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“Estou a pagar duas campanhas, a minha e a da bastonária”

O candidato não poupa críticas a Elina Fraga, cujo mandato caracteriza como “muito pior” do que o de Marinho e Pinto. E acusa a bastonária de usar a Ordem para fazer campanha.
  • Cristina Bernardo
31 Outubro 2016, 11h24

Guilherme Figueiredo apresenta-se pela segunda vez à corrida à liderança da Ordem dos Advogados (OA), nas eleições que se realizam no dia 18. Em entrevista, o advogado portuense deixa duras críticas à atual bastonária e garante que, desta vez, tem apoios cruciais em Lisboa, incluindo de antigos apoiantes de Marinho e Pinto.

O que o levou a candidatar-se?
Considero que a Ordem dos Advogados (OA) perdeu a credibilidade e a capacidade de transportar, para o mundo judiciário e legislativo, o discurso da advocacia portuguesa, não respondendo às necessidades dos advogados e enfraquecendo o estado de Direito.

No mandato da atual bastonária?
Sim. Podemos dizer que de há nove anos a esta parte a advocacia portuguesa perdeu credibilidade, mas não há comparação entre os dois mandatos do bastonário Marinho e Pinto e o mandato da atual bastonária. É muito pior. É a incapacidade total de emitir pareceres e opiniões fundamentadas sobre as grandes reformas legislativas na área da justiça e de transportar, para o mundo judiciário, as necessidades fundamentais da advocacia portuguesa. Não estou a pensar meramente do ponto de vista cooperativo. Tendo nós a convicção de que a advocacia é fundamental para o estado de direito democrático, seria evidente que a sua voz estivesse presente. Candidatei-me também porque tenho experiência. Fui presidente do Conselho Distrital do Porto durante dois mandatos e fui candidato a bastonário nas últimas eleições, tendo ficado em segundo lugar. Tenho uma equipa que considero excelente e colmatei uma deficiência da minha candidatura anterior: não ter grandes apoios em Lisboa. Tenho referido – e não é uma questão de slogan, demagógica ou populista – que a minha candidatura se dirige a todos os colegas. Constituí uma lista com colegas de prática individual, societária, associativa e de empresa. Também conto com colegas que não eram apoiantes e que eu considerava fundamentais para me dedicar a este projeto que, do ponto de vista da campanha, é muito cansativo. Só me candidataria novamente se outro pressuposto tivesse preenchido: ter apoios significativos em Lisboa, onde somos cerca de 14 mil. Estou a chegar a uma base de apoio muito extensa, com pessoas que estiveram com o Dr. Marinho e Pinto, mas que não estão com a Dr.ª Elina Fraga e que resolveram apoiar-me.

O que pensa da reforma do estatuto que foi feita há dois anos?
Há diversas matérias que não ficaram resolvidas e deviam ter ficado. Do ponto de vista de orgânica interna, foi um erro não se ter colocado o problema da Assembleia de Representantes. Resolveu bem o problema da multidisciplinaridade, à qual não sou favorável, mas ainda há uma quantidade de coisas que terá de resolver. Tudo o que tenha a ver com confrontação de opinião, o atual mandato mata à nascença.

A bastonária é demasiado autocrática?
Não é demasiado… É. Durante dois anos e meio não se ouviu a Ordem, não apresentou projectos. A Ordem diz que fez muita coisa em relação ao problema do mapa judiciário, mas não apresentou uma única proposta, limitou-se a dizer ‘estamos contra’. Não houve congresso, porque exige debate e confrontação de ideias. A bastonária não participa em nenhum debate enquanto candidata. Aos convites que sei que foram feitos até agora, nem sequer respondeu. Os boletins de voto chegaram aos escritórios na quarta-feira passada, mas ainda não chegou o boletim da Ordem com a apresentação das candidaturas. A bastonária tem vindo a realizar congressos, colóquios e seminários de forma sucessiva desde junho. E porquê só agora, no período eleitoral?

Elina Fraga está a usar os recursos da Ordem para fazer campanha?
Por isso é que digo que pago duas campanhas, a minha e a dela. Sabemos, de fonte segura, que os convites para as iniciativas de agora foram feitos em maio. As iniciativas foram planeadas com antecedência para o período eleitoral e somos nós que pagamos. Quando se organiza uma iniciativa como a que se fez sobre o pacto de justiça, é evidente que não se consegue convidar aquelas pessoas de um dia para o outro.

Acha que essas denúncias vão notar-se nos resultados?
Uma eleição é sempre uma coisa muito contingente. Nem as sondagens acertam. Mas se não denunciamos, somos cúmplices. Eu não sou cúmplice de uma gestão autocrática. A tradição dos advogados é ter capacidade, liberdade, enfrentar e confrontar. Este é que é o perfil congénito da advocacia portuguesa e do advogado. A Ordem nunca foi cúmplice de estados de natureza autoritária. Sou completamente contra a unicidade. Só há convergência de vontades quando não há unicidade. A bastonária disse, há três anos: ‘vamos falar a uma só voz’. Eu não quero isso. Quero que a Ordem fale em representação de todos os advogados, mas depois de discussão interna. Muitos dos colegas que estavam com o Dr. Marinho e Pinto não estão com a bastonária exactamente porque não se conformam com o silêncio.

