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Eleições no Brasil: Abençoado por Deus e bonito por natureza, ou o inferno do costume

Numa altura em que o candidato da extrema-direita às eleições presidenciais brasileiras, Jair Bolsonaro, parece ter a vitória assegurada, duas ordens de problemas afiguram-se como sendo as de mais difícil solução.
28 Outubro 2018, 10h30

Numa altura em que o candidato da extrema-direita às eleições presidenciais brasileiras, Jair Bolsonaro, parece ter a vitória assegurada, duas ordens de problemas afiguram-se como sendo as de mais difícil solução. A primeira delas é interna e tem a ver com a formação do seu executivo; e a segunda é de ordem internacional: como vai o truculento ex-militar ser recebido pelos seus pares depois de, nesse particular, o seu antecessor, Michel Temer, ter passado por tão notórias dificuldades.

Para o comentador e analista político Francisco Seixas da Costa, “a formação do governo vai ser um dos problemas mais difíceis para Bolsonaro. Desde logo porque o seu partido, o PSL (Partido Social Liberal) é de formação recente – surgiu em última análise para apoiar a candidatura de Bolsonaro – e por isso não tem quadros com suficiente experiência política que sirvam de respaldo ao eventual futuro presidente.

Para todos os efeitos – e face ao complicado sistema brasileiro de renovação do Senado e do Congresso – o PSL e o Partido dos Trabalhadores (PT) são aqueles que, por ordem inversa, mais deputados têm neste momento no Congresso: o partido de Bolsonaro tem 52 deputados (em 2014 elegeu apenas um) e a formação de Fernando Haddad (que está na segunda volta) conta com 57 (menos 13 que nas eleições anteriores).

Bolsonaro terá que partir para a ‘lotaria’ das coligações, o que, por um lado, o coloca nas mãos de partidos que não são o seu, como enfatizou Seixas da Costa, e, por outro, implicam que as suas políticas tenham de ser adoçadas aos partidos que vierem a fazer parte do governo. Bolsonaro arrisca-se a ter no seu executivo personagens que não lhe convêm – como ficou bem demonstrado ser possível no histórico recente dos executivos brasileiros.

A frente externa

É na frente externa, dizem os comentadores, que o pior pode estar à espera de Jair Bolsonaro, no caso de ser eleito presidente. Como economia emergente que é – ou chegou a ser, sendo um dos componentes do grupo BRIC – o Brasil faz parte do restrito grupo do G20, que tão ingratas memórias por certo trará ao seu antecessor, Michel Temer.

O ainda presidente até 2019 nunca conseguiu impor a sua presença nem a força do seu país nos enclaves em que esteve presente – tendo mesmo chegado a sair do primeiro em que esteve presente, em 2016, sem participar em qualquer reunião bilateral com qualquer dos restantes membros do grupo.

Bolsonaro tem por isso, logo à partida, a obrigação de esbater esta apagada herança de Temer mas o problema é que terá pela frente uma maioria que por certo manterá sérias reservas face àquelas que foram as mais memoráveis tiradas do candidato do PSL. Descontando-se o que tem a ver com questões sociais, aquilo que Bolsonaro disse sobre o que ele quer que seja o Brasil em termos políticos não é de modo a conseguir grandes amizades no quadro do G20.

Claro que Bolsonaro vai poder privar com o presidente norte-americano Donald Trump e com o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte (que, apesar de tudo, não é Matteo Salvini, o líder da Liga italiana, que muito comemorou a vitória do ex-militar na primeira volta das presidenciais); mas os líderes dos países europeus que fazem parte do agregado, a própria União Europeia que também ali tem assento específico a Turquia, o Canadá, o México ou a China não estarão propriamente de braços abertos para receber o presidente brasileiro, se se der o caso de ser Bolsonaro.

E contudo, pode mesmo ser aí que está a ‘salvação’ internacional de Jair Bolsonaro. É que o presidente Donald Trump precisa urgentemente de um país que, na América do Sul, lhe dê apoio às iniciativas anti-imigração, por um lado, e lhe sirva de caixa de ressonância em relação a algumas decisões que podem implicar países daquela região (por exemplo a Venezuela), por outro.

Ou, dito de outra forma, Bolsonaro pode vir a ser o parceiro certo de Trump no terreno concreto do continente sul-americano. Para já, não há grandes indicações sobre qualquer aproximação entre os dois, mas a questão permanece em aberto e alguns comentadores temem o pior.

