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Fundo de Resolução não exerceu a opção de retirar ao Novo Banco a gestão dos ativos herdados do BES

Fez este domingo três anos de venda do Novo Banco à Lone Star. Neste domingo também caducou o prazo para que o Fundo de Resolução optasse pela compra, com desconto, dos ativos cobertos pelo Mecanismo de Capitalização Contingente e assim passasse a assumir a gestão desses ativos ou atribuí-la a outra qualquer entidade (por exemplo à Oitante).
  • Rafael Marchante/Reuters
19 Outubro 2020, 08h15

Fez este domingo, dia 18 de outubro, três anos que 75% do Novo Banco foi vendido à gestora de fundos norte-americana Lone Star. Foi também ontem, domingo, que caducou o  prazo para que o Fundo de Resolução optasse pela compra, com desconto, dos ativos cobertos pelo Mecanismo de Capitalização Contingente (CCA) e assim passasse a assumir a gestão desses ativos ou atribuí-la a outra qualquer entidade (por exemplo à Oitante). Possibilidade esta que estava prevista do Acordo de Servicing assinado entre o banco e Fundo em janeiro de 2018, segundo fonte ligada ao processo.

O facto de o Fundo de Resolução não ter exercido esse direito e ter mantido o Novo Banco com o “servicing” dos ativos do Mecanismo de Capitalização Contingente mostra que, na óptica do Fundo, a gestão da venda dos ativos tem sido avaliada positivamente e que cumpre os interesses deste acionista que ficou com 25% do banco em 2017.

No Acordo de Servicing ficou definido que os ativos que integram o perímetro do CCA permaneciam na titularidade do Novo Banco. No entanto, e uma vez que deles podem surgir responsabilidades para o Fundo de Resolução (e surgiram), ficou definido um modelo específico de gestão daqueles ativos, nos termos do qual compete ao banco assegurar a gestão corrente, incluindo a condução do processo de venda e apresentação ao Fundo de uma proposta de decisão, que tem a palavra final sobre a gestão desses ativos.

Nesse contrato estão reguladas as relações entre as partes na gestão daqueles ativos, o que inclui os princípios, critérios e procedimentos a observar pelo Novo Banco, não só na gestão daqueles ativos, mas também no que toca ao procedimentos a seguir quanto à obtenção de pronúncia pelo FdR. É nesse contrato que está também estabelecida a obrigação de as propostas de decisão apresentadas pelo Novo Banco serem acompanhadas de um parecer (não vinculativo) emitido pela Comissão de Acompanhamento. Isto mesmo descreve a carta de resposta da Procuradoria Geral da República ao pedido do primeiro-ministro Costa, na sequências das acusações públicas proferidas pelo líder do PSD, Rui Rio, à venda de ativos do Novo Banco.

Mas o contrato de ‘servicing’ , segundo as nossas fontes, previa que o Fundo de Resolução, ao fim de decorridos três anos depois da venda, pudesse substituir o Novo Banco nessa atividade de gestão dos ativos cobertos pelo CCA. O que não aconteceu.

O contrato de ‘servicing’ relativo à gestão operacional dos ativos integrantes do Acordo de Capitalização Contingente (CCA) foi celebrado entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco em janeiro de 2018. Nesse contrato ficou estabelecido que um determinado perímetro de ativos, na altura com um valor líquido de 7,9 mil milhões.

O Novo Banco herdou uma carteira de ativos tóxicos do BES, que ficou coberta por um mecanismo de capitalização contingente no âmbito da venda ao Lone Star. O banco recebeu 75 mil milhões de euros de ativos do BES e destes apenas 12,7 mil milhões (brutos) – fixados em 2016 – estavam cobertos pelo CCA. O que com imparidades e provisões registadas de 4.867 milhões de euros, se traduziu num valor líquido de 7.838 milhões.

Adicionalmente, e apesar de não serem consideradas no valor de referência do CCA, encontram-se abrangidas pelo Acordo de Capitalização exposições extra-patrimoniais associadas a crédito a clientes, correspondentes a limites de crédito, garantias e outros compromissos assumidos pelo Novo Banco que em 30 de junho de 2016 ascendiam a 1.315 milhões. Deste modo, a exposição líquida total dos ativos iniciais nessa data totalizava 9.153 milhões de euros.

Até ao fim de 2019 os ativos cobertos pelo CCA tinham caído para cerca de três mil milhões de euros. Entre 2017 e 2019, o banco reduziu o crédito não produtivo em 6.684 milhões de euros com as vendas do Nata 1, do Nata 2 e com o Projeto Albatros, para além de vendas e reestruturações individuais.

O relatório e contas do Novo Banco de 2019 revela uma redução dos créditos não produtivos em 3.308 milhões de euros, de 6.739 milhões para 3.430 milhões de euros (e uma redução de 6.700 milhões face a dezembro de 2017). O que levou a um decréscimo de 58% no rácio de NPL (malparado), passando de 28,1% (dezembro de 2017) para 11,8% (dezembro de 2019). No primeiro semestre de 2020, o rácio de NPL estava em 9,97%.

