[weglot_switcher]

‘Dark Store’: Viagem aos bastidores do Continente online

Fazer compras ‘online’ deixou há muito de ser um bichinho de sete cabeças para muitos portugueses. Tudo passou a estar disponível à distância de um clique, no teclado ou no écrã. Roupas, sapatos, cosméticos, perfumes, livros, DVD, bebidas, artigos raros são algumas das atuais categorias características de produtos mais procurados no comércio eletrónico (‘e-commerce’) a nível global, em ascendência contínua desde há vários anos e com perspetivas de expansão quase ilimitada.
4 Novembro 2017, 10h00

Portugal pode não ser o líder dos mercados entusiastas do e-commerce, mas está certamente na linha da frente à escala mundial neste capítulo. Num mundo em que os quilómetros deixaram de ser um problema e a disponibilidade depende apenas da vontade, porque se pode comprar e receber tudo, quando e onde se quiser, o fluxo transacional do comércio eletrónico está em alta e tem um dos seus pontos cimeiros no segmento da grande distribuição, onde a necessidade de uma logística bem afinada é ainda mais crucial para o êxito das operações e para a satisfação dos clientes. Frescos, outras categorias alimentares e pet food (alimentação para animais) são as categorias mais procuradas.

O Jornal Económico teve a oportunidade de visitar os bastidores do comércio online da rede de hiper e supermercados Continente na área da Grande Lisboa. É uma viagem ao outro lado do Continente, ao ‘lado B’ da insígnia da família Azevedo na grande distribuição. E é essa viagem ao que se designa na gíria dos entendidos do setor como a ‘dark store’ do Continente, localizada na zona de Telheiras, que lhe propomos nos próximos minutos.

A começar pela razão de ser desta designação: ‘dark store’, ou seja, loja escura. Os leitores mais avançados na idade lembrar-se-ão de como é que eram os supermercados, lojas, mini-mercados ou até os famosos ‘lugares’ de bairro antes da era da distribuição moderna em Portugal: cheios de caixas de cartão de onde se tiravam os produtos, com pouca iluminação.

“Chamam-se ‘dark stores’ porque têm uma intensidade de luz mais baixa que as luzes normais de supermercados e hipermercados. São como os supermercados eram há cerca de 30 anos em Portugal”, explica o head of e-commerce & mobile da Sonae MC, Pedro Santos, ao Jornal Económico.

Cinco mil referências no armazém

Nesta visita ao centro de distribuição de comércio online da rede Continente na Grande Lisboa fomos também acompanhados por Pedro Correia, diretor desta infraestrutura. As vendas online no Continente começaram em 2001, mas este centro arrancou apenas em 2015.

Após 105 dias de construção, foram precisos mais 18 dias para encher o centro com os produtos necessários para tornar a operação sustentável. São dez mil metros quadrados de área pavimentada com betão industrial, sete mil metros quadrados de cobertura, que albergam mais de cinco mil tipos de artigos diferentes, 18 mil caixas, cerca de 750 paletes. Num investimento que os responsáveis do Continente MC não quiseram revelar.

“Dantes, a distribuição de encomendas e-commerce da rede Continente na Área Metropolitana de Lisboa era feita em loja, o que provocava congestionamento e ineficiência. Neste centro, temos uma equipa multidisciplinar de vários departamentos e as nossas práticas também são aplicadas com base na investigação à concorrência e a outros retalhistas internacionais”, adianta Pedro Correia. São mais de 15 equipas internas do Continente, mais de 80 funcionários envolvidos na operação.

Este novo centro veio permitir maior velocidade na execução das entregas das encomendas online e uma minimização dos impactos da operação na loja. Evitou-se o anterior congestionamento, a ineficiência, as limitações de espaço e um baixo nível de serviço ao cliente. O que era um limite para o crescimento das operações de e-commerce e de toda a atividade do Continente. A solução foi recolher as experiências (benchmark) de grandes operadores retalhistas mundiais neste segmento de atividade, como a ASDA, Tesco e Waitrose.

“Temos aqui armazenados cerca de cinco mil artigos, cerca de cinco mil referências, temos câmaras de congelados para iogurtes, para frutas e legumes, para carnes, para peixes. Por isso, temos áreas com temperaturas controladas, com frio positivo e com frio negativo. Este centro tem mais de sete mil metros quadrados de área. Fazemos entregas diárias e em coordenação com o centro de distribuição do Continente na Azambuja”, garante o responsável do Continente por esta ‘dark store’.

800 encomendas por dia

Para este centro, colaboram diariamente mais de 150 trabalhadores e operam mais de 40 viaturas de distribuição. Esta ‘dark store’ responde a uma média superior a 800 encomendas/dia. Funciona com dois turnos, das seis às 15 horas e das 15 horas às 24 horas, exceto no Natal e na passagem de ano, onde, na prática, não há turnos, tal é a procura.

“Neste momento, encontramo-nos numa fase de estabilização de processos e de consolidação de experiências. Com este centro, libertámos o core em loja para o core que é o cliente físico. Há mais qualidade de serviço e mais capacidade de resposta aos diversos tipos de clientes”, destaca Pedro Correia.

