[weglot_switcher]

Turquia sufragou o presidencialismo na versão ‘Erdogan’

Terão sido uma das vitórias da sua longa carreira política, mas as eleições do passado domingo demonstram que o país está com o homem que se habituou a ver comandar a Turquia nas últimas duas décadas.
29 Maio 2023, 16h16

Recep Erdogan obteve 52,2% dos votos na segunda volta das eleições presidenciais, derrotando o seu rival Kemal Kilicdaroglu, que obteve 47,8%, e estará mais cinco anos no poder, dando nota de que a maioria dos turcos dá valor à posição de incontestável potência regional a que o país soube ascender. Um bom sinal para a União Europeia – que assim fica a saber que o ‘novo’ presidente não tem como prioridade (ao contrário do que poderia sucedeu se Kemal Kilicdaroglu) vir ‘bater à porta’ do bloco dos 27 para lhe recordar a promessa de entrada.

A própria guerra na Ucrânia foi mais um acontecimento que permitiu à Turquia perceber até que ponto a permanência na União poderia ser um embaraço às suas pretensões de crescimento da sua importância geoestratégica. É que, como Erdogan percebeu, não fazer parte da União quer dizer que a Turquia pode ter uma linha em termos de política externa. E a guerra na Ucrânia permitiu ao país evidenciar essa capacidade – que acabou consubstanciada no chamado Acordo dos Cereais, para o qual a União contribuiu zero.

Erdogan, que permanecerá por muitos anos como o líder mais permanente da Turquia – com a sua influência a rivalizada com a do fundador da república, Mustafa Kemal Ataturk (foi presidente por 15 anos, entre 1923 e sua morte em 1938) – tem agora um passo importante a dar: fazer parte (ou não fazer parte) da Organização de Cooperação de Xangai. Tudo indica que acabará por tentar acrescentar à de observador a posição de membro de facto, o que lhe permitirá fazer parte de um dos blocos mais importantes (e de maior crescimento de importância) do momento.

Paralelamente, a Turquia não irá prescindir da sua condição de membro da NATO, o que lhe permite para todos os efeitos manter uma ligação (que não será a única) ao Ocidente. Ou seja, manter-se-á como um Estado imprescindível em vários palcos, por muitos que alguns sejam razoavelmente conflituantes entre si.

O facto de ao cabo de duas décadas Erdogan ter enfrentado a disputa eleitoral mais desafiante da sua carreira política e a ela ter sobrevivido indica, segundo os analistas, que o país está de acordo com essa posição de charneira que conseguiu e que deu o seu ‘alvará’ ao presidencialismo – algo que estava em dúvida depois de o referendo que o lançou ter sido politicamente pouco explícito.

Algures no mesmo tempo político, Erdogan decidiu dar uma nota ainda mais clara do que procurava: a (re)transformação de Hagia Sophia em mesquita, depois de Ataturk a ter ‘desclassificado’ para simples museu. Era a evidência de que o Estado turco deixava para trás a sua condição laica e voltava a ser (como era o império otomano) um país politicamente engajado com o Islão. Mas não com todo o Islão: o ‘recado’ de Hagia Sophia, para além de ter deixado o Ocidente preocupado, foi uma forma de explicar ao mundo sunita (nomeadamente à Arábia Saudita e ao Egipto) que a Turquia também conta.

A vitória de Erdogan serve também para ‘carimbar’ a política económica, baseada numa opção fundamental pelas exportações, alavancadas numa moeda altamente desvalorizada. Desde logo, a reeleição irá ‘calar’ qualquer esboço de oposição que estivesse a emergir do banco central turco, aparentemente nem sempre alinhado com a opção (quase) única das exportações. O combate à inflação seguirá quando for mais conveniente!

Olhando para o mapa eleitoral na Turquia, fica claro que o apoio a Kilicdaroglu veio de Istambul e de Ancara, para além da costa do mar Egeu e do sudeste, de maioria curda. Para alguns analistas, este pode ser um dos maiores desafios de Erdogan: o aparente distanciamento entre o regime e a população mais jovem e mais urbana do país. Mas esse é um risco que Erdogan terá que ter calculado quando insistiu no caráter presidencialista do regime: sabe que os jovens acabam sempre por ter opções geracionais diversas. Dito de outra forma: mais que presidencialista, o regime turco é neste momento o regime do presidente Erdogan.

RELACIONADO
Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.