O Novo Banco tem ainda 1,1 mil milhões de euros de imóveis em balanço (são 3.830 imóveis com valor líquido de 550 milhões), tendo reduzido em 56% desde dezembro de 2017.

A venda a gestão dos activos problemáticos protegidos foi atribuída ao Novo Banco por ter sido considerado que seria entidade com maior capacidade e competência  para executar o que estava determinando nos compromissos de venda estabelecidos pelo Estado português e a Direção Geral da Concorrência europeia (DGComp).

No ato da venda dos 75% do banco que era de transição, e pelo Fundo de Resolução (entidade pública contabilisticamente), ter mantido 25%,  a Comissão Europeia impôs remédios ao Novo Banco. Foram assim compromissos estruturais assumidos entre o Estado Português e Direção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia na sequência do acordo de venda parcial do Banco concluído no final de outubro de 2017 e comunicados formalmente ao Banco em dezembro de 2017.

O plano estratégico tinha 33 objetivos para cumprir. Esta era a primeira fase dos compromissos previstos para cumprir entre 2017 e 2019. “A verdade é que tínhamos estes 33 compromissos e havia consequências estruturadas caso houvesse incumprimento”, referiu publicamente o presidente do Novo Banco. O 33º foi cumprido fora do prazo, em 2020 (a venda de 25% da GNB – Companhia de Seguros ao Crédit Agrícole Assurances). Os compromissos seguem-se agora numa segunda fase.

A Direção Geral da Concorrência europeia tinha estipulado compromissos com o Estado português em 2017, aquando da venda do banco ao Lone Star e na sequência do Fundo de Resolução ter ficado com 25% do então banco de transição. Pois foi considerado por Bruxelas que a proposta do Governo de uma entidade pública ficar com 25% do Novo Banco era uma “alteração dos compromissos” inerentes à resolução do BES.

 

O acordo de Bruxelas com o Estado prevê também o desinvestimento do Novo Banco em ativos não estratégicos

O acordo do Estado com as entidades europeias inclui a imposição de metas aceleradas de redução da exposição a activos “non-core”, por parte do BCE e DGComp. Os incentivos do BCE, do Fundo de Resolução, da DG Comp e do Lone Star estavam alinhados e traduzem-se em limpar depressa e usar o mecanismo de capital contingente se fosse preciso, de modo a que o Novo Banco desse lucros em 2021. Se não cumprir essa meta dos lucros no próximo ano o Novo Banco terá de aplicar mais remédios impostos por Bruxelas, o que se pode traduzir numa nova redução da dimensão do banco e do quadro de pessoal.

A venda do Novo Banco ao Lone Star foi constituída de várias peças contratuais. A saber: O Contrato de Compra e Venda (celebrado entre o Fundo e a Nani Holdings); um aditamento a esse mesmo contrato; o Acordo de Capitalização Contingente (celebrado entre o Fundo e o Novo Banco); e ainda o Acordo Parassocial (celebrado entre o Fundo e a Nani Holdings) e o acordo de servicing relativo à gestão operacional dos ativos do Acordo de Capitalização Contingente. Todos estes documentos foram enviados pelo Fundo de Resolução ao Parlamento, depois de terem sido solicitados pelo Bloco de Esquerda.

O Acordo de Capitalização Contingente, criado com um montante até 3,89 mil milhões de euros, faz parte integrante e indissociável da operação de venda, sem a qual essa venda não se teria concretizado, quer por ser condição essencial da proposta apresentada pelo comprador, quer porque sem o mecanismo de capitalização contingente  o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia não teriam autorizado a operação, dado que não estaria assegurada a adequada capitalização e viabilidade do Novo Banco.

Ao abrigo do CCA o Fundo de Resolução ficou obrigado a proceder ao pagamento, não do valor direto das perdas com aqueles ativos delineados, mas do montante necessário para que os rácios de capital do banco se mantenham nos níveis contratualmente acordados (CET 1 de 12,5%).

O FdR já pagou ao Novo Banco 2.976 milhões de euros restando 914 milhões para atingir o tecto de 3.890 milhões.

Para além dos vários contratos e do acordo entre o Estado e a Comissão Europeia, foi assinado um Acordo-Quadro, para que o Estado financiasse o Fundo de Resolução sempre que este precisasse de financiamento para injetar no Novo Banco. No próximo ano esse Acordo-Quadro não vai ser cumprido uma vez que serão os bancos a emprestar 275 milhões de euros para o Fundo injetar cerca de 477 milhões de euros no banco ao abrigo do acordo de capitalização contingente. O valor final só será apurado no primeiro trimestre de 2021, uma vez que só nessa altura haverá o fecho de contas do exercício de 2020.

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