O cliente pode aceder ao serviço online do Continente através do site ou da app. Faz a sua encomenda através de um clique. A encomenda é direcionada em função do código postal. Se for da Área Metropolitana de Lisboa, vai parar ao centro de logística do Continente, em Telheiras/Lumiar. Se for no Porto, por exemplo, vai parar a outros locais de distribuição da rede Continente, conforme os modelos, com destaque para o picking (recolha das encomendas a partir das próprias lojas).

Depois, as encomendas são distribuídas consoante as slots (períodos horários) de requisição de entrega por parte dos clientes. A grande maioria das encomendas incide nos produtos alimentares, mas o armazém está dividido em produtos alimentares e não alimentares, para facilitar a reposição dos artigos. Nos alimentares, o destaque vai para os frescos, para a mercearia e para as bebidas.

Aqui, o foco da organização do espaço não é ser o mais apelativo ao cliente, mas ser o mais eficiente possível na cadeia de distribuição e de entrega. Os produtos estão colocados nas prateleiras (lineares) em caixas de cartão. Nos produtos não alimentares, o destaque vai para os detergentes ou para a pet food, por exemplo.

E depois há armazéns com frio positivo e negativo, com temperatura controlada, para proteger as embalagens. Confuso? Entre 5º e 7º graus, temos um frio positivo, para frutas e legumes. A dois graus, temos os iogurtes, as sopas pré-praparadas, carnes embaladas e outros produtos de charcutaria, queijos, fruta embalada e a granel. Os congelados são armazenados em câmaras de frio a temperaturas de 20º graus negativos. Estamos a falar de peixe, legumes congelados e outros congelados. Este é o frio negativo.

“Temos vários tipos de soluções. Aqui, temos disponíveis cerca de cinco mil artigos, mas em toda a rede Continente online temos disponíveis mais de 30 mil referências, incluindo os artigos com menos volumes de entregas. Aqui, centralizamos mensalmente mais de 100 artigos. Depois, há artigos que têm uma predominância sazonal, como as lenhas, no inverno, ou o carvão, no verão. Depois, em cada produto, tentamos adaptar a nossa oferta às preferências do consumidor. Estamos a conseguir alguma expansão interna dentro deste centro, no nosso esforço de melhoria contínua”, explica Pedro Correia.

E como é que é feita a distribuição a partir daqui? Há os produtos A, que são os produtos que têm muita penetração, que enchem uma caixa num instante, pelo seu volume. Além deste particular, primeiro, carregam-se as carrinhas de distribuição com produtos à temperatura ambiente e depois os congelados ou com temperaturas a frio positivo, com embalagens específicas, garantindo que não existem quebras de temperatura até chegarem às casas dos clientes.

A ‘dark store’ do Continente em Telheiras trabalha sete dias por semana, em três períodos, entre as oito da mahã e as 11h30m, depois entre as 14h30m e as 18h30, e finalmente entre as 18h30m e o final da noite. Serve as áreas de Lisboa, Amadora, Loures, Odivelas, Oeiras, Santo António dos Cavaleiros. Neste momento, Cascais ainda está de fora.

Continente tem 500 mil clientes no ‘online’

E qual o impacto do segmento de e-commerce no volume de negócios e na base de clientes do Continente? “A penetração do nosso serviço online está a crescer a dois dígitos ao ano desde 2015. Esta é uma alavanca importante para acelerar os níveis de crescimento da rede Continente e servir clientes com maiores níveis de sustentabilidade e de conveniência. Neste momento, o Continente tem mais de 500 mil clientes listados online, o que demonstra a disseminação cada vez maior do e-commerce”, assegura Pedro Santos.

Para este responsável, “o nosso crescimento de vendas nas vendas online também é por aumento de recorrência, e os frescos têm aqui muita importância, porque são uma garantia de confiança reforçada por parte do cliente”.

Pedro Santos acrescenta que, neste momento, a rede online do Continente serve Portugal Continental. Em relação aos clientes, a grande maioria são particulares. “Temo-nos apercebido que existem clientes empresariais, mas que têm o mesmo comportamento que os clientes domésticos, como creches, com encomendas de leites ou iogurtes, ou escritórios de advogados, com encomendas de cestos de fruta”, esclarece Pedro Correia.

Por seu turno, Pedro Santos destaca “que este é um caso único de diferenciação, porque andámos a ver o que os outros players do setor faziam de melhor e criámos este modelo, que, aliás, já recebeu um prémio da APLOG [associação nacional de operadores de logística], para melhor exemplo de logística nacional, além de ter sido nomeado para receber um prémio europeu de excelência logística”.

E para chegar a essa excelência, a rede Continente Online não descura um pormenor que seja, chegando ao ponto de fazer das carrinhas de distribuição um espaço privilegiado de comunicação e publicidade do serviço aos consumidores. “Até nos tejadilhos temos mensagens para que os clientes que estão à janela ou à varanda saibam o que estamos a fazer”, defende Pedro Santos.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.