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Portugal criou 272 patentes em 2019, menos que Porto Rico

O número de patentes portuguesas reportadas na Europa aumentou 23,1% no ano passado. Mesmo assim, o país fica atrás de Porto Rico, com 292 patentes.
25 Julho 2020, 19h00

Depois do crescimento ocorrido em 2018 no número das patentes portuguesas – um aumento de 47,3% face a 2017, que elevou para 221 o número de patentes reportadas num só ano –, em 2019 a atividade portuguesa voltou a crescer nesta área. Desta feita foram reportadas pelo European Patent Office (EPO) 272 patentes portuguesas, que refletem um crescimento de 23,1% registado de 2018 para 2019. Esta é a análise sumária mais favorável que pode ser feita ao universo das patentes portuguesas. Traduz a face pragmática e comercial da inovação tecnológica realizada por empresas e organizações, mas também por instituições ligadas à investigação e ao Ensino Superior em Portugal (algumas, resultantes dos spin-offs de startups). No entanto, num país frequentemente citado a nível internacional pela qualidade das suas escolas de engenharia e pelo reconhecido mérito dos seus engenheiros, a verdade é que o peso europeu e internacional das 272 patentes concedidas a Portugal em 2019 é quase nulo.

Entretanto, no topo da hierarquia das patentes europeias, o EPO, presidido pelo português António Campinos, já propôs uma nova visão para o mundo das patentes, plasmada no Plano Estratégico 2023 (SP2023). Resumidamente, António Campinos quer aumentar a transparência nesta área, avançar com “projetos para promover a mobilidade interna do emprego”, melhorar “o diálogo significativo com nossos interlocutores” e ter “fluxos de trabalho sem papel”. No SP2023, António Campinos fixa cinco objetivos: O primeiro “envolve a construção de uma força de trabalho colaborativa e engajada, que é a base do nosso sucesso futuro” – refere o documento que o EPO tem online. O segundo objetivo visa “aproveitar o poder da transformação digital para encontrar maneiras ainda mais eficientes de trabalhar”. Nos dois objetivos seguintes propõe elevada “qualidade no processo de concessão de patentes e na construção de um sistema europeu de patentes mais forte, o que beneficiará a nossa comunidade global e impulsionará a inovação em todo o mundo”. E, finalmente, no quinto objetivo propõe “uma governança mais eficaz para alcançar o nosso objetivo final: um EPO sustentável, ágil e pronto para o futuro”.

Neste contexto europeu, convém não esquecer que as 272 patentes portuguesas representam 0,1% das patentes atribuídas no ano passado na Europa, onde Portugal ocupa o 32º lugar. Para se entender melhor a dimensão relativa das patentes portuguesas vale a pena centrar a atenção na marca norte-americana de produtos desportivos Nike, que, só na Europa, junto do EPO, obteve 278 patentes (mais seis que Portugal) em 2019. Subindo na escala e passando para a alemã Volkswagen, constata-se que o gigante automóvel conta com 422 patentes no mesmo ano. A Bosch – que também tem operações industriais em Portugal –, reporta 1498 patentes, com as quais figura em 10º lugar no ranking empresarial da EPO em 2019. E a Siemens, que também tem presença histórica em Portugal, reporta 2619 patentes em 2019, com as quais ocupa o 5º lugar do ranking da EPO relativo às empresas com maior número de patentes na Europa.

 

Novadelta lidera Top 5
Passando à realidade portuguesa, o EPO coloca à frente do Top 5 das instituições ‘lusas’ com patentes em 2019, a Novadelta, dedicada ao comércio e indústria de cafés, com 16 patentes. Segue-se a Universidade de Évora, também com 16 patentes, e depois a A4TEC, de Braga, dedicada à investigação e desenvolvimento de biotecnologias, com 15 patentes, a Modelo Continente Hipermercados com 10 patentes e o INESC Porto, com sete patentes.

Neste pequeno grupo estão duas empresas e três unidades de investigação relacionadas com universidades que conseguiram inovar e registar patentes. Eduardo Catroga, professor, administrador de empresas, antigo ministro das Finanças do XII Governo, formado no ISCEF (atual ISEG) – com a nota mais alta do seu curso –, e também em Harvard, considera que o mais importante neste enquadramento das patentes é que Portugal continue a evoluir favoravelmente. “Estive ligado a uma empresa que em tempos também conseguia fazer patentes, que era a Sapec Agro, no domínio da agroquímica, onde se fizerem inovações patenteadas”, recorda ao Jornal Económico. “Há poucas patentes em Portugal, mas também é verdade que têm vindo a aumentar e isso é que é relevante”, refere.
“A Novadelta faz investigação orientada para o mercado, conseguindo manter a inovação nos seus produtos. No grupo mais ativo dos criadores portugueses de patentes há um conjunto de startups que resultaram de spin-offs, mas além destas encontram-se poucas mais empresas, o que permite concluir que na totalidade ainda são poucas as que criam patentes em Portugal”, comenta Eduardo Catroga. “As patentes são intrumentos importantes, porque cada uma protege um novo produto, um serviço ou um processo, conseguindo, durante 20 anos, acautelar uma receita sem ter de abri-la à concorrência, o que permite recuperar o capital investido na sua investigação e desenvolvimento”, diz.

