A maratona de negociações políticas na Alemanha terminou com um suspiro de alívio para os alemães e europeus. A chanceler Angela Merkel e o líder dos social-democratas do SPD, Martin Schulz, chegaram a um acordo de princípio para a formação de Governo, depois de quase quatro meses de impasse. Não foi a solução esperada, mas foi a melhor que a Alemanha encontrou e este pode ter sido o arranjo que a União Europeia (UE) tanto necessitava.
“Pela primeira vez, a Europa é a prioridade num acordo da Grande Coligação [Bloco central alemão, que integra a CDU de Merkel e o SPD de Schulz]”, afirma Carlos Gaspar, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL). “O bloco central alemão reconhece que a convergência económica e social é um princípio constitucional da integração europeia, sem o qual é impossível travar a fragmentação da UE. São passos no bom sentido”, explica.
Ao todo são 28 páginas que estabelecem as bases do acordo do bloco central alemão que está a ser apresentado aos membros dos dois partidos. Ao nível interno, Merkel e Schulz concordaram em impor um limite na entrada de refugiados na Alemanha, que não deve ultrapassar as 200 mil pessoas por ano, depois de em 2015 o país ter acolhido cerca de um milhão de requerentes de asilo. Os dois partidos comprometeram-se também a aumentar a produção de energias renováveis e a subida de impostos, pedida pelos sociais-democratas, acabou por ficar pelo caminho, sendo substituída por uma descida gradual das contribuições fiscais.
Mas foi ao nível externo que o acordo mais surpreendeu os europeístas. Ambos concordaram em trabalhar ativamente com o presidente francês, Emmanuel Macron, para reformar a zona euro, com o objetivo de “fortalecer a sua sustentabilidade, para que o euro possa enfrentar crises globais”. Além disso, Merkel e Schulz admitem dedicar fundos orçamentais específicos de forma a dar um maior contributo financeiro para o projeto da moeda única e apoiar a convergência social entre os Estados-membros.
“A reforma do modelo de Governo da zona euro inclui o estatuto do Mecanismo de Estabilização Europeu [que deve passar a ser uma espécie de fundo monetário europeu] e uma contribuição orçamental reforçada da Alemanha, que contrariam as posições anteriores da chanceler democrata-cristã”, sublinha Carlos Gaspar.
O investigador do IPRI explica, no entanto, que “ainda é cedo para concluir que a Alemanha vai mudar a sua cultura económica”, que nos últimos anos se pautou por rigorosas medidas de austeridade e que, segundo os críticos, aprofundaram a crise da zona do euro e dificultaram a sua recuperação económica. Ainda assim, o reconhecimento da convergência económica e social como fundamentais não deixa de ser um sinal positivo para a Europa, realça Carlos Gaspar.
Logo após o anúncio do acordo para formar Governo na Alemanha, o euro disparou para o valor mais elevado de três anos face ao dólar. A moeda única chegou a tocar nos 1,215 dólares, renovando valores de dezembro de 2014.
Um mal para evitar outros
Apesar do otimismo que contagiou a Europa, Martin Schulz vai ter ainda de convencer os mais de 600 delegados sociais-democratas a aprovar o esboço do acordo de princípio para que possa constituir Governo com Angela Merkel. O documento está sujeito a alterações, mas ao que tudo indica deve ter ‘luz verde’ do SPD, tendo em conta o arrastar do período de incerteza que o país vive.
Antes de tentar uma coligação com Schulz, a chanceler alemã – confrontada com os piores resultados de sempre da história da CDU – viu-se obrigada a procurar outros parceiros de coligação, tendo em conta que o segundo partido mais votado (o SPD de Martin Schulz) fechou inicialmente a porta à hipótese de um consenso. A escolha recaiu então sobre os democratas liberais do FDP e os Verdes, e ficou conhecida como a “coligação Jamaica”, devido às cores dos partidos. No entanto, as negociações não chegaram a bom porto.
“A ‘Coligação Jamaica’ não era possível – os três partidos discordavam em tudo. A alternativa à repetição do Bloco Central alemão era a repetição de eleições gerais, o que o SPD e a CDU, ambos em declínio eleitoral, querem evitar a todo o custo”, nota Carlos Gaspar.
Os dois partidos que tradicionalmente ocupavam mais de três quartos do Bundestag, representam hoje pouco mais de 50%, e o centro político está fortemente agastado. Caso se venha a aprovar o acordo entre a CDU e o SDP, o partido de extrema-direita, Alternativa para a Alemanha (AfD), adquire o estatuto de líder da oposição, depois de ter sido a terceira força política mais votada nas eleições de 24 de setembro.
Carlos Gaspar considera que “isto vem confirmar a mudança na política alemã, polarizada entre os partidos tradicionais europeístas unidos no Bloco Central, e a ressurgência de um partido nacionalista, crítico da integração europeia”. Esta é a primeira vez que um partido de extrema-direita entra no Bundestag desde o fim da Segunda Guerra Mundial e o partido não esconde uma certa nostalgia do passado.
Merkel acredita que estão reunidas as condições que garantam a governabilidade do país e prevê a constituição de um novo Governo até fevereiro. Mas antes disso, os sociais-democratas devem tomar uma posição – que se prevê favorável – em relação ao acordo, o que acontecerá durante o congresso do SPD, marcado para domingo, dia 21.
Também a CDU de Angela Merkel terá de analisar e de aprovar a proposta, mas fazê-lo-á entre os seus órgãos de decisão, sem consultar as bases.
Embora o entendimento tenha trazido ânimo para a zona euro e os Estados-membros, as sondagens da YouGov mostram que mais de metade dos alemães (52%) acreditam que a ‘Grande Coligação’ serve apenas para apoiar Merkel como chanceler e 55% dos inquiridos não se sentem representados pela CDU e SPD. A percentagem de alemães que não apoia o acordo entre Merkel e Schulz é de 44%.
Entrevista publicada na íntegra edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão
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