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Incerteza sobre a crise aconselha injeção no consumo

Atividade económica precisa de garantir níveis mínimos de consumo. José Miguel Júdice defende redução de 30% no IRS para aumentar rendimento.
13 Setembro 2020, 18h15

O Jornal Económico celebra no dia 16 de setembro o seu quarto aniversário. Nos quatro anos, todos eles de crescimento, o jornal visou sempre noticiar os principais acontecimentos na economia, na política, e no mundo. O olhar mais importante foi sempre, no entanto, para a frente – o que é que vai acontecer a seguir?  Numa altura de incertezas devido à pandemia, decidimos marcar o aniversário com trabalhos sobre o futuro. Oferecemos aos nossos leitores análises sobre as perspetivas da economia, dos mercados e da política (nacional e externa). Temos uma grande entrevista com o presidente da AICEP e também um Forum no qual 33 líderes sugerem as receitas para ajudar Portugal sair de uma crise inesperada. Obrigado pela preferência!

 

“É pura adivinhação dizer o que se vai passar com a pandemia da Covid até ao fim do ano”, referiu ao Jornal Económico o jurista José Miguel Júdice, embora considere urgente aumentar o poder de compra das pessoas para permitir manter níveis de consumo mínimos e dinamizar a atividade económica portuguesa. Defende, por isso, que seja reduzido o IRS para, de uma forma imediata, libertar dinheiro aos agregados familiares, para poder ser utilizado da forma mais útil pelas pessoas. “É preciso reduzir em 30% o IRS aplicado ao rendimento das pessoas que ganhem até 50 mil euros anuais, para libertar dinheiro na sociedade, permitindo que possam manter o consumo. Trata-se de uma medida fácil de concretizar, com efeitos imediatos junto das pessoas”, propõe. “Até considero estranho que o Governo ainda não tenha tomado esta decisão”.

“O que é mais urgente neste momento? É preciso ‘deitar dinheiro de helicóptero’, promover a injeção de dinheiro na sociedade para fomentar o consumo, porque as pessoas precisam de ter dinheiro para que o consumo não seja travado ainda mais”, refere Júdice, explicando que o aumento do número de desempregados vai provocar uma erosão no rendimento da população, pois além das situações das pessoas que passam a receber subsídio de desemprego, “quando voltam a arranjar empregos passam geralmente a ganhar menos, porque regressam à estaca zero, recomeçando novamente as carreiras profissionais”. O problema faz “aumentar a diferença salarial entre funcionários públicos e trabalhadores do sector privado, criando uma economia a duas velocidades”.

João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) alerta que a atual crise “vai ser mais grave do que se conseguia prever”, recordando ao JE que “os dinheiros da UE, teoricamente, podem ser utilizados para despesas retroativas até 1 de janeiro de 2021”, mas esclarece que há pouca informação técnica útil porque ainda só são conhecidos “princípios gerais do acesso a verbas comunitárias que poderão ser mais ou menos ajustados à realidade da economia portuguesa”. O responsável da CCP também considera uma incógnita a evolução da pandemia e as “consequências que pode vir a ter na segunda vaga que vai afetar a Europa, onde Espanha, França e Itália já estão a sofrer aumentos consideráveis de novos casos. Isto aplica-se a todo o mundo, sendo imprevisível o que acontecerá até ao fim do ano”, considerando “muito preocupante” a situação no hemisfério Sul. “Ninguém sabe até onde será necessário levar o confinamento das sociedades”, diz .

Relativamente a Portugal, “a aplicação do layoff simplificado e das moratórias mascara a realidade, porque assume o objetivo político de travar o desemprego e os incumprimentos, tapando temporariamente os problemas”, considera o presidente da CCP, temendo que “a recuperação económica pode vir a ser mais lenta do que se previu inicialmente o que é muito complicado para a grande maioria do tecido empresarial português”.

Entre as 400 mil empresas em atividade, há cerca de 99,6% que são pequenas e micro empresas, que “não têm robustez financeira para aguentar uma crise prolongada”, alerta. “Temos apenas mil empresas grandes e entre mil e duas mil PME sólidas”.

“O número de insolvências é um indicador que se utiliza frequentemente para monitorizar a evolução mais ou menos favorável da atividade económica, mas a verdade é que camufla a realidade porque o número de empresas encerradas é superior às empresas que declaram insolvência, pois as insolvências acabem por ser apenas a ponta de um iceberg”, refere Vieira Lopes. “Depois do confinamento, houve muitas lojas e cafés que já não voltaram a abrir”, adianta o presidente da CCP. “A Baixa de Lisboa, que tinha vindo a viver das vagas crescentes de turistas, ficou sem mercado, sendo outra das zonas que está a passar por uma fase negativa, com perspetivas de recuperação muito difíceis, confrontada agora com um nível de atividade muito baixa, assiste ao encerramento de muitas lojas”, diz o presidente da CCP.

“A redução das remunerações familiares, por via do layoff e do desemprego, que diminuiu o poder de compra das famílias, atinge atualmente cerca de 2,5 milhões de pessoas”, informa o presidente da CCP. Alerta que, até ao fim do ano, os comerciantes vão enfrentar duas épocas críticas, que são o mês de outubro que marca o fim do movimento das férias de verão e o Natal, cujas vendas serão decisivas para ditar o encerramento ou a manutenção de muitos milhares de pequenos negócios. Vieira Lopes recorda que alguns países baixaram o IVA dos restaurantes, referindo que “há muitos economistas que começam a falar na necessidade de lançar o rendimento mínimo garantido para sustentar o consumo, temendo-se que em Portugal o PIB possa cair, no mínimo, 10% em 2020”.