A frente económica

Esperança nunca confirmada e certeza sempre adiada, a economia brasileira está mais ou menos onde esteve sempre, salvo raras exceções: entre o abismo da recessão e o bocejo do crescimento paupérrimo. Depois de dois anos consecutivos de contração, o crescimento da economia brasileira no segundo trimestre do ano (o último para que há valores) foi de 0,2%. Na sede do FMI em Washington, as campainhas já estão a soar há muito e a evolução apesar de tudo positiva do último trimestre não foi suficiente para as calar.

A tal ponto, que os responsáveis do fundo não se coibiram de dizer publicamente que uma vitória eventual de um candidato que pretenda fechar o país ao comércio internacional e ao investimento estrangeiro será um desastre para a economia. A barragem de fogo vinda do estrangeiro começou mal se soube que Bolsonaro tinha hipóteses de passar para a segunda volta.

Há já várias semanas que a normalmente circunspecta revista “The Economist” dedicava o tema de capa ao flagelo que seria uma vitória do candidato do PSL. E não se poupava na adjetivação: descrevia o eventual magistério de Bolsonaro como uma machadada na economia do Brasil, com repercussões nas economias limítrofes, principalmente nas que se encontram mais expostas ao maior país da América do Sul – que, juntamente com a Argentina, é um dos dois únicos representantes do subcontinente no G20 (o México, na América Central, também faz parte).

Como seria de esperar, a moeda nacional, o real, está entre as que se apresentam como as mais frágeis no seio das economias emergentes e a velocidade de perda de valor face ao dólar norte-americano (um teto máximo de 20% em termos homólogos em setembro passado) espantou até os menos otimistas.

E contudo…

E contudo nada deste catastrofismo teve leitura no que se passou no dia a seguir à vitória de Bolsonaro na primeira volta das eleições: no dia seguinte, 8 de outubro, a bolsa de São Paulo abriu em forte alta o Ibovespa atingiu uma subida máxima de 5,7%, o real entrou a ganhar 2,2% face ao dólar e a yield das obrigações brasileiras com maturidade em 2021 (três anos) desceu 23 pontos base para 1,5%.

E, apesar de uma má performance entre os dias 19 e 22 de outubro, o certo é que o real continua a impor a sua desenvoltura, a bolsa de São Paulo ainda não desceu abaixo da cotação verificada a 5 de outubro, a sexta-feira anterior à primeira volta, e as yields estão estabilizadas.

A acreditar nos analistas, tudo isto quer dizer que os investidores que estão no terreno ligaram muito pouco às advertências oriundas do FMI, do “The Economist” e de toda a restante parafernália de resources bancárias que costumam espaldar as luminárias do liberalismo bem-pensante.

Talvez por ter percebido isto, Jair Bolsonaro tem vindo a insistir no seu modo tradicional de fazer campanha eleitoral. Depois de, nos primeiros dias a seguir à vitória na primeira volta, ter parecido aos analistas que o candidato do PSL estava disposto a moderar as suas tiradas declamatórias de gosto mais que duvidoso, ao longo desta semana Bolsonaro voltou ao mesmo.

E com tal força entre as tiradas de maior brado disse que o candidato Fernando Haddad ainda há de ir fazer companhia a Lula da Silva “não como visita, mas como preso” que o PT se viu na contingência de apresentar queixa contra ele. Em paralelo, os responsáveis do Facebook fecharam 43 contas e eliminaram 68 páginas de apoio ao candidato sendo precisamente isso que Bolsonaro mais deseja: dar a entender ao povo brasileiro que está perante alguém que fará tudo para acabar com o establishment, que levou centenas de deputados, congressistas, senadores, governadores, ministros e familiares de todos eles a terem os seus nomes inscritos nas pautas dos libelos acusatórios da Justiça por suspeita de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, participação em negócio, associação criminosa, recebimento de luvas, gestão danosa de dinheiros públicos e por aí adiante.

As sondagens mais credíveis reservam para Bolsonaro uma votação da ordem dos 57% na segunda volta das eleições, a 28 de outubro, o próximo domingo. A única boa notícia para Fernando Haddad é que, apesar de tudo, o gap de sete pontos percentuais parece ser curto para quem esteve a um passo de ganhar à primeira volta com mais de 50%.

Mas tudo indica que o próximo presidente do Brasil será mesmo o homem que em 1987 foi dado como um dos operacionais numa série de atentados que iriam ser levados a cabo (mas nunca chegaram a acontecer) por militares que se consideravam mal pagos pelo Estado. Por muito que isso doa a Fernando Henrique Cardoso uma espécie de voz da consciência coletiva do Brasil – por estes dias publicamente estarrecido com o caminho que o país leva.

 

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