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Regulador avisa que hidrogénio verde não pode ser subsidiado pelas famílias

A ERSE avisa que o financiamento de medidas de desenvolvimento do hidrogénio verde não pode vir a ser feito através da fatura do gás natural. “A inclusão destes custos [nas tarifas], sem habilitação legal expressa, é legalmente disputável”, avisa a entidade liderada por Maria Cristina Portugal.
  • António Cotrim/Lusa
11 Setembro 2020, 17h57

A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) defende que o desenvolvimento de hidrogénio verde em Portugal não pode ser financiado pelas famílias.

O regulador da energia apontou que a subsidiação deverá sair do Fundo Ambiental, para não sobrecarregar a fatura de gás mensal dos consumidores portugueses.

“A subsidiação dos custos de produção de gases descarbonizados através de transferências do Fundo Ambiental ou outro externo ao setor é essencial para evitar o impacte sobre os custos de fornecimento de gás a clientes finais”, pode-se ler num parecer da ERSE divulgado esta semana ao projeto de diploma que estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Nacional de Gás (SNG),  permitindo a injeção de outros gases na Rede Nacional de Gás .

É um sério alerta da entidade liderada por Maria Cristina Portugal que aponta que “tal como no setor elétrico, os custos das redes pesam no custo final de fornecimento, mas no setor do gás natural são mais dificilmente recuperáveis. Tal sucede pelo facto de o gás natural ter formas de energia concorrentes, que facilmente substituem este combustível”.

A entidade destaca que a “previsão da evolução dos consumos de gás natural no médio prazo não é favorável, ainda mais num futuro marcado pela pandemia Covid-19. Esta circunstância deve aumentar a atenção para a necessidade de conter as tarifas de acesso às redes de gás, evitando sobrecarregá-las com custos suplementares aos que o contexto previsível já antecipa”.

O regulador sublinha que projeto de diploma parece acautelar esta questão ao “prever o financiamento dos sobrecustos com a aquisição de gases descarbonizados pelo Fundo Ambiental”.

Mas declara que “não pode ser ignorado o risco da concretização do financiamento pelo Fundo Ambiental, o qual fica dependente das restrições anuais fixadas pelo Orçamento do Estado (acresce que se prevê a redução de uma das fontes de receita do Fundo, associada às receitas com as licenças de emissão de CO2 e do ISP, em virtude da redução expetável da produção de eletricidade com emissões de CO2)”.

Também o Presidente da República já alertou para os eventuais custos neste setor. “Chamando especial atenção às observações da ERSE, e nomeadamente quanto aos custos futuros do Sistema Nacional de Gás, incluindo, naturalmente, a introdução de novas componentes de rendibilidade a ser comprovada, – matéria que exigirá ponderação no momento de se aplicar o atual regime genérico”, escreveu Marcelo Rebelou de Sousa a 14 de agosto quando promulgou o diploma do Governo que estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Nacional de Gás e o respetivo regime jurídico que procede à transposição da Diretiva 2019/692.

Segundo a Estratégia Nacional para o Hidrogénio, aprovada pelo Governo a 21 de maio, o hidrogénio poderá vir a gerar “investimento na ordem dos sete mil milhões de euros em projetos de produção e numa redução das importações de gás natural na ordem dos 300 a 600 milhões de euros”, até 2030.

Face às críticas de que esta aposta pode vir a pesar no bolso dos consumidores, o Governo já explicou quais os apoios públicos que estão em causa. “A estratégia nacional para o hidrogénio fala em 900 milhões de euros ao longo de 10 anos, 90 milhões em média por ano, e é o compromisso financeiro nacional para apoio à estratégia. Depois, o nosso objetivo é ir buscar fundos europeus, mas geridos pela Comissão Europeia, o que depende da qualidade dos projetos e da qualidade da candidatura que estamos a apresentar”, afirmou o secretário de Estado da Energia ao Jornal Económico a 24 de julho.

“Dos 900 milhões, cerca de 500 são do fundo ambiental, com 400 milhões repartidos por 40 milhões do POSEUR e 360 milhões do Portugal 2020. Se Portugal receber 45 mil milhões, os fundos nacionais que queremos usar para o hidrogénio representam menos de 1% do total de fundos”, segundo João Galamba.

No parecer da ERSE, sobre eventuais investimentos nas redes de gás para poder injetar hidrogénio verde até uma certa percentagem, poupando assim gás natural, o regulador diz que isto terá de ser considerado com “prudência”.  “Em particular na fase inicial, os custos de inovação terão de ser muito bem ponderados e financiados por fundos públicos, nacionais ou europeus, entre outros mecanismos externos ao sistema nacional de gás”, segundo o parecer.

O regulador também alerta que o diploma prevê que o “membro do Governo responsável pela área da energia possa definir os critérios para a repercussão diferenciada dos custos decorrentes de medidas de política energética, de sustentabilidade ou de interesse económico geral (CIEG) nas tarifas reguladas”.

A ERSE entende que não é desejável a criação de CIEG – que na eletricidade são pagos mensalmente pelas famílias na fatura da luz – também para o setor do gás natural. “O setor do gás, além de não ter tradição nos CIEG, tem um segmento doméstico quase inexpressivo, assentando a maior parte dos consumos em segmentos muito sujeitos à concorrência internacional e/ou à substituição por combustíveis alternativos ou mesmo por eletricidade”.

A inclusão de custos adicionais de “decisão administrativa nas tarifas corre sérios riscos de acelerar a troca de vetor energético pelos consumidores, deixando problemas de sustentabilidade económica no setor, já marcado, por exemplo, pela recuperação do passivo das taxas de ocupação do subsolo, de origem municipal, e cujos valores pressionam no sentido da alteração de fonte de energia atento o seu impacto na fatura dos clientes Este é, aliás, um tema cuja solução legislativa está ainda pendente de concretização”, conclui a ERSE.

Resumindo, o  “financiamento de medidas de política energética neste setor deve ser externo ao tarifário. Caso ocorra de modo outro, pode verificar-se uma migração de consumidores para o setor elétrico que, dessa forma, deixam de suportar os custos com as infraestruturas do setor do gás natural, onerando (unitariamente), assim, os demais consumidores que permaneçam no setor (e que veem acrescido o incentivo de saída)”.

A entidade liderada por Maria Cristina Portugal também avisa que “a inclusão destes custos [nas tarifas de gás natural], sem habilitação legal expressa, é legalmente disputável. Alerta-se que criação de CIEG, por via administrativa, face à sua possível classificação jurídica como “tributos” é suscetível de impedir a respetiva conceção e densificação através de instrumento que não seja  legislativo”.

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