Esta área é muito importante para Eduardo Catroga, que sempre se interessou pelo estudo da reindustrialização de Portugal. “No meu recente documento ‘A política ativa de captação de investimento direto estrangeiro’, voltei a abordar o tema da reindustrialização racional e do voluntarismo político”, diz. Sobre o aumento no número de patentes em Portugal, reportado pelo EPO em relação a 2019, concorda que é um dado objetivo constatar que na Europa não representam quase nada, apenas 0,1% das patentes. Comparando Portugal com a Siemens, só esta empresa alemã tem 9,62 vezes mais patentes que todas as que foram reportadas a Portugal no ano passado.

 

“Somos strong inovators”
Eduardo Catroga explica que a análise das patentes portuguesas não pode ser tão linear nas correlações que inferiorizam a inovação feita em Portugal. “No ‘European Innovation Scoreboard 2020’, Portugal passou para o grupo dos “strong innovators” – imediatamente abaixo dos “leading innovators” –, quando anteriormente estava no grupo dos “moderate innovators”, portanto, ficámos ao lado de países tradicionalmente mais desenvolvidos que nós em matéria de inovação, o que nos torna bem posicionados. Ou seja, estamos a melhorar. E, na realidade, o número das nossas patentes cresceu 23,1%”, diz o antigo ministro das Finanças. Porém, esta perspetiva não explica o paradoxo de Portugal ter uma excelente engenharia, mantendo um baixo número absoluto de patentes anuais.
Catroga reconhece que “temos alguns segmentos de engenharia onde estamos bem colocados nos rankings internacionais, tal como também estamos bem posicionados em segmentos do ensino da gestão nas universidades Nova e Católica, e agora também no ISEG em Economia e Finanças”. “Nas engenharias estamos bem em determinados rankings e em determinados segmentos. Mas, na minha análise, temos desafios nos pontos fracos estruturais. Nem sempre um bom professor universitário consegue criar condições para produzir uma inovação virada para o mercado. Isso é um calcanhar de Aquiles que também é europeu se for comparado com os Estados Unidos”, diz.

“Transformar um projeto de investigação, com patentes, virado para o mercado, ainda é um desafio que temos pela nossa frente. Estamos a melhorar muito lentamente. Enquanto grandes empresas como a Siemens e a Bosch já têm um track record dos seus grupos de investigação e desenvolvimento, alguns muito entrosados com as universidades, também temos de aproveitar os nichos de excelência das universidades portuguesas para depois aumentarmos o nosso número de patentes. O passo seguinte é transformar isso em startups viradas para o mercado”, comenta. Eis os “desafios de Portugal”, segundo Eduardo Catroga, os desafios do país que acolhe a Web Summit e que tem um português que preside ao EPO.

“Estranhamos termos poucas patentes. Mas tudo isto é um processo lento. É um ecossistema. Historicamente tínhamos pouca inovação virada para o mercado, com patentes. Se formos analisar o track record histórico, contam-se pelos dedos das mãos as patentes com origem portuguesa. E a transformação disso em negócio, em produtos ou serviços virados para o mercado, ainda pior. Isto deriva ainda de uma concentração das despesas de investigação e desenvolvimento nos chamados laboratórios do Estado. Que, em alguns casos, são controlados por catedráticos que pensam mais nos seus papers. Os professores universitários não são avaliados pelo número de patentes que conseguiram, mas pelo número de publicações que os seus papers tiveram a nível internacional. As carreiras não ponderam o número de patentes que obtiveram sucesso competitivo em produtos que estão no mercado”, comenta o antigo ministro.

“Ou seja: o desenvolvimento de todo um ecossistema é um processo lento. Não podemos desanimar. Vejo isto como desafios para o nosso futuro. E a própria mentalidade portuguesa de criar um ambiente favorável à iniciativa e ao risco, ao empreendedorismo, ainda é uma mentalidade nova, que começou há uma dezena de anos, quando começámos a falar em empreendedorismo. Isto é um processo. Até poderá ‘explodir’ a qualquer momento, se conseguirmos continuar a trabalhar bem”, remata Eduardo Catroga.

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