“A recuperação é incerta e com a segunda vaga aumenta o efeito psicológico contra a utilização de transportes coletivos, aumentando o teletrabalho, que também faz baixar o consumo nos restaurantes e nos cafés”. No meio desta crise, considera que “Portugal tem sido relativamente poupado porque nunca aconteceu o que se passou em França, que teve de transferir doentes com Covid para os hospitais da Alemanha, por ter esgotado a capacidade dos hospitais franceses”.

 

Vacinas como marketing político
O bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires, referiu ao JE que “a questão das vacinas é mero marketing político para tranquilizar as economias, porque é impossível vacinar sete mil milhões de pessoas em todo o mundo – e admitindo que as vacinas são eficazes –, o que restringe a vacinação aos países ricos”. Além disso “sabemos que nunca houve vacinas para outros vírus que continuam a matar muitos milhares de pessoas todos os anos, como a malária e a SIDA. Com a facilidade de transportes internacionais, é relativamente rápido disseminar por vários continentes os vírus transportados por pessoas infetadas na Índia, no Brasil ou em outras geografias com elevados níveis de contaminação pela pandemia da Covid”.

“Isto significa que os vírus tomaram conta do planeta, instalando um clima de autêntico pavor. Felizmente Portugal está na Europa, que é uma das zonas do globo com melhor proteção social e que promove políticas de contenção e ajuda aos Estados membros, o que permite enfrentar estes problemas de uma forma mais robusta do que aconteceria se Portugal estivesse isolado”, refere. Mas “esta realidade não permite ser otimista, porque provavelmente Portugal vai enfrentar sérias dificuldades. Ninguém sabe como vai ser o Inverno, mas os aumentos do número de casos infetados faz prever uma evolução complicada e torna o futuro mais preocupante”, refere.

“Numa economia aberta como a portuguesa, a exposição a riscos externos é enorme, mas a redução dos fluxos turísticos também é preocupante porque corta as receitas da hotelaria e de todos os serviços associados à atividade turística. Com a redução do PIB também são reduzidas as importações porque há menos dinheiro nos consumidores e os mercados de exportação passam a comprar menos produtos portugueses. Esta conjuntura tornou-se totalmente imprevisível, porque ninguém sabe como estará a economia portuguesa e a europeia daqui a seis meses ou daqui a dois anos. Os maiores mercados da lusofonia, como o Brasil e Angola estão a ser afetados pela crise, o que limita igualmente as exportações portuguesas”, refere Mineiro Aires.

“Quando o layoff simplificado e as moratórias terminarem, seremos confrontados com a situação real da economia portuguesa, o que previsivelmente fará aumentar o desemprego, tornando a sustentabilidade da Segurança Social mais frágil. Não quero ser pessimista, mas o futuro é muito incerto, o que me leva a ver com muita apreensão a evolução das empresas. Espero que o país não entre num beco sem saída, mas, mesmo com apoios externos, temo que vamos todos passar um mau bocado”, comenta o bastonário da Ordem dos Engenheiros.

Para “aproveitar as verbas da União Europeia que serão canalizadas para obras de infraestruturas nem sequer há em Portugal empresas de construção civil e obras públicas em quantidade suficiente. Restam três empresas de dimensão que conseguem liderar grandes obras, designadamente a Mota Engil – que é a maior –, a Teixeira Duarte e a Casais. A Somague é dominada pelo grupo espanhol Sacyr. Perdemos a maioria da capacidade instalada e os parques de máquinas que havia neste sector, fecharam cerca de 65 mil empresas de construção civil e 300 mil trabalhadores da construção e obras públicas abandonaram as profissões”.

“Se surgirem grandes concursos, facilmente serão ganhos por empresas estrangeiras. Na ferrovia, onde é preciso fazer obras e lançar novos projetos, quais são as empresas portuguesas que têm capacidade para executar projetos ferroviários? As empresas portuguesas venderam os seus parques de máquinas para outras geografias, sobretudo para as obras em curso em África e na América do Sul. Também não temos equipas de quadros, nem know-how, nem há empresas que possam começar a ser preparadas – que comprem parques de máquinas, contratem especialistas em projetos técnicos de várias áreas, engenheiros com experiência e trabalhadores especializados – para poderem disputar as empreitadas que aí vêm, cujos concursos podem ser ganhos por empresas estrangeiras, deixando aos portugueses alguns contratos residuais”, conclui.

Gonçalo Vaz Botelho, consultor financeiro e ex-quadro superior do BPA, BNP, BPSM, BTA, Banco Chemical, CGD, Caixa BI, Banif e Finantia, reconheceu ao JE que “a conjuntura é bastante negra”. “Estamos a viver numa fase em que ainda não há visibilidade total sobre as consequências económicas e sociais desta crise da pandemia da Covid porque ainda está a ser isolada pelo ‘travão’ do layoff e das moratórias. Quando terminarem os layoff e as moratórias – que não podem ser prolongadas sem termo, porque não há capacidade financeira para tal –, vamos inevitavelmente assistir a um grande crescimento de despedimentos, falências e incumprimentos, porque não há dinheiro para pagar salários nem para fazer face às dívidas”.

Relativamente “à dinamização da economia, da produção industrial e das exportações portuguesas, seremos confrontados com o problema dos mercados de destino dos produtos portuguesas estarem todos na mesma situação, e de em todos os países se viverem conjunturas de arrefecimento da economia, o que torna esta crise pior que a da dívida soberana e que a da Lehman Brothers. A atual conjuntura é pior e diferente que a de 2012, porque agora não há falta de liquidez no sistema financeiro – a liquidez está toda lá – falta é a confiança nos mercados para comprar e investir e por isso a capacidade instalada das fábricas só pode ser parcialmente utilizada, e as exportações recuam porque as pessoas não compram”, refere Gonçalo Botelho.

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