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“Há coisas em Portugal que não se entendem! Como podem ficar contentes pela eliminação do FC Porto?”

A Liga portuguesa está a perder poder de compra para outros campeonatos. Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, o antigo internacional Deco vê o ‘músculo’ financeiro dos clubes a diminuir em Portugal. “Temos SAD mas não temos nenhum grande investidor”. Ex-jogador critica ainda o ambiente do futebol português.
  • deco_socccerex
    António Pedro Santos/Lusa
6 Setembro 2019, 12h18

Deco foi um dos nomes sonantes na edição de 2019 da Soccerex Europe 2019, que está a ter lugar em Oeiras e termina esta sexta-feira. Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, o antigo internacional português abordou vários temas: defendeu que os grandes investidores devem entrar no futebol português para igualar o ‘músculo’ financeiro e que o comportamento dos dirigentes do futebol português não mudou desde a altura em que era jogador. “Ouvir os dirigentes dos grandes clubes com um discurso a denegrir o futebol português é um completo absurdo”, realça Deco ao Jornal Económico.

Os valores das transferências estão a crescer desmesuradamente. É de esperar que isso continue a acontecer nos próximos anos?

A verdade é que o futebol tem crescido com grande velocidade e os números das transferências têm crescido nos últimos anos. Veja-se o caso do Raphinha, por exemplo: há dez anos ninguém pensaria ser possível que um clube como o Rennes viesse a Portugal contratar um jogador destes a um ‘grande’ português e pelos valores que o negócio foi feito. A verdade é que os clubes franceses, neste caso, têm donos com um grande poder de investimento, os emblemas italianos voltaram novamente a ter uma capacidade de investir fora do normal, os clubes ingleses é o que se vê e os espanhóis estão muito compradores.

O que falta aos clubes portugueses para poderem competir por melhores jogadores?

Seria preciso uma volta muito grande ao nível do que são os donos dos clubes em Portugal para poder competir com o poder aquisitivo de outros campeonatos. É verdade que temos Sociedades Anónimas Desportivas mas não temos nenhum grande investidor.

Era importante que mudasse algo nas estruturas dos clubes para melhorar a qualidade dos plantéis e, por arrasto, tornar a Liga mais atrativa e competitiva?

Se a tendência de alguns fundos de investimento tomarem contas dos clubes chegasse a Portugal, tal como acontece lá fora, talvez fosse possível que os melhores jogadores se mantivessem por mais tempo na nossa Liga. Olhando para trás, verificamos que o último ‘grande’ a manter uma equipa de grandes jogadores foi a do FC Porto quando teve Hulk e Falcao e outros durante três épocas. O SL Benfica tem conseguido manter os jogadores principais num prazo de dois a três anos mas esse exercício de retenção de talento não é fácil de fazer em Portugal.

É uma questão de competir pelo nível salarial?

Não é só só através dos salários que se mantêm grandes jogadores. As grandes estrelas mantêm-se com a constituição de bons plantéis, com projetos bem delineados.

O ruído que existe à volta do futebol português ajuda a captar e a reter talentos?

Quando criticamos o nosso futebol ou falamos em corrupção, é uma enorme contradição querer vender este produto. Ouvir os dirigentes dos grandes clubes com um discurso a denegrir o futebol português é um completo absurdo. Estas críticas fazem parte da cultura da Liga portuguesa mas no mundo de hoje, não posso fazer críticas a mim próprio e ao mesmo tempo dizer que sou boa pessoa. Levamos os debates sobre futebol ao extremo do que é a desconfiança e depois queremos vender o produto…

Recuando ao tempo em que jogava e comparando esse período com os dias hoje, nota alguma evolução no dirigismo em Portugal? Aprendeu-se alguma coisa sobre a forma de comunicar o futebol?

Não, acho que continua igual… vendemos muito mal aquilo que nós temos. Mas olhamos para o exemplo da Federação Portuguesa de Futebol e vemos um organismo que vende bem o seu futebol.

Dando um exemplo: um jovem jogador brasileiro que esteja a despontar neste país, ainda encara a Liga portuguesa como uma competição de transição para uma liga mais forte, ou esse papel é agora desempenhado por outras ligas?

Depende do nível do jogador, creio. O jogador brasileiro de sucesso já é muito caro para o nosso mercado. A verdade é que Portugal perdeu a capacidade de ir buscar estes jogadores brasileiros, perdemos para outros mercados e por isso tem que se fazer um trabalho muito melhor, de antecipação. Por isso digo que o futebol português têm que se reinventar. Os nossos clubes médios têm que alimentar os ‘grandes’ mas de uma forma correta e equilibrada. Temos pouca capacidade de aquisição: a maioria dos clubes portugueses não conseguem competir sequer com um clube belga, por exemplo. Há coisas em Portugal que não se entendem: como podemos ficar contentes pela eliminação do FC Porto quando isso é tão mau para o ranking da UEFA e afeta todos os clubes em Portugal?

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