, admitindo a probabilidade do segundo semestre registar uma melhoria na atividade económica.
23 Março 2020, 13h07

A perspectiva de Outlook negativo lançada pela agência de notação financeira Moody’s sobre os emissores de dívida soberana a nível global – detalhada no “Global Sovereign Outlook 2020” na Moody’s – “refletiu a crescente vulnerabilidade dos créditos soberanos aos choques que enfrentam”, refere a análise de 20 de março elaborada pela equipa de Sovereign Risk da Moody’s, dirigida pela vice presidente sénior, Sarah Carlson. Diz a Moody’s que, “com certeza, os choques provocados pela pandemia de coronavírus, conjugados com a queda acentuada nos preços do petróleo estão a expor a vulnerabilidade dos emissores soberanos em cada um dos canais de crédito identificados como pontos fracos”.

Desta forma, a Moody’s refere que estes choques “vão reduzir o crescimento do PIB e a capacidade fiscal, aprofundam a vulnerabilidade dos emissores soberanos, especialmente dos mais fracos às mudanças e expõem fraquezas mais ‘amplas’ nas instituições nacionais e internacionais”.

“Presumimos atualmente que a crise, por mais severa que seja, tenha vida relativamente curta e que o crescimento é retomado na segunda metade do ano”, prevê a agência. No entanto, salvaguarda que “o impacto da crise é dinâmico e pode mudar”. Se o impacto sobre o crescimento for maior e mais prolongado, com o endividamento a aumentar e com financiamentos menos disponíveis do que o esperado, “as implicações de crédito para os soberanos seriam mais profundas”, admite a Moody’s.

Novos choques gémeos abalam mundo

A agência de notação considera que o mundo está perante “choques gêmeos” – da crise da Covid-19 e da queda das cotações do petróleo – que “danificaram o ambiente global de crédito. A sua duração “determinará a trajetória dos ratings soberanos globais”, considera.

Assim, “a rápida disseminação do surto de coronavírus e as cotações fortemente mais baixas no petróleo enfraqueceram significativamente o cenário económico global”, adianta a Moody’s.

Esta realidade está a criar “um severo e extenso choque de crédito em muitos setores, regiões e mercados”, diz a agência de notação, considerando que “o efeito combinado desses desenvolvimentos não tem precedentes”.

A Moody’s teme “que a qualidade do crédito em todo o mundo continuará a deteriorar-se, especialmente para os emissores mais afetados por receitas reduzidas nos sectores de atividade mais vulneráveis, e também por interrupções nas cadeias de abastecimento ou, ainda, pelo aumento da aversão ao risco por parte dos investidores”.

O atual relatório da Moody’s discute as implicações da crise para emissores soberanos, admitindo que “a crise, por mais grave que seja, pode ter vida curta e que o crescimento pode ser retomado na segunda metade do ano sem danos mais duradouros infligidos sobre as economias e os sistemas financeiros”.

Refere ainda que “os ‘soberanos’ podem enfrentar tempestades que outros não conseguem”, pois, de um modo geral, “eles têm bolsos fundos, amplas fontes de receita e de financiamento, incluindo sistemas bancários de apoio e a capacidade única de determinar quais são as despesas obrigatórias, que eles cumprem, geralmente sem sanções”.

“Esperamos que os choques sejam temporários”

“Analisamos choques que esperamos que sejam temporários, cujo impacto será corrigido ao longo do tempo (por exemplo, perdas não permanentes na capacidade produtiva) ou limitado (por exemplo, níveis marginalmente mais altos de dívida)”, refere a Moody’s.

De momento, a agência espera que “quaisquer consequências materiais de crédito e classificação se concentrem nos ‘soberanos’ mais fracos ou naqueles que enfrentam desafios idiossincráticos, provavelmente relacionados com instituições fracas ou com uma formulação de políticas ineficazes”. E “ajustará as classificações para refletir as mudanças nos perfis de risco de crédito que consideramos improváveis ​​de se recuperarem totalmente nos próximos anos e naqueles com maior risco de inadimplência”, ou seja, dos que não forem capazes de cumprir obrigações.

A Moody’s salvaguarda que as suas “premissas sobre o impacto económico da crise são dinâmicas e já pioraram”, como referiu nas recentes revisões às previsões de crescimento global. Admite, assim, que “podem surgir cenários mais pessimistas em que (seja como consequência direta da crise ou devido à resposta do público e das políticas), o crescimento é abalado mais profundamente e – sobretudo – durante um período mais longo e o acesso ao financiamento a taxas acessíveis torna-se ainda mais seletivo do que esperamos atualmente”.

