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A tentação dos orçamentos eleitoralistas em anos de legislativas

Pedro Passos Coelho jogou com a devolução da sobretaxa de IRS, José Sócrates aumentou os salários em contexto de crise financeira e António Guterres contratou mais funcionários públicos.
6 Outubro 2018, 12h00

Em anos de eleições legislativas, o Governo em funções não costuma resistir à tentação do eleitoralismo no âmbito do Orçamento do Estado. Será diferente com o atual Governo liderado por António Costa? O Jornal Económico recorda alguns exemplos de orçamentos repletos de “boas notícias” no passado recente.

OE2015: Reversão dos cortes nos salários e devolução da sobretaxa de IRS

Em outubro de 2014, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho anunciou que a reversão dos cortes de salários na administração pública “será de 20% em 2015 e integral no ano seguinte”, medida que foi plasmada no Orçamento do Estado para 2015, ano de eleições legislativas. O Governo de Passos Coelho tinha prevista uma reposição gradual dos salários até 2019, mas acabou por acelerar o processo, ao que não foi alheia o chumbo do Tribunal Constitucional ao corte dos salários para além de 2015.

Nesse mesmo Orçamento do Estado para 2015 foi estipulado que a sobretaxa de IRS poderia ser devolvida em 2016 aos contribuintes, dependendo do crescimento da receita fiscal. Ao longo de 2015, sobretudo até às eleições legislativas de outubro, vários membros do Governo repetiram a promessa de devolução da sobretaxa, apresentando dados parcelares da receita fiscal que apontavam para uma devolução substancial (ou até integral). No final do ano, porém, o crescimento da receita fiscal no IVA e no IRS foi insuficiente, tendo a devolução da sobretaxa culminado em 0%.

OE2009: O maior aumento dos salários da função pública nas últimas duas décadas

O contexto era de crise financeira mundial, escassos meses após a derrocada do banco Lehman Brothers. As repercussões da crise do “subprime” ainda não tinham atingido plenamente a economia portuguesa, como viria a revelar-se nos dois anos que se seguiram, até ao pedido de assistência financeira do Estado português à “troika” em 2011, mas os sinais estavam à vista. Nada que impedisse o Governo então liderado por José Sócrates de anunciar uma atualização dos salários dos funcionários públicos em 2,9%, o maior aumento desde 2001.

Em outubro de 2008, o então ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, apresentou as linhas gerais do Orçamento do Estado para 2009, destacando o aumento dos salários dos funcionários públicos. Nessa ocasião, Teixeira dos Santos ressalvou que o aumento salarial em ano de eleições se tratava de “uma mera coincidência” que “nada tem a ver com o facto de ser um ano com três atos eleitorais”. A explicação, segundo o ministro, estava na “consolidação orçamental que se traduziu num défice público de 2,2% em 2008” (o qual seria posteriormente corrigido para 3,8%).

Cerca de um mês depois, o Orçamento do Estado para 2009 foi aprovado no Parlamento, confirmando-se o aumento salarial de 2,9% (o maior das últimas duas décadas), muito acima da taxa de inflação que em 2009 foi mesmo negativa (-0,8%). Nas eleições legislativas de 2009, o PS de José Sócrates triunfou e voltou a formar Governo, embora tenha perdido a maioria absoluta. E acabou por ser derrubado a meio da legislatura.

OE1999: Mais funcionários públicos e aumentos de salários e prestações sociais

No final de 1998, a caminho das eleições legislativas do ano seguinte, o Governo liderado por António Guterres, do PS, decidiu aumentar os salários dos funcionários públicos e também várias prestações sociais e subsídios. No Orçamento do Estado para 1999 ficou estipulado um incremento da despesa corrente do Estado em 0,7 pontos do PIB, passando de 32,5% para 33,2%. Além dos aumentos salariais, o Governo de Guterres também decidiu contratar mais funcionários públicos, totalizando cerca de 702 mil em 1999 (em 1996 eram cerca de 614 mil).

Apesar de todas estas medidas, apontadas na altura como eleitoralistas pelos partidos da oposição à direita, Guterres viria a falhar o objetivo da maioria absoluta parlamentar por apenas um deputado nas legislativas de 1999. E o novo Governo ficou desde logo fragilizado, acabando por soçobrar a meio da legislatura, em 2001, quando Guterres pediu a demissão na sequência de uma derrota do PS nas eleições autárquicas. Pelo meio teve que negociar dois orçamentos com um deputado dissidente do CDS, Daniel Campelo. Entretanto as contas públicas derraparam e o défice escalou de 1,7% do PIB em 1999 para 3,3% em 2001 e 4,1% no ano seguinte.

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