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Estado da Nação: Costa olha para a esquerda e pisca-pisca; afinal havia outros que não o PSD

Primeiro-ministro fez apelo aos partidos da “ex-geringonça” no sentido de um entendimento para a governação até ao final desta legislatura. O “pedido de namoro” não foi imediatamente aceite no último plenário do ano parlamentar, mas o “triângulo amoroso” com o PSD de Rui Rio é que começa a parecer uma improbabilidade geométrica.
  • Foto: Gabinete do primeiro-ministro
24 Julho 2020, 18h25

Entre os muitos refrões de música “pimba” que poderiam integrar a banda sonora do debate do Estado da Nação que marcou o último plenário de um ano parlamentar que em nada foi igual, a Assembleia da República assistiu à interpretação de apenas metade dos versos mais associados à carreira de Ruth Marlene. Em vez de olhar para a direita e para a esquerda, o “pisca-pisca” – em palavras e não em gestos, bem entendido – do primeiro-ministro António Costa dirigiu-se só ao segundo lado do hemiciclo, onde se encontram os deputados dos partidos que apoiaram a sua governação na legislatura anterior, na hora de apelar a um “entendimento sólido e duradouro” para os próximos três anos.

“Necessitamos de um quadro de estabilidade no horizonte da legislatura. A magnitude da tarefa que temos em mãos não se compadece com acordos de curto prazo nem com tácticas de vistas curtas baseadas em exercícios de calculismo eleitoral. A resposta a esta crise não passa pela austeridade”, disse António Costa, deixando bem claras as suas intenções: “Precisamos de um entendimento sólido e duradouro. Se foi possível antes, será certamente possível agora; se foi útil antes, revela-se indispensável agora, perante o desafio de vencer uma crise pandémica como aquela que nos assola”, vincou o primeiro-ministro, mostrando que afinal havia outros àqueles que viam indícios de Bloco Central no horizonte.

Nem o reparo feito por André Ventura a António Costa – sugerindo-lhe cuidado na conciliação do “pedido de namoro ao Bloco de Esquerda” com “os olhinhos que tem feito ao PSD”, “pois os triângulos amorosos não costumam resultar bem” – logrou desanuviar o clima tenso entre o primeiro-ministro e o líder do maior partido da oposição. Um dia após a oficialização do “maciço central” – como lhe chamou o líder do grupo parlamentar do CDS-PP, Telmo Correia – que alterou o regimento da Assembleia da República, pondo fim aos debates quinzenais com o primeiro-ministro, as trocas de palavras entre Costa e Rio revelaram que cada um deles pensa que merece bem melhor.

O líder social-democrata abriu as hostilidades ao pôr em causa a mediática aposta do Executivo no hidrogénio, prevendo que serão feitos “novos leilões para rendas garantidas com a desculpa de que é para produzir o hidrogénio”, num negócio que “interessa mais à EDP do que aos portugueses”. Recebeu do primeiro-ministro a resposta de que “o PSD é hoje o partido dos velhos do Restelo, que não têm a coragem de transformar a tormenta em esperança”, enquanto Catarina Martins quebrou o clima daquilo a que o deputado único do Chega apelidou de “triângulo amoroso”, apelando à ironia para se confessar “quase comovida com esta enorme oposição entre PS e PSD nas rendas de energia”.

Rui Rio viria a atacar fortemente a gestão do Executivo de António Costa nos “casos” do Novo Banco e da TAP, apelidando-os de “monstros de dimensões gigantescas”, e Catarina Martins quis saber do paradeiro da auditoria da Deloitte aos “negócios duvidosos” da instituição financeira nascida do colapso do Banco Espírito Santo, enquanto António Costa lhe garantia, sobre a disponibilidade para um acordo recusado pelo PS no início da legislatura, que “as circunstâncias mudaram”.

Catarina Martins ainda seria interpelada com garantias de “reflexão conjunta para o caminho necessário nas matérias de habitação e laboral”, vindas da vice-presidente da bancada do PS, Marina Gonçalves – que foi chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos quando o ministro das Infraestruturas era secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o que implicava ser o articulador da “geringonça”. A socialista não obteve resposta da coordenadora do Bloco de Esquerda, mas logo de seguida ouviu Jerónimo de Sousa chamar-lhe “jovem deputada”, o que perante os 32 anos da eleita por Viana do Castelo traz à memória o igualmente célebre refrão “Continuas-me a chamar bebé”. Certo é que o secretário-geral do PCP, também nada efusivo quanto aos “avanços” socialistas, aconselhou a parlamentar a dizer ao seu partido que revogue os períodos experimentais de 180 dias nos contratos de trabalho.

Antes de terminar o debate, com intervenções das ministras da Saúde e da Presidência, Marta Temido e Mariana Vieira da Silva, António Costa ainda teve direito a elogios e agradecimentos do deputado social-democrata Luís Leite Ramos devido aos milhões obtidos pelo primeiro-ministro no Conselho Europeu, nomeadamente no Fundo de Recuperação, com 300 milhões de euros destinados ao Algarve, tal como a atribuição do Grande Prémio de Fórmula 1 ao autódromo internacional do Algarve, em Portimão. Como diriam os ABBA, nascidos na Suécia antes de o país escandinavo ser associado a qualquer tipo de frugalidade, “the winner takes it all”. Segue-se o querido mês de agosto.

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