Pressões manifestam-se em quatro canais

Nesse caso considera que “as maiores pressões vão provavelmente manifestar-se através de quatro canais amplos e essas pressões seriam claramente maiores nos cenários em que esses canais se cruzam, provavelmente afetando as commodities mais fracas”. Assim, admite um “cenário com perspetivas de crescimento global ainda mais pesadas sobre as finanças do Governo, aumentando a carga de dívida já alta”. As pressões nesse canal “seriam amplamente sentidas e particularmente agudas em crescimento lento, altamente endividado de economias avançadas, incluindo a Itália (com notação Baa3, estável), o Japão (A1, estável) e o Reino Unido (Aa2, negativo)”, refere.

No cenário de “choque específico para uma economia altamente concentrada, causaria danos graves ao crescimento, com consequências significativas para todos os aspetos do perfil de crédito soberano”. Seriam os casos de economias dependentes do turismo, como a Jamaica (B2, estável), República Dominicana (Ba3, estável) e Maldivas (B2, negativo)”, adianta.

No cenário de “choques adicionais sobre os preços do petróleo, gás ou sobre commodities, minando ainda mais o crescimento e as finanças públicas”, a Moody’s refere os casos de “países dependentes de commodities, como a Arábia Saudita (A1, estável) ou o Kuwait (Aa2, estável), ou como Omã (Ba2, estável), Costa Rica (B2, estável) ou o Suriname (B2, estável)”.

Finalmente, no cenário em que as “mudanças no apetite pelo risco” causam “saídas de capital”, negando o acesso dos ‘soberanos’ expostos ao financiamento a taxas acessíveis, a Moody’s inclui as situações com “créditos mais fracos, altamente dependentes de empréstimos em moeda estrangeira”, como “a Turquia (B1, negativo), Sri Lanka (B2, estável), Tunísia (B2, estável) ou Mongólia (B3, estável), embora economias avançadas como a Itália também possam ficar sob pressão”, comenta.

Ameaça ao crédito soberano

No final do ano passado, “as nossas perspectivas negativas para os soberanos globais em 2020 destacaram os fatores cíclicos e estruturais do menor crescimento global como uma ampla ameaça ao crédito soberano”, recorda a Moody’s. Mas “a inesperada crise do coronavírus constitui um choque enorme para a oferta e a procura na economia global”, refere.

Isso “provocou restrições e quarentenas em viagens, bem como o encerramento de escolas, fábricas e negócios em algumas das maiores economias do mundo” e o “consumo privado caiu acentuadamente em consequência dessas limitações e de uma fraca confiança”, refere a agência.

“A maioria dos governos anunciou pacotes para alocar mais recursos (às vezes significativamente mais) para cuidados de saúde”, refere. Neste enquadramento, a Moody’s atribui à China uma notação de “A1, estável, que até agora gastou 650 mil milhões de renminbis (cerca de 85,49 mil milhões de euros) em tratamentos médicos e ações de controle do coronavírus”. Seguindo-se a Coreia (Aa2 estável) que “aumentou os gastos com saúde e os esforços de controle de doenças em 2,3 trilhões de won”, a Itália, que anunciou um adicional de 3,5 mil milhões de euros para o seu sistema de saúde e para a agência de proteção civil responsável por organizar o combate ao coronavírus.

O Reino Unido, que no seu orçamento de 11 de março de 2020 anunciou um aumento de 5 mil milhões de libras para financiar o Serviço Nacional de Saúde. Espanha (com Baa1, estável) anunciou 2,8 mil milhões de euros em transferências para governos regionais, de forma a reforçar seus sistemas de saúde e mais 1,0 mil milhões de euros ao nível do Governo central, para intervenções prioritárias em saúde.

No continente americano, no sul, o Brasil (Ba2, estável) anunciou um aumento de 1,0 mil milhões de dólares em gastos com saúde destinados a reduzir a propagação do coronavírus. No norte, o Canadá (Aaa, estável) anunciou um fundo de emergência de 1,0 mil milhões de dólares canadianos para os sistemas provinciais de saúde e os EUA aprovaram um pacote de gastos de emergência com coronavírus de 8,3 mil milhões de dólares para apoiar o desenvolvimento de uma vacina.

Entre os países com baixos encargos da dívida, como a Coreia, a Rússia (Baa3, estável) ou a Alemanha (Aaa, estável), “têm amplo espaço fiscal para alavancar orçamento do Governo e apoiar a economia”, refere a Moody’s. Por outro lado, os ‘soberanos’ – incluindo muitos na Europa – que aumentaram o seu endividamento na última década, “podem ter pouca escolha, a não ser permitir que sua capacidade creditícia diminua, se a pandemia os obrigar a tomar ações mais drásticas”. A Moody’s alerta ainda que “não podem confiar nas condições de financiamento muito benignas que prevaleceram nos últimos anos”.

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