Qual é o seu projeto?
Dotar a Ordem com a capacidade de influenciar o poder legislativo e, simultaneamente, implementar um projeto interno completamente diferente do que existe hoje. Vamos mudar muita coisa dentro da Ordem, incluindo do ponto de vista da racionalização dos recursos financeiros, que entendemos que estão a ser desbaratados. Também é possível – e esta tem sido a minha luta – estabelecer a separação de poderes dos órgãos executivos e dos órgãos de natureza disciplinar [Conselho de Deontologia]. A Ordem reclama do poder político e defende que deve haver separação de poderes, mas internamente não a tem! É preciso criar condições para que os órgãos tenham autonomia administrativa e financeira, da mesma forma que fiz no Porto. É a única zona do país onde há autonomia. A eleição destes órgãos é autónoma, apresentam orçamentos autónomos, prestam contas autonomamente, têm tesoureiro, mas não têm rendimentos. São órgãos que não têm receitas. Quem lhes dá receita é o órgão executivo.

Os órgãos disciplinares da OA não são independentes, na prática?
O problema não é se há ou não independência dos órgãos disciplinares. É preciso criar condições objetivas para que não exista a hipótese de não haver. Não vou pôr em causa os colegas que estão nos órgãos disciplinares.

Quais são as suas propostas na questão dos estágios?
Os estágios não fazem sentido nos termos de hoje. Têm que ser profissionalizantes. Temos de cumprir prazos e de transformar as duas comissões de formação e de avaliação numa só. Uma trabalha para a direita, a outra para a esquerda e no meio está o estagiário, que é maltratado. Faz falta um prazo máximo que vá desde a inscrição do estagiário até à sua admissão de agregação. O que muitas vezes acontece é que lhes complicam a vida para que não entrem na Ordem.

Há muita gente que considera que há advogados a mais.
É evidente que temos esse problema, mas isso não significa que o devemos resolver de forma ínvia. Resolve-se da forma que é permitido. A Ordem pode e deve querer que entrem os melhores. Mas não pode querer que os melhores sejam apenas aqueles que têm a melhor condição económica. A questão do mérito tem de ser o grande plano, bem como o próprio mercado. Há, a montante, o problema das faculdades, mas a Ordem não fecha faculdades.

Que balanço faz das reformas da justiça que foram feitas nos últimos anos?
Infelizmente não sou favorável. Sou favorável a uma reforma que seja sustentada por um acordo social entre as principais entidades da área da justiça. Não temos essa cultura. Muda o Ministro da Justiça, mudam as reformas. Há muitas reformas, em muito pouco tempo, com resultados nocivos.

O que pensa sobre a mediatização da justiça e sobre as violações do segredo de justiça?
É um problema que não é susceptível de acabar. É a realidade contemporânea. A notícia tem uma força muito grande. A justiça tem uma linguagem própria, muito fechada, tem um tempo, protagonistas e até espaços próprios. Ou se percebe isto ou desvaloriza-se tudo. Nós não podemos desvalorizar o lado simbólico. O Palácio da Justiça tem uma função simbólica e fundamental para a vida de uma comunidade histórica. Há rituais fundamentais que se deixarem de existir, acaba a ligação e o reconhecimento que o cidadão faz e que é irracional e que havia há 30 anos: a fé de que a justiça funcionava. A racionalidade inverteu-se e temos um problema de credibilização.

Prende-se demasiado em Portugal para investigar?
Claro que se prende. É um problema que associo à questão do segredo de justiça. Não podemos continuar a ter uma cultura de prender para investigar, ao invés de investigar para prender. A investigação deve ser feita para preparar a acusação. O que temos que reconhecer – e que tem efeitos no segredo de justiça – são as condições que muitas das vezes faltam às entidades de investigação criminal. Não podemos trabalhar como há 30 anos, a realidade de hoje é pluridisciplinar. As sociedades contemporâneas são contingentes e complexas. Temos de ter várias pessoas com conhecimentos específicos a trabalharem em conjunto. Se não, vamos continuar a andar à volta. Como temos andando em muitos casos conhecidos.

Refere-se ao caso Sócrates?
O caso Sócrates vai ser um caso de estudo. Mantém a presunção de inocência, independentemente do que cada um possa pensar, e a acusação vai sendo adiada. O mais grave é que a acusação vai mudando o objeto da investigação. É impossível ao arguido acompanhar isto. A dada altura já nem sabe do que o estão a acusar. A justiça não pode ignorar estar na presença de certas pessoas. Não é uma discriminação injusta e ilegítima. Não é indiferente tratar-se do processo de um ex-primeiro-ministro ou de um processo de alguém que não tem repercussão pública. Deveria ter-se tido outro tipo de cuidados. Vai ter que haver um trabalho de credibilização.

Sócrates não ser condenado seria um golpe na credibilidade do Ministério Público?
É um golpe na credibilidade da magistratura, mas acima de tudo da Justiça. Ninguém iria perceber porque é que foi preso. Não é por falta de recursos humanos, é por inexistência de indícios para a acusação. Chegámos a um ‘quase limite’.

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